Thursday, 29 April 2010

Pobreza é fenómeno vencível (Concl.)



A exclusão política reiterada na gestão do Estado é um vírus que conduz à partidarização do aparelho do Estado. Não se pode defender o combate à corrupção, exaltando o fim da pobreza quando em todas as instituições públicas e universidades do Estado, é permitido o funcionamento, somente, das células do partido no poder. As instituições do Estado moçambicano não são departamentos do partido governamental.


Quem não tiver cartão de membro atrapalha-se como quem estivesse em casa alheia. Esta é a verdade por que passam milhares de funcionários públicos que não aderiram o partido governamental. Tal comportamento era tolerável no monopartidarismo. Nos dias de hoje, em pleno Séc. XXI, é inaceitável qualquer for o partido ainda actue deste modo. Partidarizar a máquina do Estado é excluir potencialidades de tanta gente com vontade para contribuir para o engrandecimento do País. É necessário que haja uma linha de delimitação entre o partido e o Estado para que todos os cidadãos possam participar no combate à pobreza.

O antigo reitor da Universidade Eduardo Mondlane, Dr. Brazão Mazula, exonerou Eduardo Namburete e Ismael Mussá das funções de direcção, aparentemente, por terem sido eleitos deputados pela bancada da oposição, Renamo-União Eleitoral, alegando que não teriam tempo suficiente para se dedicarem à Academia. Esse argumento não convenceu a ninguém porque se conhecem outros funcionários, membros do partido Frelimo, da mesma Universidade que têm, em simultâneas, ocupações noutras instituições do governo, como nos órgãos eleitorais, assembleias municipais, etc. É uma discriminação aberta.

Benjamim Pequenino, gestor com credenciais relevantes, o governo não lhe renovou o mandato de presidente do Conselho de Administração da empresa Correios de Moçambique, por ser membro assumido da Renamo. Conhecem-se outros presidentes de Conselhos de Administração que estão depauperando as instituições que dirigem, mas, como são portadores do cartão de membro do partido, continuam impolutos e inamovíveis nos seus postos. Como se pode vencer a pobreza quando uma parte dos que deveriam ser chamados para frentes de combate são desmobilizados por motivos partidários?

A nomeação para postos de direcção, nas instituições do Estado, está reservada a membros do partido governamental, tenham qualificações ou não. Isso é uma contradição porque a luta pelo desenvolvimento requer o esforço de todos. A exclusão inibe a contribuição dos demais cidadãos que não se identificam com a ideologia do partido no governo. Limita e mutila a visão dos que fazem tais práticas discriminatórias. Falta-lhes, somente, espaço e oportunidade para implantarem o mugabismo, em Moçambique, regredindo aos tempos negros por que tivemos que passar.

Para participar na luta contra a pobreza não é condição essencial ser membro do partido governamental. A luta pela erradicação da pobreza é uma larga frente onde todos os cidadãos cabem e têm tarefa a desenvolver. O partido Frelimo diz possuir dois milhões de membros, porém, a frente contra a pobreza requer o esforço de todos os 20 milhões de moçambicanos. A discriminação é um desperdício de energias.

Passados 33 anos após a Independência Nacional, não se pode indicar, pelo menos, um director, desde distrital até nacional que não seja membro do partido governamental ou coagido a sê- lo, como condição sine qua non para ascenderem à categoria de chefia. Os funcionários públicos estão avisados de que a única via possível para subir na carreira profissional, é filiarem-se ao partido. Se não o fizerem, encontra, seguramente, as portas fechadas.

Noutros quadrantes onde a democracia é uma realidade, a competência técnicoprofissional é o factor que pesa mais na escolha de um dirigente. Entre nós o que conta é se ou não membro do partido, o resto vem depois. Estas práticas desmobilizam aqueles que pretendem participar da luta contra a pobreza.

A carta pastoral dos bispos de Moçambique, de 09.04.2008, diz notamos com preocupação a partidarização do Estado, das instituições públicas, de pessoas e do emprego por partido no poder. Preocupa-nos, igualmente, a coacção de cidadãos a pertencer ao partido. Não é menos preocupante a intolerância da existência de outros partidos nalgumas zonas do País. Tudo isto constitui uma violação dos Direitos Humanos, lesa a democracia e a paz.

É sempre bom ouvir vozes com sabedoria necessária. É leviano dizer que “ah, eles são livres, por isso, podem expressar a sua opinião”. Não é só Dom Jaime Gonçalves que denuncia a partidarização do Estado. São todos os bispos de Moçambique. Lutar contra a pobreza pressupõe trabalhar e sempre trabalhar cada vez mais e melhor. Porém, quando o Presidente da República visita as províncias, onde chega é declarado uma espécie de tolerância de ponto para as populações se dirigirem ao aeroporto a fim de receber ou despedir-se do Chefe do Estado. O mesmo acontece quando é a Primeira-Dama, Maria da Luz Guebuza, a deslocar-se às províncias, tudo fica imobilizado. O secretário-geral também paralisa a vida dos locais por onde passa.


Por Edwin Hounnou, em A Tribuna Fax No. 754 com data de 9 de Julho de 2008

NOTA DO JOSÉ = Terminia esta pequena série, recorde aqui e aqui. De salientar que infelizmente os textos continuam bem actuais e que o combate à pobreza requer muito mais do que o discurso demagógico.

Presidente Armando Guebuza inicia hoje visita de dois dias a Portugal


O Presidente Armando Guebuza inicia hoje - quinta-feira - uma visita de Estado de dois dias a Portugal a partir de amanhã.
O chefe do Estado faz-se acompanhar da sua esposa, Maria da Luz Guebuza, dos ministros Oldemiro Baloi, dos Negócios Estrangeiros, Manuel Chang, das Finanças, Fernando Sumbana, do Turismo e Salvador Namburete, da Energia. Integram ainda a delegação, deputados da Assembleia da Repºeblica e cerca de 70 empresários.
O cehefe do Estado realiza esta visita a convite do seu homólogo português, Cavaco Silva, e tem como objectivo a consolidação das relações politicas e empresariais entre os dois países.
Durante os dois dias da visita,Armando Guebuza irá manter contactos com o Presidente português, Cavaco Silva, e com o Primeiro-ministro, José Sócrates.
Vai igualmente visitar a Assembleia da República, participar num seminário empresarial e manterá um encontro com a comunidade moçambicana residente em Portugal.
Ontem o presidente Armando Guebuza cumpriu um programa privado.
Esta visita a Portugal realiza-se numa altura em que os dois países têm afirmado reiteradamente que as suas relações bilaterais estão a atravessar um alto e excelente momento.
Uma fonte portuguesa revelou a Rádio Moçambique que se prevê a assinatura de acordos entre os dois governos nos domínios da segurança social e da cooperação técnica e científica.
Moçambique e Portugal cooperam nas áreas politica, técnico militar, policial, da governação, justiça, construção entre outras outras.
Neste momento cerca de 60 por cento da cooperação é dedicada a educação e a formação profissional, sendo que Portugal ascendeu em 2009 à segunda posição em termos de investimento estrangeiro em Moçambique.
Isto foi possível com a aprovação de um mega-projecto de 20 anos para a produção de papel, orçado em um bilião e duzentos milhões de euros.
O projecto será implementado nas províncias de Manica e Zambézia e vai gerar cerca de dois mil postos de trabalho.
Uma fonte do Centro de Promoção do Investimento de Moçambique (CPI), revelou à RM que este projecto reveste-se de capital importância, uma vez que assenta na filosofia do governo de inverter a actual tendência em que as exportações do país são dominadas por matérias primas.
“Encorajamos parcerias com empresários locais com vista à transferencia do Know how e a transferência de tecnologia para o processamento interno das mercadorias” – afirmou a fonte, tendo acrescentando que o investimento deve constituir uma fonte para a redução do déficit orçamental.
No comércio, Moçambique é o segundo destino das exportações portuguesas para os países africanos de língua oficial portuguesa.
Em 2009, Moçambique importou de Portugal 121 milhões de euros contra 92 milhões no ano anterior. As exportações moçambicanas para Portugal também registaram um crescimento neste período, tendo passado para cerca de 43 milhões de euros, um aumento de 27 por cento comparativamente a 2008.
A fonte do Centro de Promoção do Investimento fez questão de sublinhar que as expectativas são as mais elevadas em torno da visita que o Presidente Armando Guebuza realiza a partir de amanhã a Portugal, esperando-se que contribua ainda mais para estreitar as relações bilaterais.


