Wednesday, 30 July 2008

Morte anunciada das dunas primárias no litoral moçambicano


Depois de ter visto algumas barbaridades e erros grosseiros que se estão a cometer ao longo da nossa costa, mais concretamente em Chidenguele, levei parte significativa do caminho de regresso a Maputo a pensar na resposta à seguinte pergunta: porque é que as coisas têm que ser exactamente assim e não de maneira sustentável?
Sendo a legislação bastante clara, objectiva e exaustiva na consagração de normas de protecção do litoral, não consigo perceber como continuamos a cometer os mesmos erros, atentando gravemente contra os mais básicos e elementares princípios e regras jurídico-ambientais. Constróise em plenas dunas primárias na sequência de processos de licenciamento das actividades económicas com contornos bastante duvidosos.
Em plena praia de Chidenguele, fiquei a observar mais um dos complexos turísticos erguidos à custa da destruição de uma parte das dunas primárias, bem como da vegetação nativa aí existente. Escassos metros mediavam o complexo da linha de preia-mar, limite a partir do qual se estabelece legalmente uma zona de protecção parcial de 100 metros em direcção ao interior do território, constituindo domínio público do Estado, e onde não podem ser atribuídos direitos de uso e aproveitamento da terra. Porque é que o complexo não foi construído para além das dunas primárias e secundárias, conforme recomendam inúmeros estudos científicos que versam sobre os ecossistemas marinhos e costeiros?
Daquilo que vi, depressa percebi que grande parte dos materiais de construção era de natureza não removível, e rapidamente perguntei-me se o proprietário daquele complexo teria licença ambiental, ou se ali tinha sido feito algum estudo de avaliação de impacto ambiental e, em caso afirmativo, se tinham sido observadas as recomendações sobre medidas de mitigação de potenciais impactos ambientais?
Olhei, em seguida, para uma rampa em pavet construída sobre as dunas, com vista ao lançamento e recolha de embarcações, mas que constitui, na realidade, um verdadeiro convite para um safari na praia. Seria necessariamente imperioso construir uma rampa? Porque é que não se optou por abrir um acesso à praia, seguido de uma cuidadosa manutenção? Aliás, pelo que vi, conforme poderão verificar na fotografia em anexo, a rampa está a abater em vários pontos, sinal de que foi gasto dinheiro em vão. E se todos os operadores turísticos decidirem fazer o mesmo? Vi ainda vários exemplares de espécies exóticas de flora e recordei-me da proibição legal consagrada a este respeito no Regulamento de Prevenção sobre a Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro, aprovado pelo Decreto n.º 45/2006, de 30 de Novembro. Porque é que não se fazem a coisas de modo a evitar, ao máximo, tocar na vegetação nativa, procurando ainda não introduzir espécies que possam vir a prejudicar o equilíbrio de ecossistema tão sensível, bem como a biodiversidade existente?
Temos uma multiplicidade de exemplos no Planeta daquilo que pode acontecer se, no processo de tomada de decisões, não se tomar em consideração, seriamente, a necessidade de salvaguardar o ambiente, especialmente quando se tratam de ecossistemas sensíveis. Vimos as imagens do Tsunami que aconteceu no fatídico dia de 26 de Dezembro de 2004 e que arrasou, de uma só assentada, a costa de vários países, principalmente asiáticos, vitimando quase três centenas de milhar de pessoas, provocando danos patrimoniais de valor imensurável, tudo depois de, ao longo de décadas, se terem devastado ecossistemas marinhos e costeiros inteiros, nomeadamente dunas, mangais e recifes de coral, que poderiam exercem um importante papel na mitigação dos impactos das ondas gigantescas.
Infelizmente, a ignorância é ainda elevadíssima na classe política e empresarial, e os erros sucedem-se uns a trás dos outros. Queres um terreno na praia? Toma. Queres construir no mangal? Constrói. Queres abrir um complexo com 1000 casas numa zona de cenário único numa formação extraordinária de dunas primárias? Abre. Queres pôr um porto de agues profundas ou uma refinaria numa reserva nacional e santuário único da biodiversidade mundial? Põe. Queres cortar todas as árvores duma região que levaram várias centenas de anos a crescer num abrir e fechar de olhos? Corta. Queres poluir todo um ecossistema fluvial com mercúrio para explorar o ouro que vai ornamentar uma pequena minoria? Polui. Queres pescar até à exaustão todas as espécies com valor commercial duma determina área? Pesca. Queres erguer uma barragem num rio onde os danos de uma mega barragem já existente constituem pão de cada dia para as comunidades locais e todas as demais formas de vida a jusante do rio? Ergue. Queres cultivar uma gigantesca área de terra para produção de biocombustíveis quando 46% da população moçambicana sobre de subnutrição crónica? Cultiva.
Sob o lema de um suposto desenvolvimento económico, com dinheiro e poder tudo se alcança e tudo se concretiza (ou será que se desconcretiza?), contudo, a custos imensuráveis para as gerações presentes e futuras, e deixando um legado de danos ambientais graves e irreversíveis.
Podemos fazer tudo, sem que, em momento algum, se contabilize o custo real dos bens ambientais.Vivemos num mundo de cegueira completa, nuns casos deliberado, noutros casos produto de um processo de consciencialização ambiental que ainda vai no seu início. Chegámos ao cúmulo de ler nos jornais que as alterações climáticas foram a mais recente invenção ocidental dirigida a garantir que os países desenvolvidos prossigam a sua dominação dos pobres dos países em vias de desenvolvimento!
Quanta estupidez!
Mas uma coisa é certa, caso não mudemos de conduta, passando a não desejar tudo tão depressa e a todo o custo, amanhã sofreremos as consequências dos erros que temos vindo a cometer no presente. Costumo dizer que uma das maiores riquezas que temos consiste precisamente no riquíssimo e multi-variado património ambiental que caracteriza Moçambique, o qual nos tem feito um destino tão cobiçado e cada vez mais procurado por turistas. Temos tudo para dar certo, só depende da vontade de realizar as escolhas mais correctas de modo a combinar, optimamente, o Homem, o território e os recursos naturais, na busca da sustentabilidade económica, social e ambiental.
( Carlos Serra, no “ Diário do País “, datado de 23/07/08, retirado com a devida vénia )

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