Friday, 10 July 2015

“O processo eleitoral de 2014 foi um falhanço”













Um relatório de investigação conclui que a desorganização e a fraude que se registaram um pouco por todo o país fizeram do processo eleitoral de 2014 um falhanço. O estudo, com o título “Crónicas de uma eleição falhada – Moçambique, Outubro de 2014”, foi desenvolvido por uma equipa de pesquisadores do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), no âmbito do projecto de pesquisa “O Eleitor Evanescente: Análise da participação eleitoral/abstenção em Moçambique”, e observou ainda o envolvimento dos líderes comunitários e dos observadores na fraude eleitoral, e o medo que muitos cidadãos têm de exprimir as suas opiniões.
A pesquisa foi formulada com o objectivo de sistematizar e desenvolver o conhecimento do fenómeno da abstenção no país. A equipa de pesquisa dividiu-se em dois grupos de trabalho que acompanharam o final da campanha e a votação em dois distritos, nomeadamente Manjacaze e Murrupula.
Em Manjacaze, na província de Gaza, onde a Frelimo tem sempre obtido votações superiores a 90 porcento desde 1994, observou-se o medo que muitos cidadãos têm de exprimir sem constrangimentos as suas opiniões. Além disso, no mesmo local, constatou-se que os “serviços de segurança assumem uma postura partidária em favor do partido no poder, como grupos de jovens mais ou menos marginais são usados para acções de intimidação, por vezes com recurso à violência”.
Ainda em Manjacaze observou-se que o envolvimento dos líderes comunitários e outros responsáveis administrativos intimidou, de forma indirecta, as comunidades, e os pseudo-observadores eleitorais se prestaram a colaborar na fraude eleitoral, para além da violação deliberada de algumas disposições centrais da legislação eleitoral, abrindo o campo para a viciação dos resultados das eleições.
Constatou-se ainda vários casos de irregularidades e fraudes flagrantes. A título de exemplo, numa escola do posto administrativo de Nguzene, as filas eram organizadas por um líder comunitário, que não fazia parte dos membros das mesas de voto. “Aqui, depois de votar, os eleitores ficavam todos no pátio da escola, onde preparavam refeições, sem serem incomodados pela Polícia, ao contrário do que é habitual acontecer noutras regiões quando os eleitores querem ficar a 'tomar conta' do seu voto”, lê-se a dada altura no relatório. Ainda em Nguzene, segundo a pesquisa, num outro estabelecimento de ensino, a secretária da mesa de voto estava na posse de dois boletins preenchidos a favor da Frelimo.
Em Murrupula, onde se tem registado historicamente um maior equilíbrio entre a votação da Frelimo e a da Renamo, não foi diferente. Nesse local, observou-se, na EPC de Tapatero, um líder comunitário a orientar as pessoas para as suas mesas de votação com a missão de garantir a vitória da Frelimo. A mesma situação verificou-se nos postos administrativos de Nihessiue e Chinga, onde o líderes comunitários junto à porta do local de votação procuravam orientar os eleitores que chegavam mostrando as suas mesas de votação.


Desempenho negativo do Governo não interfere no voto


Embora o partido Frelimo disponha de maior influência nalgumas zonas da província de Gaza, o estudo detectou certa insatisfação com o Governo, particularmente devido ao desemprego e à falta de oportunidades de melhoria da situação económica. Não obstante essa realidade, a avaliação negativa das acções governamentais não interferiu nas opções de voto.
Por exemplo, em Manjacaze, constatou-se que um número considerável de pessoas, através dos seus discursos, mostrava estar desiludida com o Governo e, apesar dessa desilusão, continuava a expressar lealdade a Frelimo.

Abstenção











Desde as primeiras eleições multipartidárias de 1994, tem-se registado uma redução significativa da participação dos eleitores, com o nível de abstenção nos últimos três processos eleitorais a rondar os 60 porcento. A desorganização nas mesas de voto, as demoras prolongadas nas filas e os comportamentos destinados à favorecer o voto dos amigos são apontados, segundo o relatório do IESE, como principais factores que levam os eleitores a desistiem de votar.
Em Manjacaze, na vila sede, no bairro Liberdade, estavam instalados vários postos de votação, alguns dos quais registaram enchentes e muita confusão. Nesses locais, ainda de acordo com a pesquisa, algumas pessoas bem conhecidas organizavam as filas e permitiam que pessoas conhecidas passassem à frente, o que, de certa forma, criava descontentamento nos que haviam chegado mais cedo.
O distrito de Murrupula teve 34 locais de votação distribuídos pelos seus três postos administrativos, com um total de 113 mesas. Mas as longas distâncias constituíram um forte desincentivo ao voto.


Desorganização e problemas logísticos


A desorganização e os problemas logísticos por parte dos órgãos eleitorais facilitaram as práticas de fraude. “Os órgãos de gestão eleitoral não só foram incapazes de garantir uma organização adequada do processo, como também demonstraram serem susceptíveis de interferências partidárias ao ponto de comprometerem a sua necessária independência e neutralidade. É muito difícil por vezes distinguir a simples desorganização da fraude, mas ambas foram uma das principais características das eleições de Outubro de 2014”, conclui o relatório.





A Verdade

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