Governo diz que precisa de ponderar sobre como vai cumprir despartidarização do Estado
O Governo e a Renamo voltaram a registar desentendimentos na segunda-feira, 29 de Junho, no decurso da 110.a ronda de negociações políticas sobre a Declaração de Princípios sobre a Despartidarização do Estado. O Governo apareceu na sessão com desculpas que visam contrariar o espírito e a letra da Declaração assinada na semana passada pelas partes, argumentando politicamente que tudo aquilo em que concordaram “está bem”, mas que precisa de verificar bem os aspectos técnicos, jurídicos e constitucionais. As reticências do Governo incidem sobre o ponto estabelecido por acordo no dia 9 de Março, que faz parte da Declaração assinada na semana passada, e que define o seguinte: “As partes concordam que o documento atinente à Declaração de Princípios sobre Despartidarização da Administração Pública ser homologada ‘a posteriori’ pelas lideranças ao mais alto nível, para que o documento seja submetido à Assembleia da República para efeitos de legislação”. Segundo o que ficou estabelecido por acordo, tal homologação não carece de cerimónia oficial, devendo ser feito em separado, por um lado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, e, por outro lado, pelo presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. Devido ao desentendimento, as partes tiveram que recorrer à acta do dia 9 de Março de 2015, para verificar o que foi concordado, o que fez demorar a ronda. Segundo Saimone Macuiana, chefe da delegação da Renamo, este partido vai continuar à espera que o Governo cumpra aquilo que assinou, para permitir que o documento seja submetido o mais rapidamente possível à Assembleia da República. A questão da homologação antes da submissão à Assembleia da República também já foi aplicada no caso do Acordo da Cessação das Hostilidades Militares. Em conferência de imprensa, Abdurremane Lino de Almeida, ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos e substituto do chefe da delegação do Governo, disse que é necessário as partes verem os passos subsequentes, depois da assinatura da Declaração de Princípios sobre Despartidarização do Estado, sobretudo nos pontos fundamentais que é necessário acertar. Segundo afirmou, o documento, do ponto de vista político, está bem, mas é preciso clarificar sob o ponto de vista técnico, jurídico e constitucional, sobre os passos a dar. Abdurremane de Almeida declarou: “Acordámos que o documento tinha que desaguar na Assembleia da República. Acontece que, até ao momento, há falta de clareza sobre os passos a dar. Daí que entendemos ponderar para próximas sessões e ver qual a forma mais adequada, para termos a certeza de que estamos a dar passos certos. Assinámos e consentimos essa declaração, mas agora queremos verificar se o passo que vamos dar é correcto, e ver a aplicabilidade.” Por outro lado, disse que o que está a sair das negociações no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” não é vinculativo para os órgãos de soberania, sobretudo a Assembleia da República. Mais adiante referiu que a Assembleia da República não é para carimbar o documento com base nos entendimentos, mas deve fazer o que lhe compete, podendo cortar algumas partes e acrescentar alguns aspectos. Quando questionado pelo “Canal de Moçambique” sobre a possibilidade de a Assembleia da República vir a reprovar o documento, o representante do Governo afirmou que tem dúvidas de que o parlamento possa simplesmente reprovar a Declaração de Princípios sobre Despartidarização do Estado. Dom Dinis Segulane, da mediação, considera que já houve acordo sobre todos os aspectos, e que as partes precisam de saber que o tempo que resta para cumprir o que assinaram é precioso.
Frelimo continua a meter a mão num sistema judiciário ineficiente
Último ano da governação do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, 2014 ficou marcado (também) pela ocorrência de vários atropelos e violação dos direitos humanos no território moçambicano. O relatório do Departamento de Estado americano sobre direitos humanos em Moçambique, referente ao ano passado, não tem dúvidas e recorrendo a exemplos e acontecimentos que marcaram o período em referencia, indica que o Estado e o governo moçambicanos continuaram a ter dificuldades sérias de assegurar que os moçambicanos, e não só, gozem plenamente dos direitos assegurados por leis nacionais (moçambicanas) e internacionais. Logo no sumário executivo, por exemplo, o relatório dos Estados Unidos da América sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique em 2014 refere que os principais abusos tiveram lugar e se caracterizaram pela incapacidade de o governo proteger os cidadãos, assegurando, desta forma, os seus direitos. Esta realidade foi notória na violação dos direitos políticos, liberdade de reunião, na ocorrência de homicídios e abusos praticados pelas Forças de Defesa e Segurança contra cidadãos indefesos. “Muitas vezes as autoridades falharam no controle efectivo sobre as Forças de Defesa e Segurança. Os principais abusos dos direitos humanos incluíram a incapacidade de o governo proteger os direitos políticos e liberdade de reunião, a ocorrência de homicídios e abusos por parte do próprio governo e ainda a violência contra os partidos políticos da oposição” – refere o relatório. Por outro lado, refere o mesmo documento, o abuso dos direitos humanos em 2014 foi também notório ao nível das instituições da administração da justiça, tendo no judiciário se notado uma grande interferência e influência do partido no poder sobre um sistema judicial tido como “ineficiente”. “Outros grandes problemas de direitos humanos incluíram prisões preventivas prolongadas, influência do partido governamental sobre um sistema judiciário ineficiente” – sublinha o relatório. Em relação a prisões preventivas prolongadas, recorde-se, foi no dia 7 de Julho do ano passado, que o porta-voz da Renamo foi preso exactamente quando saía da reunião do Conselho de Estado, nas instalações da Presidênciada República. Pelo que aconteceu antes, no momento da detenção e em momentos posteriores, houve clara sugestão de que tudo não passava de ordens políticas, posteriormente cumpridas no espírito e na letra pelos órgãos de administração da justiça, a partir da Polícia, Procuradoria e Tribunal. António Muchanga e Organizações da Sociedade Civil acusaram, posteriormente, de ter sido Armando Guebuza quem decidiu que devia mandar prender o porta-voz da Renamo, alegadamente porque andava reiteradamente com discursos de incitação à violência, no caso querendo referir-se aos ataques dos homens armados em alguns cantos do país. A acusação de a administração da justiça moçambicana apresentar-se como uma entidade ineficiente e sob comando político não é nova, nem unidireccional. É uma percepção e constatação generalizadas. Numa das aberturas do ano judicial, recorde-se, a Ordem dos Advogados de Moçambique acusou a justiça moçambicana de ser uma entidade forte para os cidadãos e instituições fracas, mas, apresentava- se como uma entidade fraca diante de pessoas e instituições fortes. Os problemas do sector da administração da justiça, ainda de acordo com o relatório que vemos citando, caracterizam-se igualmente pela falta e existência de pessoal inadequadamente treinado e ainda pela permanência de condições carcerárias cruéis. A corrupção generalizada na administração e, não só, e também a pressão governamental sobre a media são, igualmente, citados no relatório.
- A publicação Africamonitor soube que depois de se ter baralhado na AR, o governo foi obrigado a redigir um documento de esclarecimento para os financiadores
A enrascada EMATUM em que o governo moçambicano, ainda no reinado de Armando Guebuza se meteu, continua a constituir uma das maiores e principais dores de cabeça para o actual governo, agora tendo como timoneiro, Filipe Jacinto Nyusi.
É que sempre que o governo procura encontrar espaço para branquear a imagem do negócio, mais achas lança à fogueira porque, em termos reais, não consegue explicar as razões mais profundas subjacentes no negócio que obrigou o país a contrair uma dívida, no mercado financeiro internacional, na ordem de 850 milhões de dólares americanos.
Nisto, depois de na Assembleia da República ter dito coisas consideradas “subterfúgios e trafulhice” de quem não quer dizer as verdades do caso Ematum, os poucos dados lançados preocuparam os doadores que, na verdade, estão a espera que as autoridades moçambicanas honrem os compromissos que assumiram.
Depois de ouvirem, por exemplo, o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, a dizer que as autoridades moçambicanas estavam a tentar renegociar o escalonamento da amortização da dívida, assim como as respectivas taxas de juro pelo facto de as negociadas serem “muito altas”, os doadores exigiram que o governo se explicasse melhor.
Foi assim que, de acordo com a publicação Africamonitor, o governo teve que fazer um esclarecimento formal às instituições que emprestaram dinheiro para a compra dos atuneiros e patrulheiros. Só que no suposto esclarecimento, o governo dá uma imagem de que, na verdade, está em condições de pagar a dívida nos prazos acordados, contrariando, desta forma, a informação que facultou aos deputados na discussão da Conta Geral do Estado referente a 2013. O relatório do Tribunal Administrativo, segundo se sabe, foi aprovado pela bancada parlamentar da Frelimo. Diz o governo, no referido esclarecimento, segundo escreve o Africamonitor, que a “reestruturação” aludida referia-se à inscrição dos montantes na contabilidade pública, não a incapacidade de iniciar a remuneração dos títulos”.
