Esta semana, aconteceram mais dois sequestros na cidade de Maputo. Juntam-se a mais umas tantas dezenas de outros já acontecidos.
Há quem é ainda mais rigoroso na estatística. Fala de quase uma centena de pessoas sequestradas, desde a eclosão deste fenómeno, há cerca de dois/três anos.
Como em quase todos os sequestros verificados até aqui, a nossa diligente polícia está no encalço dos criminosos. Tem mesmo pistas prometedoras dos sequestradores, como com muita simpatia e pouca convicção, repetem os seus porta-vozes, diariamente. Só não os alcança. Para não sermos injustos de todo: os que apanha são, nitidamente, os operativos, peixe miúdo. O graúdo, esse, continua eternamente a monte, numa impunidade que já é arreliadora num Estado de Direito, onde é suposto que reine o império da lei.
No início, o problema eram as leis, que eram lacunosas, que não eram suficientemente contundentes para desencorajar o fenómeno, disseram-nos. Vieram as leis, alguma manifestação de preocupação do poder político, muito discurso e exibição de força por parte das autoridades policiais.
Depois, regressou tudo à mesma (a)normalidade com que começara. Não há responsabilidade política ao nível do pelouro que superintende a polícia e nem operativa ao nível do comando das forças que devem velar pela segurança. É como se nada de grave se passasse e o país seguisse dentro de um quadro de estabilidade. O Governo reúne semanalmente em Conselho de Ministros e nada faz saber de medidas extraordinárias para acabar com os sequestros. Ou pelo menos tranquilizar os seus cidadãos. O parlamento segue em silêncio e quando se faz ouvir é para convocar sessões extraordinárias para aprovar leis de urgência duvidosa, uma das quais da sua própria previdência social. O sistema judicial, para não ficar fora da festa, brinda-nos com juízes complacentes, que parecem viver fora da realidade social vigente e decretam medidas de coacção brandas, quando se impõe que sejam impetuosos.
Com o Estado e suas instituições a agonizarem e sem ideias sobre como defender os seus próprios cidadãos - Jean-Jacques Rosseau coraria de tédio com a sua cada vez mais arcaica ideia de contrato social - o crime organizado afirma-se como um verdadeiro poder paralelo, com a sua economia ilícita e fervilhante como suporte.
Para piorar: a sociedade civil, que tão boa conta de si deu para chamar a atenção deste problema, na sua fase inicial, parece que ela também capitulou. É uma espécie de resignação colectiva…
PS: Sem surpresas, a Assembleia da República decidiu, ontem, não avançar com a revisão da Constituição da República.
É o triunfo da razão. A Frelimo, mentora do projecto, tinha nesta legislatura poderes legislativos suficientes para, sozinha, mudar a Constituição, por força da sua maioria qualificada. Em algum momento deste processo, esteve quase a cair na tentação de o fazer. Felizmente, percebeu que para uma democracia salutar não se pode avançar sempre sozinho. É preciso fazer compromissos políticos, mais a mais, quando se trata da Constituição da República.