Por Leonel Matias, enviado da Rádio Moçambique

Livro de José Milhazes sobre o acidente que matou o presidente Samora Machel

Queda do avião ocorreu por desleixo da tripulação soviética, diz o autor, jornalista da Lusa em Moscovo

A queda do avião que provocou a morte do presidente moçambicano Samora Machel, em 1986, foi causada por desleixo da tripulação soviética da aeronave, afirmou o jornalista José Milhazes, que relata a tragédia no seu mais recente livro. A obra, intitulada “Samora Machel - Atentado ou Acidente?”, será lançada pela Aletheia Editores, na quinta-feira, em Lisboa.
Penso que consegui responder (a questão do título do livro), pois não se tratou de um atentado, mas sim de um acidente. O avião caiu devido a um erro humano, mais propriamente, ao desleixo da tripulação do avião presidencial, como disse um dos técnicos”, referiu o jornalista, correspondente da Agência Lusa em Moscovo.
Samora Machel morreu na queda (na África do Sul) de um avião, cedido pela então União Soviética (URSS) e com tripulação desta nacionalidade, no regresso de uma reunião internacional em Lusaka, na Zâmbia, a 19 de Outubro de 1986.
Segundo Milhazes, a ideia para escrever o livro surgiu pelo “facto de ler repetidas vezes em órgãos de informação que a morte do presidente Samora Machel na queda do avião teria sido fruto de um atentado organizado pelos serviços secretos sul-africanos.”
Os soviéticos, indicou Milhazes, “participaram directamente em toda a investigação” do Tupolev 134 que foi cedido ao dirigente moçambicano, líder da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e primeiro presidente do país africano após a sua independência de Portugal em 1975.
“Foi vendo o resultado das investigações por parte dos soviéticos, cruzando com declarações de pessoas que participaram destas investigações, nomeadamente um tradutor russo que acompanhou todo o trabalho das várias comissões internacionais, que me levou a colocar esta pergunta e tentar responder”, sublinhou o jornalista.
Para Milhazes, a tese do atentado era mais conveniente para soviéticos e moçambicanos.
“Os soviéticos ainda estavam no início da transparência e da reestruturação realizada por Mikail Gorbachov em 1986 (perestroika). Não conseguimos imaginar a direcção soviética a reconhecer que o avião caiu por causa da tripulação, devido a erros crassos”, indicou.
“Para os moçambicanos, interessava também que o presidente se transformasse num mártir da luta contra o apartheid, assim, tentou-se encontrar versões heroicas, com mais epopeia do acontecimento”, revelou ainda.
Entretanto, Milhazes revelou que outras hipóteses para a queda do avião foram lançadas, como o falso farol que teria enganado os pilotos soviéticos ou ainda a conspiração entre os serviços secretos sul-africanos e soviéticos na morte do presidente.
Segundo o jornalista português em Moscovo, “alguns especialistas indicam que o acidente aconteceu por total desleixo da tripulação soviética”, deixando os detalhes para que o leitor descubra ao ler o seu livro.
A obra tem capítulos dedicados a alguns dirigentes moçambicanos, nomeadamente Eduardo Mondlane, Samora Machel e Joaquim Chissano, relatando a visão dos soviéticos destas personalidades, assim como uma análise da intervenção militar da URSS em Moçambique.


FONTE: Notícias Lusófonas

Wednesday, 28 April 2010

Pobreza é fenómeno vencível (II)



A impunidade de que gozam os grandes corruptos em sintonia com o crime organizado, resulta na pobreza dos povos.

O combate à corrupção, com actos concretos, como levando os corruptos à barra dos tribunais, será um passo importante na luta contra a pobreza. Armando Guebuza está na recta final do seu mandato, mas, ainda não apresentou um único corrupto graúdo. O caso do INSS é sintomático como os delapidadores do bem comum são protegidos pelos seus comparsas colocados no governo. Descartar-se dos corruptos do colarinho branco é um imperativo, se o discurso contra a corrupção for uma coisa séria.

Um governo sem prioridades não pode vencer a pobreza. Ela não sera vencida enquanto houver coabitação com roedores do bem público. A linha de separação entre corruptos e gente íntegra não deve oferecer dúvidas. A promiscuidade entre bons e maus, no governo, enfraquece o combate à corrupção e retarda o desenvolvimento. Separar o joio do trigo facilitar o desenvolvimento.

A distribuição justa da renda nacional é um pressuposto base para erradicar a pobreza. Construir infraestruturas económicas – estradas, pontes, fábricas, não só apostar em mega projectos, - e sociais como escolas de qualidade, postos de saúde, formação de professores, enfermeiros, médicos, massificar o ensino técnico, será um sinal claro da luta contra a pobreza. Um povo doente e ignorante não vence a pobreza.

A falta de clareza nas prioridades do Executivo é gritante. Ontem, o discurso sobre produção de jatropha era o cartão de visita. Hoje, os mesmos portaestandartes não poderão ter o mesmo ímpeto de circular, nos comícios, com uma planta da jatropha à cabeça. A aquisição de viaturas para membros do Executivo, gastos excessivos com jantares, recepções, seminários, painéis e workshops, revela ausência de clareza nas prioridades.

O governo não se mostra capaz de traçar política exequível para o sector dos transportes públicos. O excesso de gastos de combustíveis deve-se ao facto de haver muitos carros privados a circular, com poucas pessoas, em detrimentos de machimbombos de maior lotação. Pensar em metropolitanos poderia ser um caminho a seguir. É um transporte de massas e rápido. Criar-se-iam milhares de postos de trabalho digno, com contribuições para a segurança social. Os nossos governantes, nos países por onde costumam passar o tempo de lazer, utilizam, com muito prazer, metropolitanos. Eles podem testemunhar estas verdades inegáveis.