Ainda de acordo com a Africamonitor, a carta do governo para os financiadores refere ainda que os 500 milhões USD relacionados com segurança marítima serão assumidos pelo Estado. Os 350 milhões de USD restantes, usados na compra de barcos de pesca, são da responsabilidade da própria EMATUM.
Multiplicam-se as trombetas proclamando feitos esfumados.
A toda velocidade e utilizando todos os meios ao seu dispor e os disponibilizados pelos especialistas em fazer “lobbies”, assistimos a autênticas fugas para a frente por pessoas que querem assegurar o seu lugar ao Sol e, quem sabe?, na cripta dos heróis. Não se importam se é repetição ou uma nova criação a ser adicionada à cartilha do comissariado político. Não desarmam nem desistem de “vender banha-da-cobra a todo um povo”. Multiplicam-se actores de uma “peça de teatro” que os moçambicanos se recusam a pagar bilhete para ver. Os moçambicanos estão sedentos da verdade. Uma verdade que sossegue os seus espíritos e almas. Uma verdade que traga para a superfície factos do passado que tiveram impactos muito poderosos nas suas vidas. Exageros e actos megalómanos foram praticados com uma frieza desumana, ceifando vidas de maneira completamente desnecessária. Quem vira o disco e toca o mesmo revela esgotamento de ideias bem como carência grave de argumentos. As palavras-de-ordem do passado, que antes pareciam surtir efeitos, faliram, pois os moçambicanos recebiam-nas por medo da repressão que recaía sobre quem se manifestasse contrário ao seu conteúdo. A delação característica do Estado policial ruiu, pois os moçambicanos jamais aceitaram a visão propalada de “homem novo” que envolvia lavagem cerebral e aceitação de uma bagagem ideológica mecanicamente imposta. Nem os grupos de vigilância e os dinamizadores conseguiram fazer recuar os anseios de milhões de moçambicanos que se viram de repente relegados à posição de cidadãos menores face aos mestres e mentores omniscientes e todo-poderosos. Aquilo que se pretendia, uma revolução, não vingou porque os receptores das ideias se negaram a engolir sopas de ingredientes desconhecidos. Também para dizer a verdade, o que queriam estabelecer era uma ditadura de um grupo restrito de pessoas arvoradas em sabedoras e proprietárias únicas da verdade. Comunistas livrescos e socialistas de pacotilha desceram de Norte a Sul trazendo uma lufada de ar fresco que só durou o tempo de celebrar a Independência com euforia característica e merecida. Todos queríamos a Independência, mas também queríamos opinião sobre as nossas vidas, o que o novo regime dos comissários e do departamento de informação e propaganda prontamente negou. Não há como negar que Moçambique vive um período de grande interesse quanto ao enraizamento de uma cultura política que aponta a democratização como meta última. Sente-se que os partidos políticos cimentam o seu envolvimento na vida política e que a sociedade civil desponta e desmembra-se de influências paternalistas. Há porem partidos políticos que desonram o seu nome, porque os seus líderes estão metidos em “golpadas estomacais”. Dançam ao som do batuque, comendo maçaroca, numa clara demonstração de mercenários políticos. São aquela oposição que jamais será construtiva, porque se recusa a criticar e a combater pela verdade eleitoral e por transformações estruturantes dos poderes democráticos no país. 25 de Junho de 2015, deposições de coroas de flores, comícios e manifestações culturais preenchem o dia num processo que já vimos durante quarenta anos. É uma oportunidade de alterar o quadro comemorativo através de debates e reflexões pragmáticas. É tempo de abandonar o folclore político, os dogmas e discursos baratos, rotos e sem substancia que galvanize rotinas. É tempo de subir a faísca nacional e de comprometimento com causas. Quem gosta de Moçambique e do seu povo, quem jurou defender a Constituição, respeitar e fazer respeitar as leis do país protege o que ama. Quem ama Moçambique actua contra o corte desenfreado de árvores e protege a costa marítima e as montanhas. Recebemos o país com uma biodiversidade invejável e já somos obrigados a importar animais selvagens, porque estão extintos dos nossos parques nacionais. Cientistas de todo o mundo defendem medidas urgentes para travar a desertificação e as consequências das mudanças climáticas, mas, da parte do Governo de Moçambique e dos partidos políticos não se observam sinais de preocupação sobre este assunto crítico que já se faz sentir entre nós. Há letargia e apetência em ficar esperando por iniciativas de organizações governamentais estrangeiras e por elas financiadas, porque se adivinham desse lado fundos que podem ser subtraídos para bolsos privados. A academia nacional e as universidades nacionais tornaram-se em centros de produção de imitadores que não conseguem trazer “inputs” de qualidade para a governação e para a economia nacional. São quarenta anos em que também houve sucessos, e esses devem ser mencionados. Possuímos um Estado moçambicano e isso é resultado da heroicidade de todo um povo. Há razões para comemorar, mas sem embandeirar em arco, pois o trabalho e desafios existentes são enormes. A sua complexidade é considerável e vai exigir trabalho, talento, dedicação, empenho, criatividade e liderança comprometida com as aspirações de milhões de moçambicanos que vivem com dignidade ferida. O momento que se vive é exigente, sem contemplações para com aqueles que vegetam na mediocridade da “política da barriga”. Décadas de lambebotismo e de relações promíscuas e por vezes politicamente incestuosas produziram uma “vara” de “quadros” porcos como os porcos. Houve uma agenda de manutenção do poder baseada na proliferação de quadros obedientes no aparelho de Estado desenvolvendo. Gente disciplinada e prestativa que alinhou na “confecção” de resultados eleitorais falseados em favor do regime do dia. É preciso denunciar as “vitórias retumbantes” do passado, mesmo que já seja tarde para que fique registado nos anais da história nacional que a batota, embora tenha resultado em mandatos presidenciais e parlamentares, foi detectada. Moçambique cresce cada vez que os seus cidadãos se libertem das amarras da mentira oficial ou oficiosa. Há tarefas urgentes que devem merecer a atenção das lideranças nacionais e uma delas é a realização de um diagnóstico urgente ao sector de comunicação social público. Não se pode continuar a ignorar os danos e golpes que a comunicação social pública desfere aos legítimos interesses nacionais através de linhas editoriais controladas e determinadas em corredores partidários. Os esforços pela despartidarização do aparelho de Estado devem fazer-se sentir em todo o aparelho de Estado, e deve enterrar-se a cínica posição de que confiança política é determinante para a nomeação de directores e chefes na função pública e empresas públicas. Endeusar chefes cantando-lhes hossanas é culto da personalidade embrutecedor que produz cidadãos instrumentalizados. A “Batalha por Moçambique” prossegue e conta com a participação de todos os seus filhos. De pensadores a artesãos, todos são chamados a dizer e a fazer deste país o seu orgulho hoje e amanhã.
Está-se na ressaca da celebração do 40º aniversário da independência nacional. A festa foi boa para alguns e má para os outros, por várias razões, pessoais ou imputadas a todo um sistema de governação que ainda está longe de nos prover o bem-estar prometido há 40 anos. Para todos nós, a efeméride podia ter sido comemorada com pompa porque em quatro décadas foi possível juntarmos dinheiro, através de impostos, para erguermos diversas estradas, hospitais e escolas, sobretudo reconstruímos aquelas infra-estruturas, algumas, que
durante 16 anos foram dilaceradas por uma guerra mal terminada. E agradecemos aos países irmãos que nos ajudaram para sermos o que somos hoje. Todavia, não vemos um país com uma paz efectiva nem sólida, pese embora não haja mais tiros. O belicismo e os seus promotores continuam entre nós, impedem o nosso sossego e empurram-nos para um destino incerto. A nossa vida tem sido no fio da navalha. Há 40 anos que a justiça, a segurança e o bem-estar permanecem um sonho da maioria dos moçambicanos. Há 40 anos, os corruptos ainda pululam nos corredores das nossas instituições públicas e aqueles que delapidam o erário ou os dinheiros a seu cargo para as causas do povo continuam impunes porque a Justiça pisca-lhes o olho e assobia ao lado. Enquanto se apregoa a inclusão, as decisões sobre a vida dos moçambicanos são tomadas por um grupo que se guia por interesses partidários, umbilicais e estomacais. Este não é, por enquanto, o país prometido há 40 anos. Volvidas quatro décadas da independência nacional, os desafios no sector da Saúde mantém-se enormes para evitar que doenças como a malárias deixem de ser preocupação e centenas de mulheres e crianças não morram por desleixo ou não dos profissionais de saúde, para os quais o Governo não consegue criar condições dignas de trabalho e vida. A transparência na gestão da coisa pública parece estar em constante começo e não se consolida porque os agentes do Estado agem no sentido de obter dividendo e para eles os nossos impostos são uma fonte de sobrevivência. Estes não são os administradores que temos projectado há 40 anos. A polícia mantém-se ao serviço de uma minoria elitista e nunca está do lado do povo. O Estado furta-se da sua incumbência. A miséria ainda dilacera milhões de moçambicanos porque o sistema agrícola, que outrora foi bastante eficaz, denuncia uma série de falhas, incluindo os de planificação, e resvala para o fracasso. A água potável e a energia eléctrica são um luxo para milhões de moçambicanos. As escolas, mormente públicas, ainda não são um lugar apetecível para ninguém e o embrutecimento parece ser a principal agenda do Governo por ter a consciência de que só com gente pouco instruída é que o partido no poder continuar por mais 40 anos.
