Tuesday, 1 July 2014

Sobre o Conflito Armado: Sheik Aminudin Quer Saber Onde é Que o Processo Encravou



(2014-07-01) Apesar de extremamente preocupado com a escalada dos confrontos armados no país , o Sheik Aminudin não vê o problema a resolver-se com simples apertos de mão ou de um dia para o outro. “Isto é um processo e temos de ser realistas: temos de ir ao fundo das coisas e ver as causas porque é bom , sempre que queremos acabar com um problema, acabarmos com as causas do problema”.
Segundo o Presidente do Conselho Islâmico de Moçambique, entrevistado pelo Club of Mozambique no último sábado, dia 28 do corrente mês, está próxima uma reunião para debater acções concretas para ajudar a resolver o confronto militar. O Conselho dos Religiosos de Moçambique, que congrega representantes de todas as profissões religiosas do país, estará a preparar uma reunião para os próximos dias.
“Estamos preocupados e não estamos parados. Ainda no dia 25 de Junho, na Praça dos Heróis, estivémos a debater o mesmo assunto: como reactivar este processo, como ajudar. Falou-se em convocar um encontro entre nós, para discutirmos este assunto”.
Aminudin Muhamaad referiu ainda que diariamente recebe actualizações da situação e suas repercussões, através da comunidade islâmica espalhada pelo país.
“Nós estamos muito preocupados. No campo, a situação está péssima e estamos extremamente apreensivos e quanto mais a situação piora mais preocupados ficamos. Já ninguém pode viajar. Estão a morrer pessoas. Mas somos religiosos e os religiosos falam mais em termos de solidariedade humana e de esperança e nós estamos disponíveis para uma parte e outra parte(Governo e Renamo)”, acrescenta.
“Para conseguirmos desempenhar o nosso papel de neutralidade, nós os religiosos, devemos muitas vezes ser mais... cautelosos. Até ao ponto de, se fôr preciso, fazer de conta que está tudo normal quando não está.Não está nada normal. Porque veja, o fim da guerra trouxe a democracia. Ora, se há democracia todas as forças políticas deviam partir para regras democráticas. Nós vemos outros países que têm movimentos separatistas e estes não recorrem às armas porque acham que podem ir a um fórum próprio apresentar as suas ideias. Ou seja, aqui talvez a democracia não esteja a funcionar como deve. Além disso, existe a tal frustração de as pessoas não verem os seus problemas a ser resolvidos e temos que ter muito cuidado com esses aspectos”
 
Eliminar Descontentamentos para Evitar que Situação Piore

“Nós queremos a reconciliação, a tal reconciliação genuína e sentimos que há questões que estão a criar esta situação. E aí o governo deve fazer a sua parte e dizer-nos porque é que há este descontentamento, aprofundar esta questão e tentar eliminar este descontentamento e talvez se conseguisse evitar que a situação piorasse. “
Admite que uma das opções poderia passar pela implementação de um sistema idêntico ao da Comissão da Verdade e Reconciliação, sul-africana. “Na África do Sul, a situação estava pior do que a nossa e evitou-se. Há países em África que estão a viver estes conflitos. Por exemplo, o Congo e outros... É melhor optar pela via da reconciliação, assim como foi implementada na africa do Sul, são várias hipóteses que tem de se estudar. E não foram eliminadas questões rácicos e de ódio. Não ha duvidas que o pais e grande e a manterem-se estas assimetrias todas, regionais, étnicas e outras, pode alguém querer usar isto para haver conflito. Por isso, nós temos de trabalhar para eliminar os descontentamentos na família moçambicana e promover a integração total.”
 “Ninguém em Moçambique tem saudades desses maus dias da guerra. Mas não há dúvidas que há um descontentamento, sabemos que há de facto um descontentamento e ele está baseado em vários factores. “
O Sheik Aminudin avisa:” Isto é um processo e não se faz de um dia para o outro e não se resolve num aperto de mão. Temos de ir ao fundo das coisas e ver bem quais são as causas disto. Estamos num sistema democrático, portanto deve haver acesso, falar-se, ouvir-se e olha ... isso leva tempo: é um processo leva tempo. ”
 
Onde é Que o Assunto Encravou?