Edwin Hounnou, A Tribuna Fax, No. 751, 4 de Julho de 2008


Tuesday, 27 April 2010

Presidente inicia visita a Portugal para consolidar e desenvolver relações

O Presidente moçambicano, Armando Guebuza, inicia quinta-feira uma visita de dois dias a Portugal para “consolidar e desenvolver as relações entre os dois países ao nível político e empresarial”.
A visita de Estado “realiza-se num período em que as relações de amizade e cooperação entre os dois países se situam num nível bastante elevado, resultado alcançado durante as visitas realizadas pelo Presidente da República Portuguesa, em 2008, e pelo primeiro-ministro de Portugal, em 2010”, disse hoje a Presidência de Moçambique em comunicado.
Na visita de Estado, a convite de Aníbal Cavaco Silva (feito após a vitória de Armando Guebuza nas eleições presidenciais do ano passado), o Presidente moçambicano é acompanhado por cerca de 70 empresários de áreas como energia, construção civil, imobiliário, turismo, metalomecânica, banca, indústria, agricultura e minas.
Armando Guebuza, que viaja com a mulher, Maria da Luz Guebuza, é ainda acompanhado do ministro dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Baloi, ministro das Finanças, Manuel Chang, ministro do Turismo, Fernando Sumbana, e ministro da Energia, Salvador Namburete.
O Presidente terá encontros com Aníbal Cavaco Silva, e com o primeiro-ministro, José Sócrates. Armando Guebuza visita também a Assembleia da República, participa num seminário empresarial (com empresários dos dois países) e tem um encontro com a comunidade moçambicana residente em Portugal.
A visita oficial inicia-se na manhã de quinta-feira, com honras militares na Praça do Império e a deposição de uma coroa de flores no túmulo de Camões, seguindo-se um encontro com Cavaco Silva, seguido de almoço.
Durante a tarde Armando Guebuza é recebido em sessão solene na Assembleia da República, onde intervém, e visita depois a sede da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e a Universidade Lusófona, onde será descerrada uma placa (no auditório da Biblioteca) com o seu nome.
Na sexta-feira Armando Guebuza visita o Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), onde será apresentado o estudo “Projecto de Plataforma Logística Alimentar para Moçambique”, e o Parque Eólico da Serra de El-Rei (Peniche), seguindo depois para S. Bento, para um encontro com o primeiro-ministro, José Sócrates.
Durante a tarde, o Presidente encontra-se com a comunidade moçambicana e depois encerra, com Cavaco Silva, o encontro de empresários.


FONTE: Notícia Lusófonas

Acidente de Mbuzini

O ponto de vista russo em novo livro sobre a morte de Samora Machel

Será lançado em Lisboa, depois de amanhã, quinta-feira dia 29, o livro, «Samora Machel - Atentado ou Acidente?» da autoria de José Milhazes, investigador português radicado em Moscovo.

Maputo (Canalmoz) - Será lançado em Lisboa depois de amanhã, quinta-feira dia 29, o livro, «Samora Machel - Atentado ou Acidente?» da autoria de José Milhazes, investigador português radicado em Moscovo. Milhazes debruça-se sobre as causas do acidente de aviação em que perdeu a vida o primeiro presidente moçambicano, Samora Machel. “O aparelho Tupolev 134 e a tripulação eram soviéticos, daí ser importante saber o que pensam os especialistas da antiga URSS sobre isso”, refere o autor que reside em Moscovo desde 1977.
No mesmo dia em que o livro é lançado em Lisboa o Armando Guebuza inicia uma visita de Estado a Portugal a convite do seu homólogo Cavaco Silva.

José Milhazes

De 51 anos de idade, José Milhazes é doutorado pela Universidade do Porto, tendo-se dedicado à tradução de obras literárias e políticas de língua russa para o português. Foi correspondente do jornal «Público» em Moscovo, e colaborador do canal televisivo, SIC. Presentemente trabalha como correspondente da LUSA na capital Russa, que aquando do acidente era a capital da extinta União Soviética.
Milhazes é autor do livro, «Angola – O Princípio do fim da União Soviética», publicado o ano passado pela Editora Vega. Em «Samora Machel - Atentado ou Acidente?» José Milhazes afirma ter “conseguido encontrar fontes, escritas e orais, que põem um ponto final na discussão” em torno do acidente de Mbuzini.. “Mas essa decisão” acrescenta, “irá pertencer aos leitores”. O novo livro de José Milhazes sairá com a chancela da editora Aletheia.

O Livro de Sérgio Vieira

O mais recente livro a abordar o acidente de Mbuzini foi lançado em Maputo o mês passado. Trata-se de «Participei, por isso testemunho» da autoria de Sérgio Vieira. O autor defende que Samora Machel foi vítima de um “acto de terrorismo de Estado”, que teria contado com o envolvimento do Reino Unido e dos Estados Unidos. (pp. 489-490) Todavia, Vieira não fornece pistas concludentes que substanciem a sua tese, assentando as alegações que faz em chamadas telefónicas recebidas das representações diplomáticas britânica e americana em Maputo poucos dias a seguir ao acidente. Conforme relata o autor, os diplomatas apenas informaram que os seus países não tencionavam integrar a comissão de inquérito instituída pela África do Sul.
No livro, Sérgio Vieira refere que as investigações sobre o acidente de Mbuzini efectuaram-se de acordo com as “regras da IATA”. (p. 486) A IATA é uma associação internacional de transportadoras aéreas que trata exclusivamente de questões comerciais. A instituição que lida com acidentes de aviação é a ICAO, e foi ao abrigo deste organismo das Nações Unidas que a Comissão de Inquérito sul-africana investigou o acidente.
Alega o autor que os radares sul-africanos haviam “segui[do] o voo presidencial desde Mbala e Lusaka”. (p. 491) O raio de acção desses radares, porém, não excedia os 320 km, portanto muito aquém quer da Base Aérea de Mbala, quer da capital zambiana, que distam da fronteira sul-africana 2,500 km e 800 km, respectivamente.
O autor põe em causa a idoneidade e a competência das individualidades estrangeiras que integraram a Comissão de Inquérito. O americano Frank Borman e aos britânicos Sir Edward Eveleigh e Geoffrey Wilkinson são descritos como “personalidades com posicionamento de extrema-direita e pró-apartheid”. (pp. 490-491) Na opinião do autor, Borman “não dispunha de credenciais como perito para estudar acidentes aéreos”. (p. 489)
Engenheiro de aeronáutica, Frank Borman iniciou a carreira como piloto de aviões de combate, desempenhando depois as funções de piloto operacional e de piloto de voos de ensaio. Foi professor assistente de termodinâmica e mecânica de fluidos na Academia de West Point. Em 1968, quando desempenhava as funções de instrutor de aviação na Base Aérea de Edwards, Califórnia, foi escolhido pela NASA para chefiar a Missão Espacial Apolo 8. No ano anterior, havia integrado a comissão de inquérito que procedeu à investigação das causas de um acidente envolvendo uma nave espacial do Programa Apolo.
Igualmente engenheiro de aeronáutica, Geoffrey Wilkinson era, à altura do acidente de Mbuzini, chefe do Departamento de Investigações de Acidentes Aéreos (AAIB) do Reino Unido, sendo então considerado como o único investigador do Ocidente com experiência em investigações de acidentes envolvendo aviões Tupolev-134.
Formado pela Universidade de Oxford, Sir Edward Eveleigh era juiz do Tribunal de Recurso do Reino Unido, contando com vasta experiência em casos jurídicos envolvendo acidentes de aviação.
Sobre Cecil Margo, que chefiou a Comissão de Inquérito sul-africana, o autor considera que esse juiz “distinguira-se por um veredicto sobre o assassinato de Steeve (sic) Biko” e que contrariando um médico, “o senhor Margoo (sic) decidiu que Biko se suicidara dando cabeçadas nos muros da sua cela!”. (p. 490) Cecil Margo não teve qualquer envolvimento, directo ou indirecto, no caso. Marthinus Prins, um magistrado de Pretória, foi quem presidiu ao inquérito judicial instaurado para se apurarem as causas da morte de Biko. A tese do suicídio não foi sequer evocada no decurso do inquérito judicial, tendo Prins concluído que a morte de Biko se devera a "uma briga" com agentes da polícia que o haviam interrogado. Para além do inquérito judicial realizado em 1978, nesse mesmo ano a família Biko moveu uma acção contra o Estado sul-africano, exigindo uma indemnização pela morte do activista anti-apartheid. O caso não foi a julgamento pois o governo da África do Sul e a família Biko chegaram a acordo quanto à indemnização a pagar. Em 1980, o Comité Disciplinar da Ordem dos Médicos da África do Sul ilibou os médicos que haviam tratado Biko pouco antes da sua morte. Não satisfeitos com esta decisão, em 1985 um grupo de membros da mesma Ordem moveu uma acção junto do Tribunal Supremo de Pretória, tendo esta instância decretado que se efectuasse um inquérito à conduta dos médicos que haviam tratado de Biko. Na sequência do inquérito, W.G. Boshoff, juiz presidente do Transvaal, considerou haver provas de conduta imprópria por parte dos referidos médicos, embora o autor de “Participei, por isso testemunho” considere um deles de “eminente patologista”. (p. 490) O caso Biko voltou a ser alvo de um novo inquérito no âmbito da Comissão da Reconciliação e Verdade. Cecil Margo não teve qualquer participação em nenhum dos inquéritos.
Afirma o autor que, “abruptamente, a parte sul-africana deu, unilateralmente, por terminado o seu inquérito, quando toda a comissão desejava que se averiguasse o sinal localizado na zona de Mbuzini e que, aparentemente, haveria fornecido falsas informações aos aparelhos electrónicos do TU134B (sic) do Presidente”. (p. 490)
Tanto Moçambique como a União Soviética retiraram-se da Comissão de Inquérito no momento em que esta se preparava para analisar os dados contidos no Relatório Factual elaborado por peritos representando os três Estados. Não obstante a posição assumida pelos dois países, a Comissão de Inquérito averiguou em profundidade a questão do chamado VOR falso, tendo concluído que a alegação era infundada. Inclusivamente, a Comissão solicitou a Moçambique que autorizasse a utilização do espaço aéreo moçambicano para se efectuar um ensaio à propagação das ondas do VOR de Matsapha. Segundo a parte soviética, o sinal emitido pelo VOR de Matsapha não poderia ter sido captado pelo Tu-134A presidencial devido a obstruções causadas pelos montes Libombos. Não obstante o facto do governo moçambicano ter indeferido a autorização solicitada, viriam a ser efectuados ensaios ao VOR de Matsapha com recurso a voos não oficiais envolvendo dois «Mirage» da Força Aérea Sul-Africana e aviões cargueiros de uma empresa privada. Em ambos os voos foi possível sintonizar o VOR do aeroporto suázi.
Lamenta o autor que os “serviços competentes” da África do Sul não tenham dado atenção às declarações do senhor Hans Louw. (p. 491) Entrevistado no programa televisivo Special Assignment da SABC 3, Louw afirmou que se encontrava no local onde o Tupolev se havia despenhado, como parte de uma unidade portadora de mísseis terra-ar com o objectivo de abater o avião presidencial. Hans Louw precisou ter avistado o avião a aproximar-se, “preparando-se para aterrar, com o trem de aterragem descido” e que “o piloto pensava que estava a aterrar em Moçambique”.
De acordo com o Relatório Factual atrás citado, no momento da colisão, o trem de aterragem do Tupolev presidencial encontrava-se recolhido. A audição do CVR, efectuada na Suíça (e não na África do Sul, como escreve o autor de “Participei, por isso testemunho”, p. 488), prova que a três segundos da colisão, quer o navegador, quer o piloto, não sabiam onde se encontravam, nem para onde ir. Por conseguinte, o piloto não “pensava” que estava a aterrar:

Navegador: Não, não, não há para onde ir, não há NDBs, não há nada.

Piloto: Nem NDBs, nem ILS.

Um indivíduo que reúne todas as características de impostor, que para além de especular sobre as intenções da tripulação de uma aeronave em pleno voo, inventa pormenores técnicos que contrariam o parecer de peritos qualificados, não pode, obviamente, ser objecto de atenção dos serviços competentes do país vizinho.

(João Cabrita, CANALMOZ, 27/04/10)

Pobreza é fenómeno vencível (I)


O Presidente da República, Armando Guebuza, na sua mensagem dirigida à Nação, pela ocasião dos 33 anos da Independência Nacional, disse que a pobreza é um fenómeno vencível. Nenhum ser humano nasce predestinado a ser pobre. A pobreza resulta de políticas e comportamentos inadequados. A incapacidade de políticas públicas exequíveis leva à pobreza a maioria do povo, situação pela qual mais de metade dos moçambicanos. Não há fatalidade quanto a esta questão. Não temos dúvidas e Deus não vai socorrer aos que ficam à espera de chuva ou do sol para produzir. O tempo de milagres passou.

Ou trabalhamos para a gente sair da miséria, condenamos a pedir tudo. Políticas erradas e ausência da cultura de trabalho árduo individual e colectivo levam Moçambique a quedar-se no fundo do túnel da pobreza. O nosso país pode produzir o suficiente de modo a evitar importar vários produtos agrícolas que inundam os mercados. Países mais sofridos que o nosso, como o Vietname que produz arroz para a nossa mesa e não só, venceram a pobreza.

O Japão é um país montanhoso, mas, produz arroz e trigo para todo o mundo. Israel situa-se num deserto, porém, não anda a mendigar comida. A Jordânia tem, apenas, cinco porcento do seu território arável, todavia, exporta produtos alimentares de origem agrícola para mais de 36 países da Europa, Ásia e América Latina. Porém, Moçambique com 36 milhões de hectares de terra arável, não produz o suficiente para se alimentar. Não é auto-suficiente de nenhum cereal ou grão.

Uma nação é respeitada pelos discursos dos seus políticos, mas, pela determinação do seu povo e clarividência das políticas governamentais. Nós, também, podemos vencer se formos abnegados no trabalho e houver políticas públicas convincentes. Enquanto se continuar a pedir o que muito bem poderia ser produzido no nosso país, ninguém nos vai respeitar. É difícil respeitar a um incapaz.

O sistema do regadio do Chokwe foi reabilitado e abandonado. O complexo de Angónia produzia batata e muita fruta, mas, agora é tudo mato. Como se pode matar a pobreza sem produzir? O complexo de Inguri deixou de existir, as grandes machambas de Sussundenga desapareceram para dar lugar as matas onde as ratazanas se procriam. Em termos globais, por cada ano que passa, o País produz cada vez menos.

Sem uma indústria para transformar os nossos produtos agro-pecuários, a pobreza vai continuar instalada no seio do povo. Sem uma agricultura de rendimento, sonhar em vencer a pobreza será, apenas, uma miragem, um discurso de boas intenções. A revolução não é um slogan atrás da qual se escondem aqueles que deveriam pensar como produzir mais e melhor. Sem acesso a financiamentos bancários e sem aprendizagem de técnicas modernas de produção, o combate à pobreza será uma simples canção para entreter os mais distraídos. Continuaremos na esquina, de mão estendida, para a caridade da comunidade internacional.

A pobreza será vencida quando os tribunais e a Procuradoria estancarem a corrupção. Não é perseguindo o professor primário que pede matabicho ao seu aluno para facilitar uma nota que se diz estar a lutar contra a corrupção. Não é, de modo algum, sendo rígidos e céleres no julgamento dos processos contra jornalistas e elementos da oposição, apanhados em manifestações, que se luta contra a corrupção.


( Edwin Hounnou, em “ A TribunaFax”, de 03/07/08 )


NOTA DO JOSÉ = É impressionante como este texto, apesar de não ser recente, continua bem actual!

Ministra da Justiça confirma torturas na BO e desabafa: “É um retrocesso na nossa luta contra a violação dos Direitos Humanos”

A ministra moçambicana da justiça, Benvinda Levy, manifestou o seu desagrado e preocupação perante informações de torturas que acabava de confirmar quando na última Sexta-feira, 16 de Abril, visitou a cadeia de máxima segurança da Machava, também conhecida por BO.

Repudiando as acções dos agentes de segurança daquele estabelecimento penitenciário, ao mesmo tempo que prometia medidas duras contra os respon­sáveis, a ministra desabafou referindo que “isto é um retrocesso perante o sucesso que vínhamos alcançando na luta contra a violação dos Direitos Humanos”.