Celebrar o “Junho da Independência” com resultados definitivos.
O consenso parcial alcançado quanto à despartidarização do aparelho de Estado é um bom indicador sobre as possibilidades de avanços concretos nas outras matérias em discussão. É possível eliminar as barreiras impostas por interesses estranhos à verdadeira agenda nacional. Há que encontrar uma forma de pressão contínua para que as negociações conheçam novos rumos. Importa lembrar que Moçambique não pode continuar refém de quem se julga seu proprietário com exclusividade. O país não pode ficar amarrado aos sonhos inarráveis de pessoas que continuam julgando-se superioras e bafejadas de poderes especiais. Moçambique e os moçambicanos precisam de ultrapassar as barreiras artificiais criadas por políticos medíocres e falsários. Há que cortar caminho aos que teimam em viver num passado nostálgico, em presidiam ao “circo” e iam de banquete em banquete exibindo a sua “superioridade nata”. Encontrar as razões do insucesso negocial não é tão difícil: onde não há honestidade negocial e respeito pelos direitos dos outros, a concórdia tarda, e quase sempre se falha. As alegações antigas de falta de experiência e de conhecimentos para a condução dos assuntos do Estado não tem suporte nos dias de hoje. Vivemos uma conjuntura diferente que necessita de posicionamentos à altura. É contraproducente “rezar missas” de enaltecimento de actos heróicos inverificáveis. A ofensiva mediática exibida na Rádio Moçambique e nas estações televisivas para preencher a semana comemorativa da Independência Nacional peca por não aproveitar o momento para incluir os outros. Avançar com rigor na procura de soluções definitivas para a crise política requer que os políticos se situem e actuem com responsabilidade que ultrapassa egos. Não se pode esquecer o tempo que passou nem o que foi feito por este ou aquele. Só com respeito e abertura de “dossiers” “proibidos” se pode colocar Moçambique no caminho da reconciliação real e efectiva. O formalismo negocial e as posições dos interlocutores não devem esquecer que há envolventes e considerações básicas para que acordos sejam alcançados. Trazer a público sempre os mesmos articulistas e “mensageiros” repetindo o refrão de sempre soa cansativo, mas de utilidade nula. Os moçambicanos estão cansados de impasses e da falta de acordo sobre o que sabem ter sido mal implementado. Com alguma dose de realismo e honestidade, o país não estaria a braços com a actual crise. Há potentados acinzentados e alguns já fossilizados que não conseguem aprender que no passado foram marionetas de interesses externos. Fogem da verdade histórica como o “diabo da cruz” e teimam em apresentar uma imagem de pureza que ninguém tem. Política é um processo permanente que se apresenta com sinuosidades permanentes. Saber lidar com as variações inevitáveis e delas apreender os factores que fortificam a moçambicanidade é mais importante do que “glória” e heroicidade que se pretenda apresentar ao povo moçambicano. Campanhas de distribuição de estátuas pelo território nacional não trouxeram mais “unidade nacional” nem reconhecimento extra para com as figuras homenageadas. Aquele mecanicismo político executado à custa do erário público escasso foi uma iniciativa tardia e não inclusiva. Enquanto antigos combatentes vivos se batem com problemas de reformas que não se regularizam é grotesco avançar com iniciativas dessa natureza. Existe uma miscelânea de assuntos e “dossiers” que têm de ser tratados em simultâneo e com rigor. Somos Moçambique a partir de 25 de Junho de 1975, mas ainda persiste a visão de que o país pertence mais a uns do que a outros. É assim que se tem visto governantes a tomarem decisões vinculativas sem consulta nem aprovação do parlamento. Não há tempo para mais demoras e para acertos de “pontos e de vírgulas” sobre um assunto sobejamente conhecido. O Governo de Moçambique e a Renamo bem como todos os outros partidos políticos com assento parlamentar e extraparlamentares devem assumir a sua responsabilidade histórica de reverter quadros e situações. Reacender a “Chama da Unidade” é de um simbolismo importante, mas também desconexo, se não houver convergência de atitudes e de posturas. Quem governa deve cingir-se à prioridade e os políticos bem como os parlamentares devem actuar segundo prioridades e programas com efeitos e impactos desejados por toda uma sociedade. Agora o que importa e é urgente são os pontos na mesa no Centro de Conferências “Joaquim Chissano”. Há sentimentos e pontos de vista divergentes devido a dúvidas quanto ao tratamento que merecerão alguns “dossiers” do passado. Há receios de que, se forças armadas republicanas forem instauradas, deixará de haver segurança para alguns dignitários. Suspeita-se de que uma PRM ao serviço da República possa actuar contra actos consubstanciando crimes cometidos no passado. Com ou sem comissão da verdade e reconciliação é necessário encontrar uma fórmula para sossegar em definitivo essas pessoas, porque isso está influindo negativamente no processo negocial e na construção da moçambicanidade. Nivelar o campo de actuação de todos, normalizar e moralizar a acção governativa relevam-se de importância vital para o progresso do país. Basta de fingimentos e de tratamento cosmético dos “dossiers” críticos do país. Queremos um Governo que recupere a verdadeira república de Moçambique e não um Governo-comissariado político atabalhoadamente caminhando para onde supostas cabeças pensantes e todo-poderosas o indiquem. A inclusão e a participação dos moçambicanos na solução dos seus problemas devem ser pensadas e tidas como factores primordiais para o sucesso tanto negocial como da implementação de uma agenda governamental que ultrapasse as vantagens dos titulares de cargos ministeriais e seus familiares. Como tem sido mostrado pela imprensa ou comunicação social, temos graves problemas de conflitos de interesses entre o público e privado. Não haverá sucesso tangível e de impacto permanente se não houver coragem de separar os poderes democráticos e imprimir seriedade nos assuntos do Estado. Não podemos ser uma república das bananas nem de “copy/paste” ao sabor de agendas que são essencialmente individuais/privadas em que pontificam governantes-empresários gerindo o país como coisa privada. Exige-se acordo final sólido e blindado num cometimento sem margem nem espaço para malabarismos.
A face mais visível da deficiência de transportes é a proliferação de "my loves", carrinhas de caixa aberta onde a segurança é zero
Moçambique tem bons resultados macro-económicos. Mas em Maputo há transportes públicos que são uma carrinha de caixa aberta. O país tem sido considerado um modelo democrático. Mas os conflitos entre os dois partidos ameaçam a estabilidade. O que fez Moçambique nestes 40 anos de independência?
A entrada da Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo, as luzes da rua começam a acender. Vêem-se dezenas de pessoas a chegar. Nos pisos térreos, há jovens em grupos olhando para os ecrãs dos seus computadores portáteis. As salas de aula enchem-se de estudantes do horário pós-laboral.
É fim de dia e Chapane Mutiua, historiador e professor na UEM, especializado no Islão, acaba de falar sobre a sua própria história num dos bares da universidade. É o mais novo de quatro irmãos e o primeiro da família a entrar na universidade.
Nasceu em 1976, um ano depois da independência de Moçambique, numa altura em que a taxa de analfabetismo era das mais altas do mundo (93% em 1975), só havia uma universidade e o número de estudantes universitários era reduzido. Quarenta anos depois, Moçambique tem cerca de 50 instituições de ensino superior, entre públicas e privadas, quase 100 mil matriculados e mais de sete mil graduados (dados Ministério de Educação de 2013).
A democratização da educação é um dos “orgulhos” dos moçambicanos. Conseguiu-se diminuir a taxa de analfabetismo, embora ainda continue a ser das mais altas, com mais de 40%.
Antes de 1975, o normal era não ir à escola. Por isso o pai de Chapane Mutiua, que nunca estudou, tornou-se “uma pessoa chave” ao incentivá-lo a estudar. Foi o irmão mais velho, professor, quem o ajudou a financiar a escola, a matriculá-lo, a comprar os cadernos. Aos 14/16 anos, Chapane Mutiua teve de se desenvencilhar porque as terras do pai estavam perdidas por causa da guerra civil (1977-1992). Já não havia posses na família. “Uma das coisas que me fez pensar que tinha que fazer negócios foi quando o meu pai teve que cortar as calças compridas para que fosse entregar a um alfaiate e fazer calções para nós” (ele e irmãos).
Aprendeu a vender bolachas, cigarros, óleo, tudo e mais alguma coisa. Comprava os produtos na economia formal e informal, depois metia-se na rua. Foi com esse rendimento que se licenciou: pagava propinas, livros, transporte, alimentava a família.
