Tuesday, 27 April 2010

Ministra da Justiça confirma torturas na BO e desabafa: “É um retrocesso na nossa luta contra a violação dos Direitos Humanos”

A ministra moçambicana da justiça, Benvinda Levy, manifestou o seu desagrado e preocupação perante informações de torturas que acabava de confirmar quando na última Sexta-feira, 16 de Abril, visitou a cadeia de máxima segurança da Machava, também conhecida por BO.

Repudiando as acções dos agentes de segurança daquele estabelecimento penitenciário, ao mesmo tempo que prometia medidas duras contra os respon­sáveis, a ministra desabafou referindo que “isto é um retrocesso perante o sucesso que vínhamos alcançando na luta contra a violação dos Direitos Humanos”.

Depois da Liga Moçam­bicana dos Direitos Humanos (LDH) junto a imprensa moçambicana terem denun­ciado actos de torturas de reclusos na cadeia de máxi­ma segurança da Machava, Benvinda Levy deslocou-se àquele estabelecimento pri­sional para inteirar-se do que estava acontecer.

Levy chegou às instala­ções da B.O por volta das 14:30 e reuniu-se cerca de uma hora, à porta fechada, com a direcção da cadeia.

Depois do encontro com o staff prisional, a ministra da Justiça reuniu-se com o grupo de reclusos supos­tamente vítimas de torturas e convidou cada um deles a contar o que lhe tinha acon­tecido. O encontro com aquele grupo de presidiários decorreu na presença da direcção máxima da BO, quadros seniores do minis­tério da Justiça, da direcção nacional das prisões, IPAJ e da imprensa.

Os reclusos informaram a ministra da Justiça que as torturas começaram na noite do dia 31 de Março e prolon­garam-se até ao dia 07 de Abril.

Benvinda Levy soube que além de torturas a B.O regista sérios problemas de violação dos Direitos Humanos.

Há reclusos que estão nas celas disciplinares há mais de seis meses, enquanto pela natureza do lugar, um ser humano não pode ser man­tido por mais de 60 dias, visto que a cela foi concebida com o intuito de disciplinar e não para o cumprimento da pena.

As celas disciplinares são lugares minúsculos sem sistema de ventilação e muito menos casas de banho. Foram concebidas para quatro pessoas mas que em algum momento albergam 10 reclusos. Os presos lá encar­cerados fazem necessidades em sacos de plástico e as celas são abertas uma vez por dia para efeitos de limpeza.

Refeições deplorantes

O menú limita-se a uma massa de farinha de milho acompanhada de feijão tem­pe­rado com sal. Na Sexta-feira, por causa da visita da ministra, foi acrescido repo­lho no feijão. A refeição é distribuída uma vez por dia e cabe ao recluso gerir a sua quota para o almoço e jantar.

O SAVANA pode teste­munhar que o grosso dos reclusos encarcerados na­que­la cadeia depende das refeições daquele estabele­cimento. Na última Sexta-feira, apenas 123 reclusos de um total de 800 é que tinham recebido comida vinda dos seus familiares.

Benvinda Levy foi ainda informada que a violência protagonizada pelos agentes de segurança teve aval do director da cadeia, Renato Jaime, em conluiu com o chefe da segurança de nome Gabriel Djevo.

Alexandre José, recluso, contou à ministra que foi torturado na noite de 31 de Março. Sofreu lesões e fracturas, mas não lhe foi canalizada assistência mé­dica e todo o tratamento limitou-se à administração de uma dose de analgésicos, no posto médico local.

Atrasou à formatura de efectividade (a efectividade consiste na contagem de reclusos à saída das celas para o banho solar bem como o seu regresso).

Foi recolhido pela guarda prisional para Cela Disci­plinar (CD) onde encontrou outros reclusos.

Na Cela Disciplinar, Ale­xan­­dre José foi espancado por reclusos que se encon­tram naquele local.

Depois de tanta panca­daria, Alexandre José foi socorrido por um recluso que se encontrava noutra cela e que ouvindo gritos sensi­bilizou-se e bateu à porta da sua cela alertando a segu­rança da cadeia do que estava acontecer na CD.

Chegados ao local, os agentes de segurança, em vez de o socorrer, retiraram-no da cela e foram algemá-lo a uma árvore. Aí, cada um dos agentes foi distribuindo cacetadas de acordo com a sua força.

Alexandre não terá resis­tido e ficou inanimado. Mesmo assim, ninguém se manifestou preocupado. Disse ainda que permaneceu toda a noite algemado e ensanguentado.

No dia seguinte, tentou informar do sucedido à direcção da cadeia mas não foi bem sucedido.

Afirmou que toda a tortura foi coordenada por um chefe de turno conhecido por comandante Cossa.

Alguns reclusos que fala­ram à ministra assumiram que violaram as regras internas do funcionamento da cadeia porque desobede­ceram a hora da recolha às celas, e outros porque foram surpreendidos com tele­móveis nas celas, factos proibidos no regulamento interno da cadeia. Outros disseram que não conheciam as motivações que culmi­naram com a sua tortura, tendo para tal referido que cerca das 15 horas do dia 7 de Abril, um oficial de perma­nência de nome Cossa mandou abrir celas e de lá tirou reclusos para tortura.

“Era feriado mas, o direc­tor da cadeia estava pre­sente. Acompanhou todos os acontecimentos e em vez de minimizar a situação disse apenas que dá mais 10 cacetadas na minha conta”, contou um dos reclusos torturados.