Depois da Liga Moçam­bicana dos Direitos Humanos (LDH) junto a imprensa moçambicana terem denun­ciado actos de torturas de reclusos na cadeia de máxi­ma segurança da Machava, Benvinda Levy deslocou-se àquele estabelecimento pri­sional para inteirar-se do que estava acontecer.

Levy chegou às instala­ções da B.O por volta das 14:30 e reuniu-se cerca de uma hora, à porta fechada, com a direcção da cadeia.

Depois do encontro com o staff prisional, a ministra da Justiça reuniu-se com o grupo de reclusos supos­tamente vítimas de torturas e convidou cada um deles a contar o que lhe tinha acon­tecido. O encontro com aquele grupo de presidiários decorreu na presença da direcção máxima da BO, quadros seniores do minis­tério da Justiça, da direcção nacional das prisões, IPAJ e da imprensa.

Os reclusos informaram a ministra da Justiça que as torturas começaram na noite do dia 31 de Março e prolon­garam-se até ao dia 07 de Abril.

Benvinda Levy soube que além de torturas a B.O regista sérios problemas de violação dos Direitos Humanos.

Há reclusos que estão nas celas disciplinares há mais de seis meses, enquanto pela natureza do lugar, um ser humano não pode ser man­tido por mais de 60 dias, visto que a cela foi concebida com o intuito de disciplinar e não para o cumprimento da pena.

As celas disciplinares são lugares minúsculos sem sistema de ventilação e muito menos casas de banho. Foram concebidas para quatro pessoas mas que em algum momento albergam 10 reclusos. Os presos lá encar­cerados fazem necessidades em sacos de plástico e as celas são abertas uma vez por dia para efeitos de limpeza.

Refeições deplorantes

O menú limita-se a uma massa de farinha de milho acompanhada de feijão tem­pe­rado com sal. Na Sexta-feira, por causa da visita da ministra, foi acrescido repo­lho no feijão. A refeição é distribuída uma vez por dia e cabe ao recluso gerir a sua quota para o almoço e jantar.

O SAVANA pode teste­munhar que o grosso dos reclusos encarcerados na­que­la cadeia depende das refeições daquele estabele­cimento. Na última Sexta-feira, apenas 123 reclusos de um total de 800 é que tinham recebido comida vinda dos seus familiares.

Benvinda Levy foi ainda informada que a violência protagonizada pelos agentes de segurança teve aval do director da cadeia, Renato Jaime, em conluiu com o chefe da segurança de nome Gabriel Djevo.

Alexandre José, recluso, contou à ministra que foi torturado na noite de 31 de Março. Sofreu lesões e fracturas, mas não lhe foi canalizada assistência mé­dica e todo o tratamento limitou-se à administração de uma dose de analgésicos, no posto médico local.

Atrasou à formatura de efectividade (a efectividade consiste na contagem de reclusos à saída das celas para o banho solar bem como o seu regresso).

Foi recolhido pela guarda prisional para Cela Disci­plinar (CD) onde encontrou outros reclusos.

Na Cela Disciplinar, Ale­xan­­dre José foi espancado por reclusos que se encon­tram naquele local.

Depois de tanta panca­daria, Alexandre José foi socorrido por um recluso que se encontrava noutra cela e que ouvindo gritos sensi­bilizou-se e bateu à porta da sua cela alertando a segu­rança da cadeia do que estava acontecer na CD.

Chegados ao local, os agentes de segurança, em vez de o socorrer, retiraram-no da cela e foram algemá-lo a uma árvore. Aí, cada um dos agentes foi distribuindo cacetadas de acordo com a sua força.

Alexandre não terá resis­tido e ficou inanimado. Mesmo assim, ninguém se manifestou preocupado. Disse ainda que permaneceu toda a noite algemado e ensanguentado.

No dia seguinte, tentou informar do sucedido à direcção da cadeia mas não foi bem sucedido.

Afirmou que toda a tortura foi coordenada por um chefe de turno conhecido por comandante Cossa.

Alguns reclusos que fala­ram à ministra assumiram que violaram as regras internas do funcionamento da cadeia porque desobede­ceram a hora da recolha às celas, e outros porque foram surpreendidos com tele­móveis nas celas, factos proibidos no regulamento interno da cadeia. Outros disseram que não conheciam as motivações que culmi­naram com a sua tortura, tendo para tal referido que cerca das 15 horas do dia 7 de Abril, um oficial de perma­nência de nome Cossa mandou abrir celas e de lá tirou reclusos para tortura.

“Era feriado mas, o direc­tor da cadeia estava pre­sente. Acompanhou todos os acontecimentos e em vez de minimizar a situação disse apenas que dá mais 10 cacetadas na minha conta”, contou um dos reclusos torturados.

Depois de ouvir os reclu­sos, a ministra da Justiça repudiou as agressões e disse que haverá respon­sabilização criminal ou dis­ciplinar, conforme os resul­tados do inquérito que decor­re neste momento, para apurar os culpados que serão conhecidos dentro de 15 dias.

Disse que estes actos vêm pintar a preto o sucesso que o governo moçambicano vinha alcançando na luta contra a violação dos Direitos Humanos.

Por sua vez, Renato Jaime reconheceu a ocorrência das agressões, negando, no entanto, o seu envolvimento como mandante.

Afirmou que quando regis­tou a ocorrência de agres­sões comunicou à Direcção Nacional das Prisões. Só que, estranhamente, Benvin­da Levy disse que tomou conhecimento da ocorrência de torturas na B.O através da Liga dos Direitos Hu­manos.

O SAVANA tem informa­ções segundo as quais os guardas que estiveram por detrás da tortura de reclusos continuam a exercer as suas funções normalmente e nenhum processo disciplinar terá sido instaurado.

Tal como o director da cadeia mentiu à imprensa referindo que comunicou à Direcção Nacional das Pri­sões sobre as torturas, mentiu novamente aos jor­nalistas bem como à ministra quando referiu que os agen­tes estão suspensos.


Violência policial, torturas e execuções sumárias


Torturam, retiram presos das celas, amarram e executam, desfigurando a cara das vítimas para ocultar a identificação. Gangsters? Não. São agentes da polícia moçambicana, se­gundo revela o Relatório Anual sobre Direitos Humanos em Moçambique, lançado esta quarta-feira em Maputo.

A violação dos direitos dos cidadãos pelos agentes da Policia da Republica de Mo­çambique (PRM) é frequente e poucas vezes penalizada, revela o relatório da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.

“Não se verifica nenhuma melhoria quanto à violação dos direitos dos cidadãos pela Policia”, disse João Nhamposse, do Gabinete de Advocacia e Pressão da Liga.

O mais alarmante para a Liga, são as 15 execuções sumárias perpetradas por agentes da polícia como forma de impedir a fuga de supostos criminosos.

Segundo o relatório, na maioria dos 15 execuções sumárias reportadas entre Janeiro a Agosto de 2008 na cidade e província de Maputo, polícias balearam as vítimas na cabeça ou peito, quando o procedimento habitual para parar uma fuga e atirar nas pernas.

”O facto de Moçambique não ter ainda uma lei especifica contra tortura e execuções sumárias pode ser um ponto fraco que e aproveitado pelos agentes da PRM”, explica o relatório.

Mesmo os poucos casos de condenação de polícias são por ofensas corporais voluntárias ou por homicídio e nunca por crime de tortura ou execuções su­márias, crimes que ainda não existem no ordenamento jurídico moçambicano, embora o país ter ratificado a Convenção contra a Tortura em 1991.

Os casos de execução su­mária incluem vários corpos descobertos no distrito da Moamba, província de Maputo, e dois manifestantes baleados na sequência de protestos contra os preços dos transportes em Fevereiro de 2008. Em outros quatro casos, os cidadãos foram abordados pela polícia na rua e baleados.

