Em Maço de 2014, Filipe Nyusi foi eleito candidato do partido Frelimo às eleições presidenciais de 15 de Outubro passado e internamente deixou para trás os correligionários Luísa Diogo, Alberto Vaquina, Aires Ali e José Pacheco. Vozes críticas alegaram que ele seria um dirigente facilmente manipulável e teleguiado por Armando Guebuza, cuja liderança da formação política na qual ambos militam cessou no último domingo (29). O tempo encarregou-se de provar que o engenheiro mecânico de formação nunca foi marioneta. Apesar da contestação e das ameaças da Renamo, hoje, volvidos 76 dias da sua governação, Nyusi já formou a sua máquina administrativa e controla na totalidade o poder do partido que representa. Ele é soberano e, efectivamente, ninguém está acima dele!
Em Março de 2015, Nyusi regressou à Escola do Partido Frelimo para mais uma sessão do Comité Central, onde de um “simples membro” passou a ser um homem vitorioso. Novamente fez história. Saiu de lá com poderes bastantes para mandar e colocar as “pedras” certas nos lugares que julga conveniente. E tem tudo em suas mãos para devolver a paz que foge dos moçambicanos há bastante tempo. Se, realmente, Nyusi teve o suporte de Guebuza para se candidatar a Presidente para ser teledirigido por via do partido como se diz por aí, então ele é, neste momento, uma bala que saiu pela culatra.
Da agenda do partido reunido no seu baluarte, os “diversos” foram o culminar de um processo repleto de erros de cálculo iniciados no X Congresso em Pemba, onde Guebuza montou um Comité Central à sua imagem e semelhança na condução dos destinos daquela organização política.
Dois anos e meio depois daquela reunião, ao resignar da presidência da Frelimo, o antigo Chefe de Estado ter-se-á lembrado da forma como foi entronizado naquele cargo, quando os seus pares também coagiram o seu antecessor, Joaquim Chissano, a passar-lhe o testemunho, nos mesmos termos em que Nyusi acabou por chancelar as “tradições de governação do partido” cinquentenário, o que também consubstancia a promiscuidade entre o Estado e a organização política.
Uma substituição fora da agenda do Comité Central
A substituição de Armando Guebuza da liderança da Frelimo não constava da agenda da reunião do “conclave”. Damião José, um triste porta-voz pelas suas informações recorrentemente contraditórias, voltou a cair no ridículo quando alegou que a sucessão de Guebuza não era preocupação dentro do partido. “Estamos bem, continuamos unidos e coesos". Estas palavras, agora, podem ser melhor proferidas por Nyusi que já não irá ver os seus “camaradas” recorrerem, pelos menos tão já, à Imprensa para manifestar o seu desagrado em relação à forma maquiavélica como o partido estava a ser gerido.
A sucessão de ex-Presidente da República e da Frelimo era um ponto inevitável a ser incluído na agenda, uma vez que a coabitação de dois centros de poder diminuía a acção do Chefe de Estado nas negociações com a oposição da Renamo visando colocar pôr fim à crise instalada no país após as eleições gerais de 15 de Outubro.
Damião José, ainda sob o comando da presidência de Guebuza, que o catapultou para porta-voz da organização a que está filiado, disse sobre esse debate que “não corresponde à verdade que há bipolarização do poder e que o camarada Presidente Filipe Nyusi estará fragilizado, caso não assuma a presidência do partido".
O que ainda não se percebe é que tipo de comportamento terão as mesmas pessoas que teciam duras críticas à Frelimo e a Guebuza por este deter poderes excessivos mesmo não sendo Alto Magistrado da Nação.
Do congresso de Pemba
Em 2012, a Frelimo celebrou o seu quinquagésimo aniversário e com ele o seu 10º Congresso. Do evento, realizado em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, às quintas eleições iam-se passar dois anos. Nessa magna reunião, Guebuza foi legitimado como seu próprio sucessor na direcção dos destinos da Frelimo e o seu ‘homem de mão’, Filipe Paúnde, acabaria por ser sacrificado da posição de secretário-geral. Eliseu Machava, então governador daquela província, foi eleito para substituir Paúnde. Entretanto, nas hostes do partido continuava a causar estranheza a não eleição de um sucessor para Guebuza para as funções de Estado. Esse facto só viria a ter lugar no ano passado com a eleição de Nyusi como candidato presidencial, numa sessão do CC onde, por força da Associação dos Combatentes de Luta de Libertação Nacional (ACLLN), foram admitidos mais candidatos, que não constavam da pré lista da Comissão Política de Guebuza.
Da resignação de Joaquim Chissano
Em Junho de 2002, durante a realização do oitavo congresso do partido Frelimo, naquilo que foi considerado de “transição em parto induzido”, Armando Emílio Guebuza era eleito, pela primeira vez na história do partido que dirige os destinos dos moçambicanos desde a independência, secretário-geral e automaticamente candidato à sucessão de Joaquim Chissano.
Nas vésperas desse evento, decorrido na Escola do Comité Central da Frelimo, na Matola, ecoava o nome de Hélder Muteia, tido como “delfim” de Chissano, como seu provável sucessor. O efeito Guebuza, com 95,2 porcento dos votos, era confirmado o próximo candidato da Frelimo e substituía, deste modo, Manuel Tomé nas funções de secretário-geral. Faltavam cerca de dois anos para o pleito de 2004.
Nos dois anos em que Guebuza esteve como secretário-geral, conseguiu no périplo que fez pelo país adentro reorganizar as bases, cujas hostes na Frelimo consideravam que Chissano se tinha esquecido delas. E assim Guebuza foi “entronizado” em 2005, como o novo Presidente do país e, naturalmente, chegou à presidência daquela formação partidária, que em 2009, no seu nono Congresso realizado em Quelimane, atribui a Chissano o título de presidente “honorário”.
Dos erros de cálculo
Terão sido os resultados eleitorais que Armando Guebuza conseguiu obter diante de Afonso Dhlakama, a reorganização do partido “à sua maneira”, e a máquina bajuladora – vulgo G40 – que levou a acreditar que tinha a máquina partidária sobre o seu controlo. As vozes excluídas que perceberam que havia limitação de espaços de “crítica e auto-crítica”, passaram a usar os meios de comunicação social para protestarem contra este monopólio de liderança.
Aliás, foi para eles quem Guebuza dedicou parte do seu discurso inaugural: “(...) Quando algumas pessoas, sobretudo as mais barulhentas, nos elogiam é porque querem que cometamos erros. A nossa referência são os órgãos. Nós fazemos o que os nossos órgãos decidem e orientam”.
Foram justamente esses órgãos, à velha maneira das reuniões à porta fechada, que decidiram lavar a roupa suja e tratar de deixar claro que na Frelimo a organização está a acima de ‘qualquer suspeito’. Com a resignação, Guebuza resolveu, por si só, a equação montada em Pemba e levou consigo os seus erros de cálculo...
Luís Nhanchote , A Verdade
Luís Nhanchote , A Verdade