Monday, 14 July 2014

Parecer do professor catedrático Gilles Cistac sobre a prisão de António Muchanga


 Maputo (Canalmoz) – O constitucionalista e administrativista Gilles Cistac, professor catedrático da Faculdade de Direito da UEM, emitiu, a pedid...o do semanário Canal de Moçambique, a sua opinião sobre a deliberação do Conselho de Estado de que resultou o levantamento da imunidade do conselheiro António Muchanga e a imediata privação de liberdade daquele por suposta ordem do Procurador-Geral da República.
Leia-a a seguir:

1. De acordo com o CAPÍTULO IV da Lei n.º 5/2005, de 1 de Dezembro, os membros do Conselho de Estado gozam de imunidades. Em particular, os membros do Conselho de Estado não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções (n.° 1 do Artigo 14). Os membros do Conselho de Estado não podem ser processados judicialmente, detidos ou julgados pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções (n.° 2 do Artigo 14). Apenas podem ser responsabilizados civil e criminalmente por injúria, difamação ou calúnia (n.° 3 do Artigo 14). Assim, um dos pressupostos da responsabilidade criminal é justamente a demonstração de um acto de membros do Conselho de Estado que foi injurioso, difamatório ou calunioso no caso específico para o Chefe do Estado.

2. Mas mesmo assim, o regime das “Imunidades” (Artigo 15) garante uma protecção especial ao membro do Conselho de Estado. Como refere o n.° 1 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro “Nenhum membro do Conselho de Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho de Estado, salvo por crime punível com pena de prisão maior e em flagrante delito”. Isto significa que duas situações são possíveis: ou houve um crime cometido pelo Sr. António Muchanga “punível com pena de prisão maior e em flagrante delito”, isto é, durante a sessão do Conselho de Estado, e neste caso não é preciso da autorização do Conselho de Estado, ou não houve este tipo de crime cometido, e neste caso é preciso da autorização do Conselho de Estado.

3. A autorização do Conselho de Estado é uma decisão tomada sob a forma duma deliberação do Conselho de Estado. Isto pressupõe um voto por parte do Conselho de Estado em relação à autorização de deter ou prender o membro do Conselho de Estado. A deliberação de autorizar a detenção ou apreensão do membro do Conselho de Estado deve ser publicada no Boletim da República por analogia com os termos consagrados no Artigo 10 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro, que estabelece que “Determina a suspensão de funções a publicação no Boletim da República da Deliberação do Conselho de Estado, tomada nos termos do n.° 2 do artigo 15”.

4. Antes de passar à fase da instauração do procedimento criminal é preciso detalhar um aspecto importante no que concerne ao processo de votação. Com efeito, de acordo com o Artigo 26 da Lei n.° 14/2011, de 10 de Agosto, relativo ao procedimento administrativo aplicável ao órgão colegial que é o Conselho de Estado: “Só podem ser objecto de deliberação as matérias incluídas na ordem do dia da reunião, excepto se, tratando-se de reunião ordinária, pelo menos dois terços dos membros reconhecerem a urgência de deliberação imediata sobre outras matérias”. Isto significa que, se na convocatória enviada aos membros do Conselho de Estado não está explicitado que um dos pontos da ordem do dia é a deliberação sobre o levantamento da imunidade de um dos membros do Conselho de Estado, a referida reunião não podia deliberar sobre isto. A lógica seria de agendar uma nova reunião com este novo ponto na ordem do dia. Todavia, pelo menos dois terços dos membros podiam votar o levantamento da imunidade. A pergunta é: foi votada a decisão?

5. No caso da instauração dum procedimento criminal contra algum membro do Conselho de Estado indiciado, o Conselho de Estado delibera, uma vez mais, para determinar se o membro do Conselho de Estado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo (n.° 2 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro). Isto significa que a autorização de prender ou deter o membro do Conselho de Estado (primeira deliberação) não faz cessar as funções do membro do Conselho de Estado. Mesmo preso o membro do Conselho de Estado continua de ser um Conselheiro de Estado. É apenas com a segunda deliberação que expressamente decide da suspensão de funções do membro do Conselho de Estado que momentaneamente, mas não definitivamente, as funções do membro do Conselho de Estado são suspensas por causa de “seguimento do processo”. Isto significa que se o membro do Conselho de Estado é ilibado ele voltará para suas funções.

6. A deliberação do Conselho de Estado que determina a suspensão de funções deve ser publicada no Boletim da República de acordo com o Artigo 10 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro.

7. Um aspecto institucional importante é que, de acordo com o n.° 3 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro: “O membro do Conselho de Estado goza de foro especial e é julgado pelo Tribunal Supremo, nos termos da lei”.

8. Sobre a atitude do Procurador Geral da República trata-se dum verdadeiro “Abuso de poder” de acordo com o Artigo 80 da Lei n.° 16/2012, de 14 de Agosto (Lei de Probidade Pública): “O titular de cargo de responsabilidade que, abusando dos poderes que a lei lhe confere ou violando os deveres inerentes às funções ou por qualquer fraude obtenha, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou cause prejuízo a entidade pública ou privada é punido com prisão e multa correspondente, se penas mais grave não couber por força de outra disposição legal”.

