Tuesday 2 June 2015

Entre o “timing” da guerra e o da paz



Alguns já esfregam as mãos.

 Entre sermões dedicados à paz dos paladinos religiosos, os hossanas para a mesma de organizações da sociedade civil, a mediatização de um pretenso carácter demoníaco da oposição que já vem sendo ensaiada há muito tempo, Moçambique vai caminhando lenta e inexoravelmente para a reedição da guerra.
O “timing” tende para a guerra.
É comum ouvir de políticos que todas “as cartas ou opções” continuam na mesa.
Será o caso para Maputo? Tudo indica infelizmente que sim.
Há uma escola política que não concebe que é possível compartilhar Moçambique numa posição de igualdade e de respeito mútuo. Partem do pressuposto histórico da sua participação na luta anticolonial para ganharem e manterem posições de superioridade sobre a sociedade no seu todo.
Há toda uma corrente de pessoas com influência nos decisores políticos que advoga uma posição de força e de continuidade do modelo político actual. Tudo pelo poder e nada de cedências no que se considere fundamental para o regime.
Toda a actuação do Executivo mostra que explora demagogicamente os “dossiers”, mas que, no essencial, não está disposto a ceder.
O Executivo de hoje é herdeiro de uma herança de inflexibilidade. Se antes era um Executivo estreitamente controlado pelo partido Frelimo, de tal forma que se dizia partido-Estado, depois apareceu o pluralismo, mas as coisas só mudaram de forma e não de conteúdo. Os cordelinhos continuaram sob o controlo dos mesmos de sempre, como se de “deuses” se tratasse.
Aquele aparente respeito reverencial que se tem pelas “estruturas”, aquele medo visível de militantes e membros dos escalões de base, ditam, no fim, o comportamento de toda uma máquina que no essencial continua intacta.
Toda a guerra civil serviu para aprimorar os instrumentos de controlo político. A sobrevivência do regime foi arquitectada e delineada nos meandros dos serviços de inteligência e nos altos escalões políticos. Não foi algum altruísta político que decidiu que a democracia poderia ser aceite desde que os vencedores dos pleitos não fossem os outros.
O modelo de política económica adoptada e implementada tem como fulcro o controlo do acesso à riqueza por um pequeno grupo de actores completamente obedientes ao poder político vigente.
Cantou-se aos “quatro ventos que a terra era do povo” controlada pelo Estado. Mas hoje a terra tem donos que a negoceiam a seu belo gosto a título privado e benefício privado.
Quando os governantes fazem uma separação cirúrgica dos assuntos em discussão e nem admitem ou aceitam coisas perfeitamente compreensíveis como a insustentabilidade do conflito entre a coisa pública e privada vigente, estamos face a uma posição irredutível que destrói a possibilidade de construção de consensos essenciais.
O “dossier” militar que não encontra acordo desde os tempos da ONUMOZ é um artifício para manter o poder.
Quem quer a paz não faz corrida ao armamento sem que exista uma ameaça concreta. As forças residuais da Renamo existem porque não houve capacidade de construir confiança entre as partes e porque o Executivo fez uma integração selectiva e falseada do contingente da Renamo proveniente da guerrilha. Foi integrar para desmobilizar e encostar oficiais em tarefas administrativas longe dos comandos das forças militares e militarizadas. Foi posta em prática uma estratégia de jamais permitir que o Exército único nascesse e se consolidasse.
Jogar com um partido ainda sem estruturas civis e com poucos membros que pudessem ombrear com os da Frelimo nas diferentes frentes pareceu aparentemente fácil e exequível para os estrategas da Frelimo.
Alguém sempre pensou que se estava combatendo contra uma guerrilha que um acordo como o AGP poderia apaziguar e permitir que o poder continuasse incontestavelmente nas mãos dos senhores “libertadores”. Era tudo uma questão de tempo até que se obliterasse a oposição, segundo Marcelino dos Santos.
Nesse sentido havia que possuir uma estratégia multifacetada e contando com executores de confiança. Foi assim que foi necessário um ciclo curto de hostilidades militares para que se acordasse a paridade eleitoral. Já estava assegurada a estrutura de organização e o controlo da máquina eleitoral. Já havia sido instruída e constituída uma máquina judicial que, desde os distritos, negasse liminarmente julgar ou aceitar pedidos de impugnação de actos eleitorais eivados de ilícitos. Ao mais alto nível estavam instalados colaboradores de confiança que se viu accionarem todos os mecanismos ao seu dispor para levar à vitória quem se tinha previamente decidido.
Em Moçambique, está arreigado o hábito de manter as aparências de normalidade mas não ceder no fundamental.
Agora o que deve estar a ser observado é simplesmente um compasso de espera para que a Renamo e o seu líder escorreguem nas diversas “cascas de banana” colocadas no seu caminho.
Há que reconhecer que, pelas contas de alguns estrategas, a Renamo está demorando a escorregar. Os espectadores nacionais e estrangeiros são muitos e com o nível de transmissão de informações existente não é possível manipular como era no passado. Mesmo com o controlo sobre a telefonia móvel, há muita possibilidade de “olheiros” colocados no terreno desmentirem algum passo falso ou “acto de guerra” atribuído à Renamo. Desmentidos de Maputo ou proclamações de suposta violação do acordo de cessação das hostilidades proferidas a partir do CCJC pelo chefe da delegação do Governo não encontram eco na população. Tanta mentira e durante tanto tempo ensina mesmo a um aluno teimoso e “cabeçudo”.
Neste momento, sente-se um “nervoso miudinho” entre as partes. Os dedos aproximam-se perigosamente do gatilho e há quem já diz que basta de esperar.
Uma guerra fratricida que pode ser catastrófica e semear tamanha discórdia que supere todo o discurso enfadonho da “Unidade Nacional” pode rebentar a qualquer momento e se dizemos isso não é porque sejamos pessimistas.
Neste Junho que se pretende de celebração da Independência Nacional e com a “Chama da Unidade” percorrendo o país, também podemos ter a infeliz coincidência de ser o mês de reinício de hostilidades generalizadas em Moçambique.
Desdobramentos militares e corrida armamentista são indicativos de preparação de actos de guerra e não de paz. Os apologistas do endurecimento do discurso e do retorno à guerra vão dizer que o Governo tem o direito e prerrogativa de estar com soldados em todo o território nacional, o que formalmente é verdade.
A guerrilha da Renamo, que politicamente jamais foi realmente integrada de modo transparente e consequente de forma a construir-se um verdadeiro Exército único, nacional apartidário, também não deve estar dormir.
Se a EMOCHIM poderia constituir um factor de dissuasão militar, esse aspecto já foi eliminado do caminho com a dispensa efectiva da parte estrangeira da mesma.
Agora é outra vez tudo entre moçambicanos que não confiam nem demonstram confiança um no outro.
A “ver vamos onde e até quando a corda aguenta esticada sem rebentar”.



(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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