Quem passeia por Maputo vê que não há rua onde não apareça um vendedor informal. Está nos passeios com a sua pequena “montra”, mesmo em frente às lojas, a vender camisas, capulanas, sapatos, livros, ténis, até livros. Está no meio da estrada com uma banca a tiracolo a vender batatas fritas ou cigarros. Está no passeio com um carrinho de mão com produtos de higiene. Está nas casas de câmbio às esquinas das ruas, no trânsito com saquinhos de amendoins ou cajus, nas carrinhas que param com refeições prontas e marmitas para levar.
Longe de ter o peso dos grandes negócios, a economia informal é, porém, um dos pilares da economia moçambicana: estima-se que empregue entre 70 a 85% da população (conforme as projecções).
Através dela percebemos o percurso do país nestes 40 anos. Porque permitiu a professores como Chapane Mutiua continuar a estudar, e permite que quem não tem trabalho não morra à fome num país em que mais de 50% da população vive abaixo da linha de pobreza e 90% da população vive com menos de dois dólares por dia, segundo o Banco Mundial.
“É verdade que há fuga ao fisco”, diz Chapane Mutiua, mas “é preciso organizar, de modo que todos contribuam, e não tirar às pessoas aquilo que é o seu ganha-pão”, comenta, por causa das rusgas aos vendedores, feitas pelas autoridades. “Aliás, no mercado informal não beneficia só o vendedor, beneficia também o comprador”.
Uma economista à procura do negócio informal
A Avenida Joaquim Chissano em Maputo é longa e larga, e nas margens distribuem-se pequenas lojas de artigos variados como peças de automóveis. Numa das ruas perpendiculares fica um bairro onde proliferam pequenos negócios. Mesmo à beira da estrada, no passeio, Joana estende cebolas, legumes por cima de um pano. Há dez anos que vende na rua. Calcula que neste período tenha apenas duplicado a rentabilidade de dois mil para quatro mil meticais (de 50 para 100 euros).
Uns passos em frente, no alpendre de uma casa, há uma banca com os produtos que vão de cigarros a bolachas. A porta de casa de Filomena está entreaberta. Filomena não costuma fazer contas mas alimenta uma família de sete pessoas com o seu micro-negócio.
É a primeira vez que a economista Fernanda Massarongo, 25 anos, investigadora do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), entra neste bairro por onde costuma passar de carro. Hoje faz de jornalista, entrevistando os comerciantes e mostrando como funciona a economia informal in loco. Percorre o bairro à procura das “barracas” que têm uma mistura de formalidade e informalidade em termos de organização e de prestação de contas. Tenta falar com os donos de cabeleireiros, mercearias, lojas de peças de automóveis, mas poucos querem dar a cara e explicar o seu negócio.
Helda recebe Fernanda no seu café/restaurante Descanso Tropical, um sítio que serve bebidas e refeições. Às sextas-feiras tem música ao vivo. O espaço, que era uma casa, foi comprado através de um empréstimo bancário; ela paga impostos e ordenados a duas empregadas e fica com 20 mil meticais de lucro por mês (500 euros). Começou por vender na rua, agora tem um espaço fechado, uma grande vantagem porque “ali não entra qualquer pessoa”. Ao longo do tour, Fernanda confessa que achou interessante saber que há negócios que estão a crescer, mesmo neste sector. No Descanso Tropical a dona faz pagamentos de uns impostos e não de outros, e consegue estabelecer ligações com uma “banca que começa a ficar flexível”, nota a economista. Depois há outros negócios que funcionam sem um critério de rentabilidade ou de viabilidade, estão numa fase em que as pessoas não analisam se têm grandes lucros.
Este é um dos grandes desafios de Moçambique, 40 anos depois da independência: a necessidade de aumentar a produtividade do trabalho e de encontrar caminhos de rentabilizar este tipo de negócios, considera. “O sector informal tem que ser uma fase do sector formal, não um fim em si.” Hoje, “a economia formal e a informal alimentam-se e fica mais uma relação de ovo e galinha, não se sabe onde começa e acaba”.
Ao lado dos grandes números, estes dados do pequeno tour pela economia informal são grãos de areia. Uma estimativa do Centro de Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) prevê um crescimento de 7,5% da economia moçambicana, conduzido pelos “mega projectos e pelo investimento em grandes infra-estruturas, financiadas pelo investimento directo estrangeiro e o governo". Segundo o Financial Times, em 2014 Moçambique ocupou o quinto lugar de um ranking mundial de Investimento Directo Estrangeiro com 9 mil milhões de dólares.
Há uma prosperidade que se vê nas ruas, onde circulam carros, muitos deles topo de gama, que entopem as avenidas e artérias que dão acesso ao centro; vê-se nos prédios de dezenas de andares a serem construídos, nas lojas de marcas internacionais a abrirem, nos centros comerciais e restaurantes com gente, estrangeiros e moçambicanos. São a face visível da economia formal.
Estamos agora no centro de Maputo, perto da baixa, com Fernanda e mais dois jovens economistas do IESE, Epifânia Langa, 23 anos, e Carlos Muianga, 29 anos. Como é que os jovens olham para estes 40 anos, os últimos dos quais vividos num período de crescimento económico?
Moçambique é considerado um caso de sucesso por causa do seu desempenho macro-económico, lembra Fernanda Massarongo. Mas “o país apresenta essa dificuldade de traduzir ganhos de riqueza em melhoria de bem-estar”.
Ou seja, o crescimento não se tem reflectido numa redução da pobreza, na melhoraria da qualidade dos serviços públicos, o que acaba por afectar o desenvolvimento do país, comenta Epifânia Langa, e “esse deve ser o grande desafio”.
Carlos Muianga lembra que o investimento estrangeiro está concentrado em áreas específicas, por isso, “se promove emprego é um emprego especializado e qualificado”.
À procura de melhores condições de vida nas cidades – quase 32% da população de 24,6 milhões vive em áreas urbanas – os que não arranjam emprego ingressam, assim, na economia informal. “Uma vez que nas zonas urbanas quase tudo tem que ser pago (comida, etc) o desenvolvimento da economia informal surge para responder a pressões resultantes de migrações campo-cidade mas também surge como solução para aquilo que são as expectativas que os migrantes do campo para cidade tinham em encontrar trabalho formal”, continua.
Ou seja, estes paradoxos podem “causar alguma confusão na cabeça das pessoas que todos os dias ouvem boas notícias sobre o país, mas quando olham para o seu estilo de vida vêem que esperam mais tempo no hospital, têm menos acesso aos serviços de saúde e há menos qualidade” em vários sectores, como a educação, analisa Fernanda Massarongo.
O Estado tem dificuldade em conseguir colectar os impostos de forma eficaz, acrescenta Epifânia Langa, por isso a sua capacidade de financiar serviços públicos de qualidade fica afectada. Daí a deficiência de serviços públicos como os transportes nos meios urbanos, em que até há “uma tendência para regredirmos”.
A economia informal nos transportes
Muita coisa foi feita, o país transformou-se, tem quadros, pessoas capazes de fazer algo para a melhoria das condições de vida dos moçambicanos, mas há problemas sérios nos serviços públicos, nota Carlos Muianga. Se o transporte é deficiente e a economia cresce de forma acelerada, então é preciso pensar: “Provavelmente, há um certo retrocesso na produtividade dos trabalhadores que chegam atrasados aos lugares de serviço, desmotivados pelas más condições em que são transportados. Isso influencia muito na disposição, e o país sai a perder.”
É final do dia de trabalho, hora de ponta em Maputo, por volta das 17h. As avenidas que dão acesso aos bairros periféricos enchem-se de automóveis e de transportes públicos como os chapas (mini vans), tão cheios de gente que os corpos se encavalitam lá dentro.
Os autocarros públicos quase não se vêem. Em meados de Maio, a Empresa Municipal de Transporte Público colocou cerca de 20 autocarros em circulação, aumentando a sua capacidade para 30 mil passageiros diários, lia-se no Notícias. Mas com mais de um milhão de habitantes, a cidade de Maputo precisaria de muito mais. Em 2008 e 2010 houve até greves por causa do aumento do preço dos transportes.
A face mais visível da deficiência de transportes é a proliferação dos “my love”, carrinhas de caixa aberta para onde se trepa e se vai de pé, agarrado ao passageiro do lado – por isso se chamam assim, seguindo a lógica do “agarra senão cai”. Só o nome é que tem humor, porque lá em cima, onde há vários tipos de pessoas, do camponês ao engravatado, da estudante universitária à vendedora ambulante, a segurança é zero.
Numa esquina de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, um monte de gente espera a passagem deste transporte público – à medida que o condutor pára, lá de cima grita-se o destino. Gente mais nova e gente mais velha, homens e mulheres. A esta hora é “um caos para apanhar transporte”, explica Hanifa, camisa branca e lenço ao pescoço, estudante de ciência política. Mora a 10 minutos de casa indo de “my love” – se tivesse que apanhar transporte demorava muito mais, pois as rotas e as paragens atrasam o percurso.