Depois de ouvir os reclu­sos, a ministra da Justiça repudiou as agressões e disse que haverá respon­sabilização criminal ou dis­ciplinar, conforme os resul­tados do inquérito que decor­re neste momento, para apurar os culpados que serão conhecidos dentro de 15 dias.

Disse que estes actos vêm pintar a preto o sucesso que o governo moçambicano vinha alcançando na luta contra a violação dos Direitos Humanos.

Por sua vez, Renato Jaime reconheceu a ocorrência das agressões, negando, no entanto, o seu envolvimento como mandante.

Afirmou que quando regis­tou a ocorrência de agres­sões comunicou à Direcção Nacional das Prisões. Só que, estranhamente, Benvin­da Levy disse que tomou conhecimento da ocorrência de torturas na B.O através da Liga dos Direitos Hu­manos.

O SAVANA tem informa­ções segundo as quais os guardas que estiveram por detrás da tortura de reclusos continuam a exercer as suas funções normalmente e nenhum processo disciplinar terá sido instaurado.

Tal como o director da cadeia mentiu à imprensa referindo que comunicou à Direcção Nacional das Pri­sões sobre as torturas, mentiu novamente aos jor­nalistas bem como à ministra quando referiu que os agen­tes estão suspensos.


Violência policial, torturas e execuções sumárias


Torturam, retiram presos das celas, amarram e executam, desfigurando a cara das vítimas para ocultar a identificação. Gangsters? Não. São agentes da polícia moçambicana, se­gundo revela o Relatório Anual sobre Direitos Humanos em Moçambique, lançado esta quarta-feira em Maputo.

A violação dos direitos dos cidadãos pelos agentes da Policia da Republica de Mo­çambique (PRM) é frequente e poucas vezes penalizada, revela o relatório da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.

“Não se verifica nenhuma melhoria quanto à violação dos direitos dos cidadãos pela Policia”, disse João Nhamposse, do Gabinete de Advocacia e Pressão da Liga.

O mais alarmante para a Liga, são as 15 execuções sumárias perpetradas por agentes da polícia como forma de impedir a fuga de supostos criminosos.

Segundo o relatório, na maioria dos 15 execuções sumárias reportadas entre Janeiro a Agosto de 2008 na cidade e província de Maputo, polícias balearam as vítimas na cabeça ou peito, quando o procedimento habitual para parar uma fuga e atirar nas pernas.

”O facto de Moçambique não ter ainda uma lei especifica contra tortura e execuções sumárias pode ser um ponto fraco que e aproveitado pelos agentes da PRM”, explica o relatório.

Mesmo os poucos casos de condenação de polícias são por ofensas corporais voluntárias ou por homicídio e nunca por crime de tortura ou execuções su­márias, crimes que ainda não existem no ordenamento jurídico moçambicano, embora o país ter ratificado a Convenção contra a Tortura em 1991.

Os casos de execução su­mária incluem vários corpos descobertos no distrito da Moamba, província de Maputo, e dois manifestantes baleados na sequência de protestos contra os preços dos transportes em Fevereiro de 2008. Em outros quatro casos, os cidadãos foram abordados pela polícia na rua e baleados.

Em dois casos da Moamba, os mortos estiveram detidos na cadeia ou no comando da polícia.


CASO COSTA DO SOL


Por outra parte, o Relatório considera um efeito positivo o despertar da justiça moçam­bicana em 2008, com a processo de três policiais envolvidos nas execuções sumárias de cida­dãos indefesos na zona da Costa do Sol, em Maputo. Os policiais foram condenados a 21 anos de prisão e foram pagas de indem­nizações às famílias das vítimas

Neste caso, a Liga deplora as divergências entre a Policia e a Procuradoria-Geral da Re­publica (PGR) da Cidade de Maputo face as denuncias feitas por populares da chacina num pequeno matagal perto de um campo de futebol.

Enquanto a polícia alegou que os supostos malfeitores foram baleados quando ten­tavam fugir da custodia policial, o inquérito da PGR apurou que a policia executou-os sumaria­mente, alvejando-os na nuca e a curta distância, o que mostra “uma determinação irrefutável de homicídio”, segundo o relatório.

Para Nhamposse, o mais grave são as execuções suma­rias e os casos de retirada de presos das celas na calada da noite para ser assassinados. Embora não existe uma ordem expressa, as hierarquias supe­riores da Policia estão coni­ventes nas execuções sumarias, opina Nhamposse.

“Falta monitoria das cadeias por parte do Governo, a Liga sozinha não tem capacidade para cobrir todo o pais”, disse Nhamposse ao SAVANA.

A Liga e o Governo assinaram recentemente um memorando de entendimento que visa facilitar o acesso dos activistas as cadeias, o que poderá reduzir os abusos protagonizados por policias sobre os presos.

(A.M)


Causas da violência policial


Segundo a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, várias são as causas da violência policial:

Discursos violentos e preconceituosos contra os criminosos

Má preparação dos polícias

Falta de domínio das técnicas de prevenção e investigação dos crimes

Associação criminosa entre polícias e bandidos

Más condições de trabalho

Corporativismo na protecção dos culpáveis

Impunidade e falta de lei que condene execuções sumárias e torturas



FONTE: Raul Senda no SAVANA de 23/04/10

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