Em dois casos da Moamba, os mortos estiveram detidos na cadeia ou no comando da polícia.


CASO COSTA DO SOL


Por outra parte, o Relatório considera um efeito positivo o despertar da justiça moçam­bicana em 2008, com a processo de três policiais envolvidos nas execuções sumárias de cida­dãos indefesos na zona da Costa do Sol, em Maputo. Os policiais foram condenados a 21 anos de prisão e foram pagas de indem­nizações às famílias das vítimas

Neste caso, a Liga deplora as divergências entre a Policia e a Procuradoria-Geral da Re­publica (PGR) da Cidade de Maputo face as denuncias feitas por populares da chacina num pequeno matagal perto de um campo de futebol.

Enquanto a polícia alegou que os supostos malfeitores foram baleados quando ten­tavam fugir da custodia policial, o inquérito da PGR apurou que a policia executou-os sumaria­mente, alvejando-os na nuca e a curta distância, o que mostra “uma determinação irrefutável de homicídio”, segundo o relatório.

Para Nhamposse, o mais grave são as execuções suma­rias e os casos de retirada de presos das celas na calada da noite para ser assassinados. Embora não existe uma ordem expressa, as hierarquias supe­riores da Policia estão coni­ventes nas execuções sumarias, opina Nhamposse.

“Falta monitoria das cadeias por parte do Governo, a Liga sozinha não tem capacidade para cobrir todo o pais”, disse Nhamposse ao SAVANA.

A Liga e o Governo assinaram recentemente um memorando de entendimento que visa facilitar o acesso dos activistas as cadeias, o que poderá reduzir os abusos protagonizados por policias sobre os presos.

(A.M)


Causas da violência policial


Segundo a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, várias são as causas da violência policial:

Discursos violentos e preconceituosos contra os criminosos

Má preparação dos polícias

Falta de domínio das técnicas de prevenção e investigação dos crimes

Associação criminosa entre polícias e bandidos

Más condições de trabalho

Corporativismo na protecção dos culpáveis

Impunidade e falta de lei que condene execuções sumárias e torturas



FONTE: Raul Senda no SAVANA de 23/04/10

Monday, 26 April 2010

Guebuza volta à carga contra os adversários da sua política

No encerramento da presidência aberta na cidade de Maputo

Maputo (Canalmoz) – O Presidente da República, Armando Guebuza, voltou à carga contra os críticos do seu Governo, classificando-os como estando a sofrer de “conflito interno”. Num encontro que manteve com jovens, na manhã do último sábado, no pavilhão do clube “Estrela Vermelha”, Guebuza desviou-se dos problemas da juventude para atacar aqueles que contestam o seu “estilo de governação”, alegando que estes procuram “exteriorizar o seu conflito interno para atingir outras pessoas a influenciar o seu trabalho, para serem vistos como heróis”.
Não é a primeira vez que o Presidente da República ataca directamente os adversários da política do seu Governo. Na abertura da II Sessão Extraordinária do Comité Central da Frelimo, em 2008, que serviu para preparar as eleições autárquicas do mesmo ano, Guebuza havia apelidado os críticos da sua política como “apóstolos da desgraça”. E no encerramento da “presidência aberta”, em 2009, antes das eleições que o reconduziram ao poder em Outubro de 2009, o chefe do Estado insurgiu-se contra os que criticam os custos das “presidências abertas”, afirmando, em resposta, que “este modelo de governação é para continuar”.
O encontro do chefe do Estado com os jovens, neste último sábado, acabou por servir apenas para atacar os adversários do regime, uma vez que os jovens que foram seleccionados para apresentarem os seus problemas ao chefe do Estado, nomeadamente os da OJM, ou seja os da Frelimo, nada disseram de concreto inerente aos problemas que afligem a juventude em geral.
Aliás, tudo quanto se ouviu pela parte destes foi: “Viva a Frelimo, viva Guebuza!”, como de costume, embora alegadamente o encontro fosse com o Presidente da República. Entre um ou outro interveniente que falou dos problemas da juventude, gastou-se mais tempo a bajular o chefe do Estado do que a apresentar questões concretas. Foram raros os que falaram de desemprego, de falta de habitação, de insuficiência de vagas no ensino, nomeadamente o Superior, que constituem problemas centrais da juventude de hoje.
No discurso da tomada de posse, Guebuza havia assegurado que “haverá respeito pelo pensar diferente”.
As críticas às ideologias de Guebuza começaram com as prioridades escolhidas para combater a pobreza absoluta, e vieram a adensar-se sobretudo com a distribuição, pelos distritos, dos não menos famosos “sete milhões” – que agora é muito mais –, alegadamente para acabar com a pobreza. De entre políticas e críticas, tudo acabou num baptismo público, em que aos que pensavam diferente lhes coube o epíteto de “apóstolos da desgraça”.
No presente mandato, as críticas não pararam, e tiveram ainda mais motivos com as propostas do Orçamento do Estado para ano de 2010 e do Plano Económico Social (PES) submetidas à Assembleia da República, e que foram aprovadas pelo voto maioritário da bancada parlamentar da Frelimo. Basicamente foram são criticados os critérios que o Governo da Frelimo usou para fazer a distribuição orçamental.
É que as áreas prioritárias para o combate à pobreza como a agricultura e a educação, por exemplo, voltaram a ser marginalizadas. E os sectores improdutivos voltaram a encaixar altas verbas do Orçamento de Estado (OE). As críticas não demoraram, e vieram de todos os quadrantes: da AR, da imprensa e da opinião pública. Todos questionaram se de facto o OE visava combater a pobreza absoluta. E como resposta, eis que isso agora é chamado um “conflito interno” de quem não aplaude esta política.

(Borges Nhamirre e Matias Guente)


Jovens pedem habitação e emprego ao chefe de Estado

Maputo (Canalmoz) – Alguns jovens filiados em diferentes associações mostraram ao Presidente da República, Armando Guebuza, que é impossível combater a pobreza sem políticas para a juventude. Mostraram ao PR que a inexistência de uma política de habitação e de emprego deita por terra qualquer esforço dos jovens, porque o Governo está ausente para os apoiar.
Numa acção incluída na “presidência aberta”, realizada no passado sábado, no pavilhão do “Estrela Vermelha”, na cidade de Maputo, o PR ouviu as preocupações de alguns jovens, apesar da tónica que se quis imprimir ao encontro ter sido de bajulação à figura do chefe de Estado.
Como os problemas da juventude são bem antigos, e as promessas de melhoria são tão antigas como esses problemas, pois nenhum deles tem sido resolvido, houve quem aproveitou o momento para dizer o que de facto é o sentimento geral. É que as questões da habitação e do emprego, por exemplo, vêm sendo repetidas mandato após mandato, enquanto, em concreto, nada acontece, nada se resolve. Só tem havido conversa e mais conversa, acumulando-se de ano para ano o número de jovens à procura de soluções que não aparecem.
As intervenções de alguns jovens incidiram sobre a falta de emprego e de habitação e à partidarização das oportunidades.
“Não existe preocupação por parte do Governo em apoiar as iniciativas culturais dos jovens. Não há espaço para que os jovens que tenham talentos culturais possam desenvolver as suas capacidades. As salas de cinema estão fechadas. As casas de teatro foram transformadas em bares e em outras coisas, e o Governo está a assistir aos jovens a tornarem-se bêbados. Não há incentivos para os jovens”, disse um jovem líder de uma associação orientada para o desenvolvimento cultural, que foi o último interveniente.
Na semana passada, a Assembleia da República aprovou a resolução que cria o Gabinete Parlamentar da Juventude, que será o elo de ligação entre o parlamento e a juventude moçambicana. Sobre o Gabinete, o deputado da Renamo, Arnaldo Chalaua, que também fará parte do mesmo, avisou sobre o perigo de o gabinete vir a ser assaltado pelo partido no poder, e tornar-se, segundo as suas palavras, “um centro de malabarismo político e de manipulação”.