Subimos para a carrinha a abarrotar, encaixados e esmagados, agarrando-nos ao ombro da mulher do lado como vimos os outros fazer. Entra poeira na carrinha. O calor, que nesta altura do ano é menos forte pois estamos em Maio, aumenta. “‘My love’ porque aqui dentro todos nos abraçamos, somos todos amor, temos medo de cair!”, explica Hanifa. “É uma questão de segurança, se me abraço estou segura”. Mas se o motorista trava de repente, não há corpo que a segure, só corpo que a ampare, e por vezes mal.
Dependendo do trajecto, paga-se sete a dez meticais ao motorista. O motorista que guia a carrinha onde agora vamos começou a fazer “my love” há oito meses: aproveitava que ia trabalhar ao final do dia e levava pessoal, muito por solidariedade, explica. Ajuda-o hoje nas contas porque consegue entre 280 a 300 meticais (entre 7 e 7,5 euros). “Estes carros andavam na zona rural, não aqui na cidade”, lembra, explicando que funcionavam como espécie de boleias. Só paga quem quer - quem não quer, pode sair e entrar sem ser notado porque o condutor mal vê quem transporta.
Capitalismo sem fase produtiva
Ao longo destes 40 anos foram feitas mudanças muito rápidas, contextualiza Carlos Nuno Castel-Branco, director de investigação no IESE. “O estado exerceu o papel de intermediário fundamental do processo de acumulação de capital, numa fase inicial com objectivos sociais mais amplos, e na fase actual para a formação de oligarquias financeiras nacionais”. Criou-se “um capitalismo que não passou pela fase produtiva, entrou directamente na fase especulativa e com marcas profundas na desindustrialização e afunilamento da base produtiva”. Ao mesmo tempo, deu-se “a destruição das expectativas para a grande maioria da população de Moçambique”.
Quando avançou com as privatizações de empresas públicas, “80%” foram “para moçambicanos”, que “não pagaram ao estado”, por isso Carlos Castel-Branco defende que esta “foi mais uma entrega”, “um subsídio implícito”. A seguir, os bancos são privatizados sob forte pressão do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, com o argumento de criar um sector financeiro competitivo e combater a corrupção. “Criámos um sector financeiro altamente monopolizado, como em qualquer economia, com o processo de privatização: 3 ou 4 bancos em Moçambique representam 75 % do negócio financeiro e 80% dos balcões”.
A segunda onda de expropriação foi a entrega da terra, dos recursos naturais e das grandes concessões de carvão e gás ao capital internacional como forma de atrair esse capital e de o ligar aos capitalistas nacionais, continua o economista. “O nosso cálculo mostra que o núcleo duro da economia extractiva representa 75% de todo o investimento privado feito em Moçambique nos últimos 10 anos, 50% da taxa de crescimento do PIB e 90% das exportações de Moçambique - é onde há uma grande concentração, e as infra-estruturas e serviços à volta absorvem o resto”.
Por outro lado, há um processo de endividamento público muito acelerado (“a dívida pública externa está a crescer á volta de 10,5% ao ano, a dívida pública interna está a crescer quatro vezes mais depressa do que o PIB”). Isto garante a redução de custos para o grande capital, mantém-no interessado em ir para Moçambique apesar dos grandes custos das explorações minerais, defende.
Neste momento cerca de 30 % de todo o crédito à economia dado pelo sistema financeiro doméstico é compra de títulos de governo, e isto é equivalente a todo o dinheiro que o sistema financeiro doméstico dá à indústria, agricultura, transportes e construção, tudo junto, assinala o economista.
Por isso, critica: “Subsidiamos o capital multinacional através dos incentivos fiscais, das infra estruturas que lhes entregamos, da dívida e das expropriações a baixo custo. Mas sempre dizemos que não podemos subsidiar a produção de comida para o mercado doméstico porque isso gera um sector não competitivo; conseguimos hipotecar o futuro do país para viabilizar a grande indústria mineral e energética mas não conseguimos subsidiar a produção de comida para relançar a produção de comida para o mercado doméstico. Se conseguirmos produzir comida a baixo custo e fazê-la circular a baixo custo é possível elevar a qualidade de vida das pessoas que trabalham, sem necessariamente colocar pressões grandes sobre os seus salários”.
Na verdade, as importações de produtos agrícolas e alimentares têm crescido a taxas superiores a 10%, e importa-se mais do que se produz. Mesmo assim, a agricultura é o sector que mais emprega segundo a União Nacional de Camponeses (UNAC) – cerca de 65% da população, incluindo a cadeia de valores, diz Luís Muchanga, há 15 anos na UNAC. A produção interna não consegue satisfazer a procura: “Os últimos dados estatísticos indicam que em cada família de camponeses a produção para subsistência só consegue num parâmetro de sete a oito meses; o que significa que existem entre quatro a cinco meses de stress alimentar; até podíamos não importar nada, mas isso tem a ver com a política nacional.”
Os direitos sociais: prioridade
“Liberalizámos a economia mas não criámos as condições para que o cidadão chegasse até lá”, comenta Custódio Duma, advogado, presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que olha com preocupação o crescimento da economia informal. “Não conseguimos criar condições para os cidadãos participarem na economia de uma forma activa, nem que beneficiem dela directamente”.
Para participar e competir é preciso ter requisitos: formação, informação, condições económicas… Até mesmo para as pessoas formadas e informadas há dificuldades, por exemplo, no acesso ao crédito. “A nossa economia ainda não é para o cidadão porque exclui boa parte das pessoas - posso dizer que entre 50 a 70% da população moçambicana não consegue reunir requisitos para entrar para a economia formal”.
Preocupa-o o facto de, na economia informal, haver muita insegurança: entre os próprios trabalhadores, na actuação dos municípios que muitas vezes recorrem à força para expulsar os vendedores e na vulnerabilidade a ataques e roubos. “Há muita violação dos direitos humanos, até porque o estado não tem condições de controlar essa economia. Muitas das pessoas que estão na economia informal aderem sem conhecer os seus direitos e acabam sendo vítimas desse processo”.
Este é, porém, um dos aspectos que preocupam o defensor dos direitos humanos. Olhando para estes 40 anos, lembra que hoje está assegurada a liberdade de opinião e de expressão, algo que não existia logo a seguir à independência com o regime de partido único, mas neste momento a grande preocupação são os direitos sociais. “É só olhar para o índice de mortalidade infantil: cerca de 50% das crianças morrem porque as mães não tiveram atendimento adequado; o número de pessoas que tem uma única refeição por dia continua a subir; os últimos relatórios dizem que 60% não tem acesso a estrutura sanitária devidamente organizada e isso sabemos que tem ligações com a saúde…”. Ou seja, “o governo precisa de direccionar as suas prioridades para as questões sociais; o índice de corrupção é muito elevado e impede que o investimento público chegue ao cidadão; precisamos de criar um sistema que elimine as práticas de corrupção dentro das instituições públicas para que o cidadão beneficie dos ganhos económicos do país”, defende.
No mais recente Índice de Desenvolvimento das Nações Unidas de 2014, Moçambique está entre os 10 países menos desenvolvidos. No Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional ocupa o 119º em 175 países. Para isso contribuem várias esferas da sociedade, nomeadamente a polícia. A própria equipa de reportagem do PÚBLICO foi alvo de uma tentativa de extorsão ao ser parada por um agente, quando caminhava na rua à noite. O oficial pediu os documentos de identificação e ao ver que não os recebia sugeriu resolver “esta confusão” com dinheiro. “Somos três”, insinuou. Depois de ameaçarmos ligar para a embaixada de Portugal, os oficiais “dispensaram” finalmente a equipa, embora a custo.
Défice democrático
A seguir à independência em 1975, Moçambique adoptou um sistema marxista-leninista liderado pela Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), aliado soviético e nascido do grupo que tinha combatido contra o colonialismo português. Mas instalou-se uma guerra civil de 16 anos com a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) – o primeiro Presidente Samora Machel morreria em 1986 num acidente de avião mas nem por isso o conflito parou. Joaquim Chissano sucedeu-lhe e seria um dos arquitectos da paz em 1992, depois da morte de um milhão de pessoas e outros milhões de deslocados. Tornou-se o vencedor das primeiras eleições multipartidárias em 1994. Ficaria dois mandatos até 2004, quando Armando Guebuza lhe sucedeu. Em Outubro de 2014, Filipe Nyusi assumiu o cargo – também pela Frelimo.
Apesar da evolução nos últimos anos, a construção do estado ainda está em curso e tem défice de presença em áreas como a social, analisa José Jaime Macuane, politólogo, professor na Universidade Eduardo Mondlane, e associado da consultora MAP (centrada na área de gestão pública, governação e desenvolvimento, tem como um dos clientes o governo, mas não é o principal, diz).