“Eu queria dizer que eu pessoalmente, com o Conselho Islâmico e o Observatório Eleitoral estamos envolvidos nisto já há muito tempo. Fomos para Satungira, fomos lá e encontrámo-nos com o próprio presidente Dhlakama . E, naquela altura era só isso: ele ter que vir para Maputo encontrar-se com o Guebuza . A condição era o governo retirar aquela tropa. Nós viémos e transmitimos ao presidente. Tivémos 2, 3 reuniões com o próprio presidente Guebuza e depois fizemos chegar a resposta. Da parte do presidente a atitude foi de abertura total, na altura disse-nos que tomava os receios do presidente Dhlakama em consideração e que o podia receber sem problemas. Mas, aquela parte de afastar o exército, a tropa, daquela zona, foi-nos dito que achava que não porque aquilo faz parte do território moçambicano. No último contacto com Dhlakama ele estava a dizer se nós o podíamos acompanhar. Ele queria que os religiosos que fossem lá e depois o acompanhassem até Maputo e nós íamos fazer isso. De repente a coisa agravou-se quando foi o ataque a Satungira.“, recorda.
“Nós não estávamos à espera. Pensávamos quee estava tudo encaminhado e que era só uma questão de ele (Dhlakama) vir para aqui. Embora só a vinda dele não resolveria todo o problema, pois foi-nos dito que era necessário que a equipa nomeada para tratar dos assuntos nas negociações também tinha de se pôr de acordo.. O assunto tinha parado aí. E, de repente, a situação agravou-se e houve o ataque Estamos muito desapontados como é que correu mal. Nunca mais fomos contactados.”, afimou.
“Agora estamos um bocadinho perplexos e estamos a pensar como é que vamos contribuir (o Conselho das Religiões e o Observatório Eleitoral) para ver qual é o passo que a gente pode dar a seguir. Todo o esforço foi feito e voltámos ao ponto zero. E para retomar o esforço nós temos de ver, de estudar entre nós, perguntar. Temos que saber onde é que o assunto encravou. Porque todo o esforço foi feito e voltámos ao ponto zero. Aí só os governantes nos podem explicar. Se nós não sabemos a realidade torna-se difícil andar aí às cegas”.
 
Afectadas as Viagens de Solidariedade durante o Ramadão

 No seu entendimento, a actual situação que se vive em Moçambique “afecta a todos” mas, com a abertura do Ramadão afecta também as viagens que, tradicionalmente nesta época se intensificam. Estamos a começar o jejum, o Ramadão, é um mês em que os crentes se dedicam à oração e à adoração mas também é um mês em que as pessoas costumam viajar , há muitas movimentações de solidariedade.” E explica melhor, para que os menos atentos compreendam. “ Nós temos uma comunidade muçulmana relativamente forte aqui no Sul e que dá muitos apoios em solidariedade mútua. Durante o Ramadão os crentes praticam a caridade e a esmola e saiem camiões daqui para o Norte, para as zonas mais necessitadas e afectadas. E é claro que estes ataques na estrada vão afectar a ida para o norte dos Donativos. E estas viagens faziam-se ao longo do mês todo de Ramadão”.
 
Temos de Olhar para a Frente

“Em Moçambique, temos de olhar para a frente: evitar recuar no tempo. O passado não se pode corrigir e devemos concentrar os nossos esforços para corrigir o futuro. Temos de ser mais positivos e pensar que, se há problemas entre nós, devemos encará-los com coragem. Não se justifica atirarmos o nosso falhanço para os outros. Temos de assumir que alguma coisa entre nós não andou bem.”
Referia-se a algumas das “teorias da conspiração” que tem ouvido.“ Quando nós não conseguimos resolver os problemas, a resposta mais fácil é atirar para o estrangeiro. As pessoas, quando comentam esta situação dos conflitos armados, muitas vezes relacionam com a descoberta dos minerais e dos petróleos. “Olha, pode haver uma conspiração do estrangeiro para entreter os moçambicanos nas guerras!” São assim “bocas” que se ouve aí na praça... A verdade é que, por exemplo no Sudão, depois da descoberta dos Recursos Minerais, a guerra intensificou-se a ponto de dividir o pais... Mas este tipo de bocas fala-nos de alguma coisa que não está ao nosso alcance. E são conjecturas , pode não ser real.”
Interrogado sobre qual é o sentimento dos jovens da sua comunidade face ao que se vive no país, o Sheik Aminudin declarou sem reservas: “Os jovens moçambicanos querem um bom futuro. Querem estudar, trabalhar e... levar uma vida normal, diga-se assim. Se o jovem, num país cheio de recursos, não vê as suas necessidades satisfeitas, vai criar desânimo. Tem de haver uma distribuição equitativa das riquezas porque, se não houver uma boa gestão e não se vir a situação melhorar, nós vamos assistir à frustração e ao desespero dos jovens em relação ao seu país”
Dá o exemplo do Catar. “Há 50 anos era um deserto e só lá havia nómadas mas, depois das descobertas do gás, nós hoje vamos ao Catar e vemos que os jovens ali estão todos animados”. Em Moçambique pode ser a mesma coisa, se fizermos as coisas bem feitas. Nós temos os Recursos Naturais mas, se não houver uma distribuição equitativa, se não houver integração, se começarmos a assistir a discriminações étnicas, religiosas ou outras ... ”.
Deixa a frase em suspenso e muito clara a sua posição: “As consequências disto, nem quero falar”, afirmou. “Moçambique foi agraciado pela Natureza, por Deus, que deu tantos Recursos para nós todos e depende de nós que eles sejam bem aproveitados e distribuidos por todos”.


Club Of Mozambique

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