Photo: Parecer do professor catedrático Gilles Cistac sobre a prisão de António Muchanga (#canalmoz)

Maputo (Canalmoz) – O constitucionalista e administrativista Gilles Cistac, professor catedrático da Faculdade de Direito da UEM, emitiu, a pedido do semanário Canal de Moçambique, a sua opinião sobre a deliberação do Conselho de Estado de que resultou o levantamento da imunidade do conselheiro António Muchanga e a imediata privação de liberdade daquele por suposta ordem do Procurador-Geral da República.
Leia-a a seguir:

1. De acordo com o CAPÍTULO IV da Lei n.º 5/2005, de 1 de Dezembro, os membros do Conselho de Estado gozam de imunidades. Em particular, os membros do Conselho de Estado não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções (n.° 1 do Artigo 14). Os membros do Conselho de Estado não podem ser processados judicialmente, detidos ou julgados pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções (n.° 2 do Artigo 14). Apenas podem ser responsabilizados civil e criminalmente por injúria, difamação ou calúnia (n.° 3 do Artigo 14). Assim, um dos pressupostos da responsabilidade criminal é justamente a demonstração de um acto de membros do Conselho de Estado que foi injurioso, difamatório ou calunioso no caso específico para o Chefe do Estado.

2. Mas mesmo assim, o regime das “Imunidades” (Artigo 15) garante uma protecção especial ao membro do Conselho de Estado. Como refere o n.° 1 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro “Nenhum membro do Conselho de Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho de Estado, salvo por crime punível com pena de prisão maior e em flagrante delito”. Isto significa que duas situações são possíveis: ou houve um crime cometido pelo Sr. António Muchanga “punível com pena de prisão maior e em flagrante delito”, isto é, durante a sessão do Conselho de Estado, e neste caso não é preciso da autorização do Conselho de Estado, ou não houve este tipo de crime cometido, e neste caso é preciso da autorização do Conselho de Estado. 

3. A autorização do Conselho de Estado é uma decisão tomada sob a forma duma deliberação do Conselho de Estado. Isto pressupõe um voto por parte do Conselho de Estado em relação à autorização de deter ou prender o membro do Conselho de Estado. A deliberação de autorizar a detenção ou apreensão do membro do Conselho de Estado deve ser publicada no Boletim da República por analogia com os termos consagrados no Artigo 10 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro, que estabelece que “Determina a suspensão de funções a publicação no Boletim da República da Deliberação do Conselho de Estado, tomada nos termos do n.° 2 do artigo 15”. 

4. Antes de passar à fase da instauração do procedimento criminal é preciso detalhar um aspecto importante no que concerne ao processo de votação. Com efeito, de acordo com o Artigo 26 da Lei n.° 14/2011, de 10 de Agosto, relativo ao procedimento administrativo aplicável ao órgão colegial que é o Conselho de Estado: “Só podem ser objecto de deliberação as matérias incluídas na ordem do dia da reunião, excepto se, tratando-se de reunião ordinária, pelo menos dois terços dos membros reconhecerem a urgência de deliberação imediata sobre outras matérias”. Isto significa que, se na convocatória enviada aos membros do Conselho de Estado não está explicitado que um dos pontos da ordem do dia é a deliberação sobre o levantamento da imunidade de um dos membros do Conselho de Estado, a referida reunião não podia deliberar sobre isto. A lógica seria de agendar uma nova reunião com este novo ponto na ordem do dia. Todavia, pelo menos dois terços dos membros podiam votar o levantamento da imunidade. A pergunta é: foi votada a decisão?

5. No caso da instauração dum procedimento criminal contra algum membro do Conselho de Estado indiciado, o Conselho de Estado delibera, uma vez mais, para determinar se o membro do Conselho de Estado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo (n.° 2 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro). Isto significa que a autorização de prender ou deter o membro do Conselho de Estado (primeira deliberação) não faz cessar as funções do membro do Conselho de Estado. Mesmo preso o membro do Conselho de Estado continua de ser um Conselheiro de Estado. É apenas com a segunda deliberação que expressamente decide da suspensão de funções do membro do Conselho de Estado que momentaneamente, mas não definitivamente, as funções do membro do Conselho de Estado são suspensas por causa de “seguimento do processo”. Isto significa que se o membro do Conselho de Estado é ilibado ele voltará para suas funções. 

6. A deliberação do Conselho de Estado que determina a suspensão de funções deve ser publicada no Boletim da República de acordo com o Artigo 10 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro. 

7. Um aspecto institucional importante é que, de acordo com o n.° 3 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro: “O membro do Conselho de Estado goza de foro especial e é julgado pelo Tribunal Supremo, nos termos da lei”. 

8. Sobre a atitude do Procurador Geral da República trata-se dum verdadeiro “Abuso de poder” de acordo com o Artigo 80 da Lei n.° 16/2012, de 14 de Agosto (Lei de Probidade Pública): “O titular de cargo de responsabilidade que, abusando dos poderes que a lei lhe confere ou violando os deveres inerentes às funções ou por qualquer fraude obtenha, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou cause prejuízo a entidade pública ou privada é punido com prisão e multa correspondente, se penas mais grave não couber por força de outra disposição legal”. (Redacção)

Canalmoz

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