Uma OJM servil e bajuladora

Um dado relevante no encontro do PR com os jovens foi a postura da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), uma organização social do partido Frelimo. É que estes, longe de apresentarem as reais preocupações, fizeram a questão de trazer panfletos e dísticos louvando o chefe do Estado. Lia-se nos panfletos “Juventude moçambicana eleva Guebuza”, “A juventude está com Guebuza”, “Geração da viragem na luta contra a pobreza”.
A nossa equipa de reportagem não conseguiu ver um dístico apelando por, exemplo, a uma política de emprego ou de igualdade de oportunidades para todos os jovens.

“Anotámos tudo...”

Em reacção às preocupações levantadas pelos jovens, o PR, repetindo o mesmo de sempre, disse que foram anotadas todas as preocupações e que serão analisadas. Armando Guebuza disse que ficou satisfeito, porque os jovens não trouxeram só inquietações ou problemas, mas também algumas soluções: “Ficámos satisfeitos, porque vocês não têm apenas problemas, têm também algumas soluções, e isso já é bom, significa que não estão parados, estão a fazer alguma coisa. Anotámos tudo e ficámos com os contactos, para posterior comunicação ”.
O PR encorajou os jovens para usarem as suas ideias para combater a pobreza e não se deixarem levar pelos condicionalismos e dificuldades.

(Matias Guente)


CANALMOZ, 26/04/10


NOTA DO JOSÉ - Dois pontos muito preocupantes: Armando Guebuza não gosta de críticas e a OJM, em vez de se preocupar com os problemas da juventude salienta-se mais pelo lambebotismo e bajulação.


É preciso reformar os serviços prisionais



A imprensa nos últimos dias tem sido fértil com informações sobre actos de tortura na chamada cadeia de máxima segurança, vulgo BO, em Maputo.

Preocupada com aquilo que parecia ser uma abominável violação dos direitos humanos, a ministra da Justiça, Benvinda Levi, visitou o local na semana passada, tendo ouvido em primeira mão os relatos dos horrores por que passam alguns dos reclusos. Coisas da Idade da Pedra, cometidas em pleno século 21, por indivíduos que pela sua conduta tornam-se eles próprios criminosos.

A situação nas prisões moçambicanas já desde há algum tempo que tem sido motivo de apreensão por parte de pessoas e organizações que se preocupam pelo respeito da dignidade do ser humano. E que não haja ilusões: o que virou do domínio público sobre os acontecimentos na BO é apenas a amostra de uma situação generalizada e que ocorre em todo o país.

E as mazelas manifestam-se de várias formas. Por um lado temos a violência física perpetrada por guardas prisionais incompetentes e ignorantes das suas responsabilidades reformatórias sobre os reclusos, e por outro as condições delapidadas, e de má higiene em que se encontram todas as cadeias deste Moçambique. Acresce-se a isso a má nutrição e a ausência de cuidados médicos a que são sujeitos os prisioneiros, e temos a receita completa para que o sistema prisional, em vez de ser uma instituição de reforma da mentalidade do cidadão, se transforma num centro de formação de criminosos do mais alto calibre.

Há factores estruturais que tornam os nossos serviços prisionais a antítese do que de facto eles deveriam ser. O serviço prisional na sua essência foi concebido como uma instituição de reabilitação do indivíduo, preparando-o, durante o período de reclusão, para a sua posterior reintegração como elemento útil na sociedade.

Mas será que no seu processo de formação os guardas prisionais são instruídos no sentido de no desempenho das suas funções terem este objectivo como a sua principal missão? Aparentemente não, prevalecendo entre eles a noção de que quanto mais brutal se for no trato aos reclusos melhor se estará qualificado para o exercício da profissão.

Tudo isto torna imperioso a institucionalização de um serviço nacional de prisões autónomo e profissionalizado, e em que os seus membros sejam formados sobre questões éticas e de respeito pela condição humana do recluso.

Questões de subordinação institucional podem também constituir parte do problema. Uma possibilidade seria de transformar os serviços prisionais não numa instituição dependente de uma estrutura em que ela, por ser vista como uma entidade que lida com pessoas aparentemente privadas de direitos, acaba sendo tratada como o parente pobre, para cuja direcção são escolhidos os funcionários menos qualificados.

Pela quantidade de pessoas sob sua responsabilidade, e dada a natureza do seu trabalho, o serviço nacional de prisões deveria ser concebido como um ramo autónomo no conjunto das forças de defesa e segurança, dotado de um comando e orçamento próprios, e de um contingente de funcionários e guardas altamente profissionais.

As prisões moçambicanas não podem continuar como elas estão, um local de excelência para o cultivo do ócio, do vício e onde se planificam os mais hediondos crimes. Envolver os prisioneiros em actividades produtivas, aproveitando as suas diferentes competências profissionais, parece ser a via mais aconselhada para que os recintos prisionais deixem de ser células de vícios e de crimes.


Editorial do Savana de 23/04/10, citado no Diário de um Sociólogo

PR inaugura estabelecimento hoteleiro


O PRESIDENTE da República, Armando Guebuza, inaugurou formalmente sábado, em Maputo, o “Afrin Prestige Hotel”, o mais recente e luxuoso empreendimento hoteleiro de cinco estrelas existente no país.

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Abril de 2010:: Notícias

Trata-se de um hotel do Grupo Afrin, orçado em cerca de 22 milhões de dólares, equipado com 116 quartos, salas de conferências, restaurantes, piscina, spa (complexo turístico que oferece actividades saudáveis de lazer, entre elas natação e sauna), e vários serviços.

O hotel recentemente inaugurado emprega um total de 350 trabalhadores moçambicanos e, deste número, apenas um é de nacionalidade indiana. As obras de construção, iniciadas em 2008, duraram dois anos e foram concluídas formalmente há seis meses.

Discursando na cerimónia de inauguração, Guebuza afirmou que o novo hotel é, mais especificamente, uma das realizações do turismo, sector de actividades económicas que se vem afirmando como outro tesouro na lista dos factores de desenvolvimento do país.

Guebuza disse, por outro lado, que o empresariado nacional e estrangeiro tem estado a responder, de forma positiva, ao convite à parceria para a exploração das diversas oportunidades que o país oferece.

2O turismo é um exportador, por excelência, do nosso bom-nome, da nossa hospitalidade, da nossa rica gastronomia, cultura e artes. Quem nos visita leva sempre alguma lembrança, mesmo que guardada na sua memória, para partilhar com os seus familiares ou amigos que nunca poderão conhecer o nosso país”, disse Guebuza.

“Interpretamos a implantação deste estabelecimento hoteleiro, de grande qualidade, como expressão de vontade dos seus proprietários de entrarem na parceria com o maravilhoso povo moçambicano e o seu governo e darem o seu contributo, quer na luta directa contra a pobreza”, acentuou o estadista moçambicano.

Em Moçambique, segundo o presidente, têm estado a nascer novos estabelecimentos hoteleiros mesmo perante a crise financeira mundial que afectou quase todas as economias.

Desta feita, ele encoraja mais investidores, sobretudo nacionais, a apostarem neste sector, aproveitando as suas vantagens comparativas e competitivas, na perspectiva não só do mundial 2010, como também dos grandes eventos que o país espera colher em 2011, à semelhança da 10ª edição dos Jogos Africanos.

Para o sector privado, o governo continuará, segundo o Chefe do Estado, a melhorar o ambiente de negócios, através da remoção de mais barreiras administrativas, maior facilitação e simplificação de procedimentos e da prestação de serviços à altura da demanda.