“A independência política e a possibilidade do país se auto-determinar foi o principal ganho dos últimos 40 anos”, sublinha. “A democratização poderia ter sido muito mais efectiva e intensa. Formalmente somos um país democrático mas pelo nosso percurso histórico – primeiro, pela visão centralista do estado que adoptámos no pós-independência, e mais tarde pelo conflito militar - tivemos défice de uma classe política com valores democráticos profundos. Isto sem dúvida influenciou este ligeiro atraso no processo de democratização”, analisa no seu escritório no centro de Maputo.
À sociedade falta a exigência de responsabilização dos políticos que elege, porque o sentido de responsabilidade foi sendo construído em torno de uma ideia de estado centralista, considera o politólogo. “Os políticos cultivaram muito a ideia de um estado que decide de forma centralizada mas não tem a cultura de negociar aquilo que decide com a sociedade. Isto faz com que as pessoas ainda vejam o estado como esta entidade abstracta, mas é algo que está a mudar”.
Por outro lado, depois dos acordos de paz em 1992, critica o escritor Calane da Silva, imitou-se o modelo multipartidário europeu em vez de se criar um modelo próprio. “Hoje andamos à pancada porque tendo um país com sete etnias e 23 línguas devíamos criar mecanismos para nos aglutinar em frentes essenciais que é a educação, saúde, economia.” A alternativa? “Criar um modelo a discutir entre nós, nosso, diferenciado, onde houvesse menos assimetrias ao nível do país.”
Se o país atravessou fases difíceis, também conseguiu ultrapassar dois processos importantes, sublinha Tomás Vieira Mário, presidente do Conselho Superior da Comunicação Social: o de paz e o da democratização. “No cômputo geral é um modelo de como se vai da guerra à paz e daí para a democracia. Conseguimos desde 1994 fazer todas as eleições previstas na constituição e todos os presidentes saíram do poder no fim do mandato – é um feito na região e que inquieta alguns vizinhos. Isto é um ganho muito importante: a ideia de que não se pode apegar ao poder, tem que sair. É um bom modelo que Moçambique está a dar aos vizinhos”.
Apesar de os índices de liberdade de expressão terem baixado, o director do semanário Savana Fernando Lima defende que a comunicação social é livre e que Moçambique vive um clima de liberdade de expressão. “Um país com estas contradições e problemas sempre teve um sector muito agressivo no sentido de pugnar pelos seus direitos fundamentais. Isto é exemplificado pelo número de canais de televisão. Há oito canais de televisão, embora muitos sejam um quartinho e uma câmara, mas isso mostra que há condições.”
A falta de consenso entre os partidos
Pelo menos em Maputo não são visíveis sinais de forte propaganda política do governo, nem de culto ao chefe de estado, como em alguns países com tendências totalitárias. Embora seja frequente ver a imagem do presidente nas instituições públicas.
No Parlamento estão representadas as forças políticas com 144 deputados da Frelimo, 89 da Renamo e 17 do MDM. Na manhã de uma sessão parlamentar o acesso ao edifício faz-se sem grandes dificuldades: passa-se o sistema de segurança, registamo-nos, sem filas. Alguns deputados conversam nos corredores. Os altifalantes transmitem o debate no hemiciclo.
Por agora, a situação política parece mais normalizada, após um período de conflito de quase dois anos, entre 2012 e 2014, que levou o líder da Renamo desde 1979, Afonso Dhlakama, a regressar à antiga base do partido na zona da Gorongosa e a anunciar o fim do Acordo de Paz de 1992.
Apesar de ter sido anunciado o fim do conflito, as eleições gerais de Outubro de 2014 foram contestadas por Dhlakama. Porém, as missões internacionais de observadores consideraram que foram credíveis. Só que os índices de democracia como o da Freedom House colocam o país agora como “parcialmente livre”.
Este é um tema sobre o qual poucos falam espontaneamente, talvez para não acordar fantasmas. A verdade é que os dois grandes partidos continuam num impasse desde as eleições e não chegam a consenso, nomeadamente sobre o anteprojeto das autarquias provinciais proposto pela Renamo – a Renamo quer a criação de autarquias nas províncias onde teve o maior número de votos.
Ivone Soares, 35 anos, líder da bancada parlamentar da Renamo, recebe-nos no Parlamento. É uma jovem convicta, sem hesitação nas frases. Acusa o governo de actuar “como colono”, e de não aceitar “quem pensa diferente”. “Na prática ainda existem sequelas do regime totalitário da Frelimo”, acusa. O ponto mais discordante entre os dois partidos continua a ser os resultados eleitorais. A deputada reconhece o risco “de conflito, sim, porque os problemas não estão a ser resolvidos”. Mas esse não é um risco da Renamo: “O que a Renamo está a fazer é traduzir em texto aquilo que são as vontades da população que nos elege. Temos uma bancada com 89 deputados, seríamos muito mais se não houvesse tanta irregularidade. E, no entanto, quem acalma a situação é o presidente Dhlakama - se quisesse uma solução armada não estaríamos no cenário de passividade em que se está.”
A Renamo exige a despartidarização do estado. “Tinha que haver uma unificação das forças e cargos de chefia distribuídos de forma equilibrada, mas a integração dos nossos homens nunca chegou a ser efectiva”.
No lado oposto, António Niquice, 37 anos, deputado da Frelimo, nega que as eleições tenham tido irregularidades, e acusa a oposição de “violar a Constituição mantendo homens armados”. “Uma das coisas que tem transmitido este sentido de insegurança e de instabilidade tem a ver com a génese da Renamo que a todo o custo pretende ascender ao poder - e não por via das eleições”. A Frelimo, defende, tem uma liderança “muito clarividente”: “O presidente tem estado a liderar uma agenda pacifista, privilegiando o diálogo. E, naturalmente, entendemos que a única alternativa à paz é a própria paz. Nesse contexto acredito que todas as diferenças eventuais deverão ser solucionadas por via do diálogo - este é o caminho que a Frelimo tem estado a seguir.”
Do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), Laurinda Sílvia Cheia comenta: “Sentimos que para as pessoas que estão na oposição não há liberdade de votar. Aquele que é da oposição sai de casa nas eleições preparado para a guerra. Isso mancha o processo eleitoral, por isso se diz que as eleições não são justas nem transparentes”.
A posição da Frelimo deveria ser clara, o partido deveria “fazer tudo o que está ao seu alcance” para que o processo eleitoral decorra da forma mais justa e livre possível, defende, também no Parlamento. “No fim do dia quem sofre é a própria população: o nível de vida sobe, o transporte de bens e produtos é complicado. Há população que abandonou a escola por causa deste medo e as pessoas estão a voltar para cidade, voltam para a cidade e não têm emprego.”
A reconciliação que ainda não se deu
O táxi não encontra o número da porta que lhe damos. Estamos em Sommerchield, dos bairros mais chiques de Maputo. O homem vai olhando para a esquerda e para a direita até que diz qualquer coisa como: “Ali não pode ser, é a casa de Chissano.”
É mesmo aí que queremos parar. Chamamos o guarda à porta, afinal o escritório é uns metros mais à frente. A segurança conduz-nos à sala onde o primeiro presidente de Moçambique eleito democraticamente há-de aparecer passado uma hora.
Uma voz pausada, tranquila vem do homem que esteve mais tempo no poder em Moçambique até agora, que poderia ter ficado mais um mandato mas saiu pelo próprio pé. Hoje tem uma fundação e dedica-se à agricultura.
Afinal, o que pensa um dos arquitectos da paz do impasse em que estão os dois partidos, 40 anos depois da democracia, 23 anos depois dos acordos? O que pensa da acusação ao seu partido de não ter proporcionado eleições livres? Pausadamente, Joaquim Chissano responde: “A questão é: quem decide que as eleições não são livres e que há fraude? Evidentemente tem que se colocar um árbitro. Haver regras de jogo é isto: ganha quem ganhou. Há um árbitro que se chama Comissão Nacional de Eleições. E tendo sido constituída por consenso de todas as partes, e onde todas as partes estão representadas, há muito pouco espaço para se queixar do árbitro.”
Na sala que dá para um jardim onde há uma piscina, Chissano passa em revista vários momentos históricos para chegar à análise do presente. Lembra que mesmo depois da entrada da Frelimo na direcção do país em 1975 Moçambique teve que “lidar com o problema colonial”. Ao mesmo tempo, continua, os países vizinhos queriam defender as “suas políticas de segregação racial, de domínio da maioria sobre as minorias e isso conduziu à guerra, que chamo de desestabilização. Porque era isso mesmo que queriam: destabilizar Moçambique”. “Queriam que ficasse claro que o negro não podia governar e aí tudo o que puderam fazer para que houvesse desestabilização, fizeram. Tivemos que lidar primeiro com este inimigo, que eram os regimes racistas nossos vizinhos e as facções pequenas que não aceitavam a descolonização. O diálogo entre os moçambicanos começa mais tarde, depois de se resolver este problema.”
