Monday 24 November 2014

O eixo Lisboa-Luanda-Maputo ainda vai produzir novidades

José Sócrates é simplesmente a ponta do iceberg


Beira (Canalmoz) – Sucessivos Governos de Portugal tentaram por diversos meios tratar do seu “dossier” colonial. Cada um à sua maneira e segundo uma perspectiva de minimizar riscos e prejuízos.
Quando era chamado à mesa o realismo, houve quem adoptou posturas paternalistas. Portugal tentou e procurou copiar modelos de cooperação com as suas ex-colónias, ao estilo da francofonia e da Commonwealth, mas tem sido efectivamente infeliz.
A sua posição e proximidade com as suas ex-colónias tem sido utilizada pela União Europeia e pelos EUA para agilizar processos e garantir influência contínua do Ocidente nestes países emergentes.
É um quadro geopolítico e estratégico complexo e com “nuances” inesperadas. Ao tentar manobrar e resistir a um ambiente por vezes hostil, Portugal sofre dos seus problemas endógenos na esfera económica, que empurram governantes para acordos nem sempre providos de ética e rigor. Negócios de Estado tornam-se negociatas em que os intervenientes sacam vantagens individuais num cenário organizado por especialistas em lubrificar os corredores do poder em Lisboa, Maputo e Luanda.
Ancorados em supostas alianças ideológicas, o Partido Socialista português tem sido o veículo principal de uma corrente permanente de negócios entre Portugal e alguns países africanos.
Os chamados dinossauros da política portuguesa, em que pontificam figuras como Mário Soares e Almeida Santos, são gente que merece atenção das autoridades judiciais de Lisboa bem como de Maputo e Luanda. Claro que será muito difícil alguma acção judicial em África contra políticos europeus. Mas a oportunidade existe de acabar com a impunidade criminosa nas relações internacionais. Trazer políticos que traficaram diamantes de sangue para a Justiça seria uma lição com grande valor. Da mesma maneira que a “Cobalt” é investigada em Washington por negócios ilícitos com generais angolanos na área de concessões petrolíferas, existem negócios entre bancos portugueses e outras empresas que precisam de um olhar rigoroso, porque se esconde muita roupa suja que está lesando os povos de Portugal, Angola e Moçambique.
O chamado “Prédio dos Angolanos” no Estoril de Lisboa mostra como esta cidade se transformou em capital do branqueamento de capitais para a nomenclatura angolana. Se a Justiça portuguesa se recusa a investigar, deve ter as suas razões, mas que o povo angolano é lesado pela impunidade de que gozam os novos-ricos de Angola, não se pode negar.
Alegada soberania misturada com negócios claramente duvidosos faz calar muito boa gente. A migração portuguesa para a África lusófona, feita sob justificação de que constitui uma forma de cooperação, tem de ser vista como válvula de escape para uma economia em derrapagem e crise profunda.
Se antes se traficava diamantes de sangue, hoje são arranjos empresariais, parcerias público-privadas e “inside trading” que pontificam.
É preciso ver a detenção de José Sócrates em Lisboa como uma zanga entre “comadres onde se descobrem as carecas”. A teia de negociatas dos “socialistas portugueses” em África abunda na blogosfera. Basta escrever Mário Soares no Google, que aparecem as mais diversas opiniões. Umas insultuosas, mas outras bem elaboradas e fundamentadas. Rui Mateus escreveu um livro agora retirado do mercado, havendo quem diga que alguém comprou a edição inteira. Outros dizem que ele é um tumor maligno a extirpar da democracia portuguesa.
Mas, na verdade, o que queria dizer é que José Sócrates teve “bons professores”, aprendeu bem a lição, alavancou-se e catalisou negócios chorudos, chegou a PM porque era obediente e calculista. Nunca se meteu caminho de MS.
Agora o que importa que os países façam é ter a coragem de varrer as suas casas. Reformular um modelo de cooperação que dignifique os cidadãos. Ir a Lisboa não pode ser só por via de “Visto Gold”, mas algo normal, da mesma forma como os portugueses viajam para Luanda e Maputo.
A esquerda ou direita portuguesa bem como os partidos políticos africanos têm responsabilidades inalienáveis na construção de uma CPLP vigorosa e com impactos que ultrapassem o turismo diplomático e alavancagem de negociatas e superlucros como a banca tem em Luanda e Maputo. Um banco que tem prejuízos em Lisboa não pode aparecer em Maputo a vender dinheiro a preços que escangalham poupanças e distorcem a economia real do país. Em nome do lucro, são perdidas oportunidades de viabilizar países, e o desenvolvimento desejado ou propalado não acontece.
Uma descolonização apressada e atabalhoada comandada por Washington e Moscovo deve ser uma lição para todos. Não produzirá resultados, se nos ficarmos pela lamentação e catalogação dos outros. Acções correctivas no sentido de eliminarmos a impunidade político-judicial nos nossos países são vitais.
Esconder crimes sob alegações de defesa da soberania é um crime maior, pois lesa milhões de pessoas em Portugal, Moçambique e Angola.
Tirar de cena os proponentes de engenharias financeiras vai contribuir para a derrota das engenharias eleitorais promovidas pelos que abominam a democracia.
Os nossos países precisam de deixar de ser o “Eldorado” de oligarquias nefastas e perniciosas.
Os “monstros sagrados” da política portuguesa, moçambicana e angolana já estão fora de prazo, como os factos não se cansam de mostrar.
O circuito de palestras que não se cansam de proferir já nada de novo trazem.
Admitamos que é o fim de uma era complexa.
A PGR de Portugal está mostrando serviço, ao colocar a lei no seu devido lugar e ao demonstrar que ninguém está acima da lei.
Os porões da política estão cheios de ratos que importa libertar para alívio dos povos.


(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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