A outra meta do governo é continuar a incentivar o diálogo com os empresários, com os trabalhadores, representados pelos sindicatos, e com as comunidades afectadas pelos investimentos.

A aprovação do Códigos de Benefícios Fiscais é, segundo o Presidente, outra aposta que melhora, substancialmente, as condições de investimento, particularmente no sector do turismo.

  • AIM

Sunday, 25 April 2010

South Africa's black brain drain

Almost half of South Africa's middle-class black teenagers plan to flee the country for greener pastures.

Unscrupulous politicians, escalating crime, poor employment prospects and low education standards are behind a growing desire among the country's black youth to leave.

In contrast, only 33% white and Indian youth want to go, reflecting a hardening of attitudes among black youngsters who have increasingly lost confidence in government.

The latest national BratTrax study conducted by research group Youth Dynamix reveals that although most black teenagers between 13 and 15 want to stay put, 42% are disillusioned and plan to leave as soon as they can.

The study, conducted this year, included face-to-face interviews with 900 youngsters aged seven to 15 in eight of the nine provinces.

While previous research showed that this group were positive about the developments in government and believed they would benefit, they had now lost confidence in their leaders.

"They are questioning our leaders and their capabilities. They are feeling disillusioned," said research director Andrea Kraushaar.

Reflecting views similar to their white and Indian counterparts, 71% of black youth felt it was impossible to get employment in South Africa; 58% said crime made them want to live in another country, and 73% felt government was not living up to its promises.

Professor Lawrence Schlebusch, an expert in behavioural medicine, said his research of stress and suicidal behaviour showed that stress levels were incredibly high among youth.

"They tend to experience alienation from their own value systems and the main reason for this is because they had great expectations of the new South Africa and these expectations are not being met.

"It is much harder for them now. They are finding it more difficult to get into university, the unemployment rate is far higher and there seems to be more and more polarisation," said Schlebusch.

Even the young want to flee

When Zakithi Mshololo finishes school, she's getting as far away from South Africa as she can.

The 14-year-old from Umlazi says the country is going "down the drain" and she has no intention of going with it.

Rampant crime, falling education standards and poor job prospects are fuelling her desire to head for the UK, where she plans to study and work.

ANC Youth League president Julius Malema's irrational rantings - and the fear he could one day run the country - are added incentive for Mshololo to flee.

"I am totally against what (Malema) stands for and believe in racial harmony," said Mshololo.


Subashni Naidoo, Sunday Times. Confira aqui e aqui.

Strawberry fields forever


Os homens europeus descem sobre Marrocos com a missão de recrutar mulheres. Nas cidades, vilas e aldeias é afixado o convite e as mulheres apresentam-se no local da selecção. Inscrevem-se, são chamadas e inspeccionadas como cavalos ou gado nas feiras. Peso, altura, medidas, dentes e cabelo, e qualidades genéricas como força, balanço, resistência. São escolhidas a dedo, porque são muitas concorrentes para poucas vagas. Mais ou menos cinco mil são apuradas em vinte e cinco mil. A selecção é impiedosa e enquanto as escolhidas respiram de alívio, as recusadas choram e arrepelam-se e queixam-se da vida. Uma foi recusada porque era muito alta e muito larga. São todas jovens, com menos de 40 anos e com filhos pequenos. Se tiverem mais de 50 anos são demasiado velhas e se não tiverem filhos são demasiado perigosas. As mulheres escolhidas são embarcadas e descem por sua vez sobre o Sul de Espanha, para a apanha de morangos. É uma actividade pesada, muitas horas de labuta para um salário diário de 35 euros. As mulheres têm casa e comida, e trabalham de sol a sol. É assim durante meses, seis meses máximo, ao abrigo do que a Europa farta e saciada que vimos reunida em Lisboa chama Programa de Trabalhadores Convidados. São convidadas apenas as mulheres novas com filhos pequenos, porque essas, por causa dos filhos, não fugirão nem tentarão ficar na Europa. As estufas de morangos de Huelva e Almería, em Espanha, escolheram-nas porque elas são prisioneiras e reféns da família que deixaram para trás. Na Espanha socialista, este programa de recrutamento tão imaginativo, que faz lembrar as pesagens e apreciações a olho dos atributos físicos dos escravos africanos no tempo da escravatura, olhos, cabelos, dentes, unhas, toca a trabalhar, quem dá mais, é considerado pioneiro e chamam-lhe programa de "emigração ética". Os nomes que os europeus arranjam para as suas patifarias e para sossegar as consciências são um modelo. Emigração ética, dizem eles.

Os homens são os empregadores. Dantes, os homens eram contratados para este trabalho. Eram tão poucos os que regressavam a África e tantos os que ficavam sem papéis na Europa que alguém se lembrou deste truque de recrutar mulheres para a apanha do morango. Com menos de 40 anos e filhos pequenos. As que partem ficam tristes de deixar o marido e os filhos, as que ficam tristes ficam por terem sido recusadas. A culpa de não poderem ganhar o sustento pesa-lhes sobre a cabeça. Nas famílias alargadas dos marroquinos, a sogra e a mãe e as irmãs substituem a mãe mas, para os filhos, a separação constitui uma crueldade. E para as mães também. O recrutamento fez deslizar a responsabilidade de ganhar a vida e o pão dos ombros dos homens, desempregados perenes, para os das mulheres, impondo-lhes uma humilhação e uma privação. Para os marroquinos, árabes ou berberes, a selecção e a separação são ofensivas, e engolem a raiva em silêncio. Da Europa, e de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. A separação faz com que muitas mulheres encontrem no regresso uma rival nos amores do marido.

Que esta história se passe no século XXI e que achemos isto normal, nós europeus, é que parece pouco saudável. A Europa, ou os burocratas europeus que vimos nos Jerónimos tratados como animais de luxo, com os seus carrões de vidros fumados, os seus motoristas, as suas secretárias, os seus conselheiros e assessores, as suas legiões de servos, mais os banquetes e concertos, interlúdios e viagens, cartões de crédito e milhas de passageiros frequentes, perdeu, perderam, a vergonha e a ética. Quem trata assim as mulheres dos outros jamais trataria assim as suas. Os construtores da Europa, com as canetas de prata que assinam tratados e declarações em cenários de ouro, com a prosápia de vencedores, chamam à nova escravatura das mulheres do Magreb "emigração ética". Damos às mulheres "uma oportunidade", dizem eles. E quem se preocupa com os filhos? Gostariam os europeus de separar os filhos deles das mães durante seis meses? Recrutariam os europeus mães dinamarquesas ou suecas, alemãs ou inglesas, portuguesas ou espanholas, para irem durante seis meses apanhar morango? Não. O método de recrutamento seria considerado vil, uma infâmia social. Psicólogos e institutos, organizações e ministérios levantar-se-iam contra a prática desumana e vozes e comunicados levantariam a questão da separação das mães dos filhos numa fase crucial da infância. Blá, blá, blá. O processo de selecção seria considerado indigno de uma democracia ocidental. O pior é que as democracias ocidentais tratam muito bem de si mesmas e muito mal dos outros, apesar de querem exportar o modelo e estarem muito preocupadas com os direitos humanos. Como é possível fazermos isto às mulheres? Como é possível instituir uma separação entre trabalhadoras válidas, olhos, dentes, unhas, cabelo, e inválidas? Alguns dos filhos destas mulheres lembrar-se-ão. Alguns dos filhos destas mulheres serão recrutados pelo Islão. Esta Europa que presume de humana e humanista com o sr. Barroso à frente, às vezes mete nojo.


Clara Ferreira Alves, no Expresso. Confira aqui.



NOTA DO JOSÉ = Tema controverso este que merece uma reflexão séria.