Porém, “ficaram forças residuais armadas do que chamaríamos rebeldes - desmobilizaram e não se desarmaram e isso criou a necessidade de haver um diálogo continuado”.
Passados 40 anos, é verdade que ainda não se atingiu a reconciliação em Moçambique. Mas há que “clarificar: é preciso a reconciliação na população”, defende. “Ainda existem ressentimentos. Muita gente perdeu familiares e sofreu sevícias. E essa reconciliação tem que ser completada: a reconciliação entre partidos, a aceitação do jogo democrático.”
Está por cumprir, assim, a pacificação. “A paz tem que continuar a ser promovida, não se pode dizer que estamos em paz e ponto final.”
Quarenta anos depois da independência, “é preciso criar uma cultura de paz”.
John Kerry, o Secretário de U.S. Department of State, cuja esposa nasceu em Moçambique, felicitou ontem a todos os moçambicanos pelo 40.º aniversário da independência de Moçambique. - http://go.usa.gov/3vQHB
"Em nome do Presidente Obama e do povo americano, envio as minhas felicitações a todos os moçambicanos pela celebração do 40º aniversário da vossa independência no dia 25 de Junho.
O vosso país é verdadeiramente especial para mim, pois é a terra natal da minha esposa, Teresa. A nossa casa ressoa com o som de Português, bem como as saudosas memórias da Teresa, das caminhadas pelas matas com seu pai, um médico, quando ia cuidar dos pacientes. Temos um mapa de Moçambique pendurado em nossa casa.
Este ano representa um marco histórico nas relações Estados Unidos da América - Moçambique. Nos últimos 40 anos a nossa relação cresceu e reflecte o nosso compromisso partilhado de alcançarmos a paz duradoira, o progresso e a prosperidade comum para todos.
Juntos, firmamos uma parceria para fortalecer a democracia, promover o comércio e o investimento, melhorar a saúde, expandir as oportunidades de educação, conservar o meio ambiente e combater o crime transnacional.
Neste dia de celebração, a Teresa junta-se a mim para desejar aos seus compatriotas moçambicanos, paz, felicidade e prosperidade pelo ano à frente". - Secretário Kerry
“Daqui a 40 anos gostava de ver um país sem ódio, sem perseguição, sem politica de exclusão social”, disse Afonso Dhlakama,
Afonso Dhlakama
O líder da Renamo Afonso Dhlakama considerou que a miséria, resultante de políticas inadequadas do Governo, continua a perseguir a independência de Moçambique, e defende que a democracia no país seja assumida como arma de libertação e desenvolvimento.
Independência de Moçambique: Dhlakama quer país sem ódio e perseguição
Segundo ele, o mérito histórico dos 40 anos da independência é reduzido pela pobreza, fome, desigualdade social e perseguição violenta do Governo aos partidos da oposição, mantendo-se um convívio aparente entre a população. “Tudo aquilo que o colonialismo fazia, antes da independência, a Frelimo decorou. Se o colonialismo através da Pide matava pessoas, religiosos, proibia as pessoas de tudo, portanto limitava as liberdades, depois da independência a coisa piorou, mas com novas tácticas”, declarou Dhlakama, adiantando que a traição da independência resultou na guerra civil de 16 anos conduzido pelo movimento. O presidente da Renamo disse esperar ainda por um Moçambique com “boa governação”, que possa ser feita pelo seu partido, ou o concorrente Movimento Democrático de Moçambique (MDM), ou PDD do antigo número dois da Renamo, ou ainda a Frelimo, que governa o país, mas que leve Moçambique aos patamares da democracia europeia. “Daqui a 40 anos gostava de ver um país sem ódio, sem perseguição, sem politica de exclusão social, sem discriminação, sem ódio de etnias, sem a cor partidária, mas acreditando na boa governação, no desenvolvimento”, concluiu Afonso Dhlakama, acusando o Governo de ter investido muito em instrumento de repreensão no lugar de produção.
Em Moçambique, 40 anos após a independência, “mais de 85 mil crianças ainda morrem todos os anos antes do seu quinto aniversário, (…) uma em cada 200 mulheres morre durante a gravidez ou o parto, (…) o ingresso escolar estagnou ao longo dos últimos cinco anos, e o baixo nível de aprendizagem torna-se uma questão de crescente preocupação”, adverte o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
O relatório final do UNICEF sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), intitulado "Progresso para a infância: além das médias", publicado nesta segunda-feira (24), considera que Moçambique tem registado avanços encorajadores pois se “em 1997, duas em cada 10 crianças morriam antes de completar 5 anos de idade, em 2011 este número foi reduzido em mais de metade.”
E o UNICEF aponta onde o Governo precisa de intervir, melhorar o acesso a intervenções básicas de saúde ou higiene, aumentar o número de crianças que usa redes mosquiteiras para dormir, melhorar o saneamento do meio, pois dois em cada cinco moçambicanos praticam a defecação a céu aberto. “Outras razões prendem-se com a consistente alta prevalência de desnutrição crónica, que afecta 43% das crianças menores de 5 anos, bem como a mortalidade materna, com uma em cada 200 mulheres que morre durante a gravidez ou o parto, situação inalterada desde 2002.”
Se é verdade que, entre 2000 e 2013, o número de crianças na escola primária aumentou para quase 3 milhões (2.815.000), constata o UNICEF que “o baixo nível de aprendizagem torna-se uma questão de crescente preocupação”.
Este baixo nível de aprendizagem resulta, em parte, segundo vários estudos, do sistema de passagens semi-automáticas, que permite que uma criança transite até ao quinto ano de escolaridade sem reprovar, aplicado nas escolas moçambicanas no âmbito do novo currículo escolar, introduzido em 2004.
Outra das causas da baixa qualidade de ensino em Moçambique deve-se à falta de escolas e professores, o que origina turmas superlotadas (uma turma do ensino básico tem, em média, 72 alunos).
É evidente a falta de unidades sanitárias, pessoal de saúde, medicamentos, escolas, professores, porque, apesar dos discursos e documentos de intenções, sistematicamente os Governos do partido Frelimo não têm dado prioridade à Saúde e à Educação.
A título ilustrativo, da divergência entre o discurso e a prática, em 2013 o Governo destinou 15.731.599.580,00 meticais (524.386.652,67 dólares norte-americanos, ao câmbio de 1 dólar = 30 Mt) para o sector Saúde porém foi pedir emprestado à China, cerca de 22.500.000,00 de meticais (750.000.000 dólares norte-americanos) para construir uma ponte de pouco mais de três quilómetros, ligando a cidade de Maputo ao distrito municipal da Catembe.
Quantas crianças e mulheres deixariam de morrer se em vez de fazer dívida para construir uma ponte se tivessem construído hospitais e comprado mais medicamentos?
"Os ODM ajudaram o mundo a conseguir avanços extraordinários em favor das crianças, mas também nos mostraram quantas delas estamos a deixar à margem", disse o director executivo do UNICEF, Anthony Lake.
Ainda no ano de 2013 o Governo, na altura de Armando Guebuza, alocou 32.192.646.250,00 meticais (1.073.088.208,33 dólares norte-americanos, ao câmbio de 1 dólar = 30 Mt) para o sector da Educação. Nesse mesmo ano, o mesmo Governo foi pedir um empréstimo, desta vez na Europa, de 25.500.000.000,00 meticais (850.000.000 dólares norte-americanos) para a compra de barcos para a pesca de atum e barcos de guerra.
Porém, quando assumiu o compromisso de alcançar a escolarização universal, no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, Moçambique propôs-se a construir 45 mil salas em 10 anos, até 2011 apenas cinco mil salas de aula tinham sido construídas. E todos os anos o nosso país tem necessidade de contratar entre 15 mil e 20 mil novos docentes, mas devido à falta de dinheiro para pagar salários, os professores existentes já são mal pagos, nos últimos anos tem sido contratados menos de dez mil professores por ano.
Com relação aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que a comunidade internacional está agora a preparar, o UNICEF pede que as crianças mais desfavorecidas estejam no centro dos novos objectivos e metas.
"Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável representam uma oportunidade para aplicar as lições que aprendemos e chegar às crianças mais necessitadas, e espero que não nos envergonhemos no futuro por não tê-lo feito", disse Anthony Lake.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância recorda também neste relatório que “Moçambique tem uma das taxas de casamentos prematuros mais altas do mundo (classificado com a 10ª maior taxa de casamentos prematuros a nível mundial) que afecta uma em cada duas raparigas (48% de casamentos de menores de 18 anos, segundo o Inquérito Demográfico e de Saúde - IDS 2011).”
Os ODM foram oito propósitos estabelecidos no ano 2000 e assinados pelos 189 países-membros das Nações Unidas para que fossem cumpridos até o ano de 2015.
O presidente do MDM, Daviz Simango, considerou hoje que o país cometeu "erros graves" com o branqueamento da sua história, reescrita segundo a agenda do Governo, e defendeu a "inclusão de heróis" com títulos "negados".
Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceira força parlamentar, Daviz Simango disse que a classificação de moçambicanos, como "reacionários, contra reacionários e traidores", excluiu muitos que lutaram pela independência do panteão de heróis nacionais, considerando tratar-se de "uma ação discriminatória que divide os moçambicanos", que se torna num travão real aos esforços para a reconciliação.
"Se não reconhecermos a heroicidade e a moçambicanidade dos outros jamais haverá reconciliação", precisou Daviz Simango, em nota alusiva aos 40 anos da independência de Moçambique, que hoje se celebram e divulgada na página do partido na rede social Facebook.
Simango disse ser obrigatório proceder a uma reflexão profunda sobre o trajeto percorrido para, defendeu: "sermos capazes de identificar quais são as causas dos atrasos que teimam em verificar-se na esfera social, política, económica, e cultural" de Moçambique.
"É tempo de aclararmos de forma aberta e inequívoca de que o projeto de construção de Moçambique forte, sólido, democrático, solidário e justo tem sofrido fortes revezes devido a uma série de causas", declarou Daviz Simango, insistindo que a "postura de açambarcamento" do país por um grupo de moçambicanos e intolerância política retarda o desenvolvimento.
"Quando se procura encontrar as causas da discórdia que ameaça a paz e a estabilidade em Moçambique, chocamos sempre com a intolerância política como causa primeira", disse, defendendo ser necessário "assumir que a independência foi fruto de sacrifícios consentidos por milhões de moçambicanos".
O MDM, frisou, quer participar do processo político nacional trabalhando numa visão de descodificar a situação que cada vez mais ganha contornos preocupantes, em alusão à "reabilitação dos heróis dos outros" e a gestão da crise pós-eleitoral.
"A ofensiva mediática de entrevistas com personalidades nacionais que participaram na gesta independentista é importante mas peca por não trazer a opinião de outros moçambicanos que também participaram na luta pela independência nacional", concluiu.
Quarenta anos de Independência levantando poeira escondida.
Qual é dificuldade de reconhecer-se que a génese exógena da guerra civil afecta todos? Porquê dar relevo e circunstância a um dos beligerantes e não apresentar os pontos de vista do outro, num processo que aconteceu e foi testemunhado por todos os moçambicanos? Se havia conselheiros e apoiantes da Renamo provenientes das hostes dos serviços secretos rodesianos e zimbabweanos, quem não sabe que em todas as cidades moçambicanas prédios inteiros eram ocupados por especialistas militares soviéticos ao serviço do Governo da Frelimo? Por favor, senhores combatentes da luta anticolonial, poupem-nos de mais repetições intragáveis do que sois e do que terão feito, porque desde 1975 nos bombardeiam com isso. Acreditamos que desempenharam um papel de relevo na luta independentista, mas também sabemos que de democracia nada tinham, como agora alguns querem fazer crer. Aproveitar a ocasião dos “40 anos de Independência” para exacerbar posições e levantar ou fazer renascer ódios revela fraquezas ou uma vontade de esconder a verdade histórica. A história não é linear e não possui pureza de que alguém se possa arvorar ou orgulhar em exclusivo. A luta anticolonial foi um processo histórico que envolveu pessoas de todos os extractos sociais com pontos de vista diferentes quanto ao futuro de Moçambique. De nada vale falar-se hoje que uns eram democratas e revolucionários e que os outros eram reaccionários e contra-revolucionários. Outra coisa que pouca importância tem para os assuntos prioritários de hoje é apresentar somente uma face da história da luta anticolonial e da guerra civil subsequente. Estamos cansados de ouvir que a Renamo foi um fruto do regime racista da Rodésia de Sul e do Apartheid. A Frelimo foi fruto da Internacional Comunista, apoiada também por segmentos da esquerda ocidental e também por serviços de inteligência americanos. Fechemos essa página e evitemos apresentar versões de pureza e puritanismo jesuíta inexistente. A génese do movimento de libertação nacional teve génese endógena, mas foi fortemente influenciado pelos países que acolhiam os nacionalistas moçambicanos e sobretudo pelos protagonistas da Guerra Fria. Não poderia ser de outro modo. Há muita poeira que teima em manter-se no segredo dos “deuses”, porque não convém que se conheça a verdade. Acreditamos que existem razões de Estado e de segurança do mesmo para que alguns assuntos e situações continuem no segredo. Mas isso não quer dizer nem jamais significará que tenhamos que aceitar uma determinada versão dos factos contra outra só porque quem o diz é fulano ou beltrano. Alguma megalomania sobressai quando certas individualidades falam para o público sobre assuntos relacionados com a luta anticolonial ou contra o regime instalado no pós-independência. Alguns actores activos em ambos os processos querem empolar situações despropositadamente. Outra cosia que é estranha é que uma agência de notícias do país antes colonizador se veja entregue à divulgação de entrevistas que até aquecem em vez de arrefecer ânimos na ex-colónia. De uma maneira insidiosa, parece que opera sob instruções que coíbem de mencionar aspectos menos conseguidos e menos éticos da governação, ao mesmo tempo que dão espaço especial a dignitários afectos ao regime de Maputo. Um comportamento “inclinado” foi também característico dos dias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974. Hoje sabe-se com mais ou menos clareza que houve um conluio entre determinadas forças portuguesas e a Frelimo para que a Independência acontecesse como se deu. A correlação de forças na altura era favorável aos desígnios dos apoiantes da Frelimo e parte do Governo português, MFA, queria ver o “dossier” ultramarino resolvido com rapidez. Hoje sabe-se que Frank Carllucci, CIA e Mário Soares tiveram protagonismo no desfecho da colonização em Moçambique, embora isso não exclua outros actores. Importa dizer que foi o que aconteceu, sem recurso a subterfúgios. Muitos do actores activos no processo tinham pacotes de instruções a seguir e não eram propriamente os mentores da linha seguida. Havia como que uma coordenação na sombra que envolvia Moscovo e o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. Nesse sentido, alguns dos protagonistas locais não passavam de peões muito simples. Outra coisa que muitos evitam tocar é que o surgimento da Renamo é continuação de dissidências internas na Frelimo. Assim como antes tinha havido COREMO. Nesse sentido, é uma mentira grosseira dizer que os rodesianos são os fundadores da Renamo. Uma coisa são apoios, e a Frelimo também os teve, e de todo o tipo de cor. Não é possível resumir em breves linhas a história de Moçambique, mas seria um importante contributo para as gerações vindouras que algumas personalidades abrissem os seus arquivos pessoais e trouxessem informações relevantes para o público e historiadores. Mas é possível dizer em breves linhas que continua negativamente uma corrente de mentira oficial, a negação de que os outros também lutaram por Moçambique, pela Independência e pela democracia que hoje, de um modo ou de outro, se vive. Tão simples de entender e de assumir, mas que alguns teimam em não ter em conta como factor de união real e de concórdia num país carente de reconciliação. É tempo de os estudiosos de história moçambicana abordarem figuras políticas de todo o espectro político e raciocinar sobre os seus relatos de maneira a reconstruir uma história reveladora dos factos, para assim reescreverem os livros em que as crianças do país aprendem o passado do nosso país. Há uma inegável sede em se conhecer uma história que aproxime pessoas e não as afaste como se de inimigos se tratasse. Face ao que se vive nos dias de hoje, é importante tirar ilações que nos levem a conclusões práticas de que afinal nem somos inimigos. Compatriotas, aproxima-se vertiginosamente o dia em que se celebra a Independência de Moçambique, e esse dia cobre a todos, independentemente da filiação partidária e de qualquer outro tipo de orientação. Seria bonito e reconciliador vermos todos os partidos políticos participando, mas, para que isso aconteça, é necessário que se afastem do cenário encenações que coloquem uns em primazia e outros como espectadores subalternos de agendas que subalternizam os outros segundo critérios irracionais e politicamente desfasados com os tempos e a realidade política nacional. Julgamos que uma liderança desacorrentada de preceitos e alianças que pouco dizem à agenda nacional ajudará a remover os obstáculos que persistem no caminho da reconciliação nacional. Perdoar e reconciliar são exercícios necessários e de possível concretização quando há liderança. Olhar para estes 40 anos deve ser uma ocasião especial de reflexão em que os moçambicanos se entregam a uma avaliação do que precisa de continuar a ser feito para unir almas e destinos sem subterfúgios nem pretensiosismo. “Juntos e sempre juntos” deve ser a divisa nacional conjugada e praticada todos os dias. Bem vistas as coisas, há espaço e recursos para todos. Afastemos o fantasma da guerra agindo em prol da paz e da concórdia nacional. Sem fintas nem peneiras de heróis sacrossantos.