Wednesday, 15 August 2012

“É preciso haver alternância do poder em Moçambique”













Dom Francisco Chimoio, em Grande Entrevista:

Em grande entrevista, o arcebispo de Maputo, Dom Francisco Chimoio, aborda a questão política no país com a devida frontalidade. O vice-presidente do Conselho Episcopal de Moçambique diz, abertamente, que chegou altura de termos um presidente de um outro partido que não seja a Frelimo, para o bem da deeocracia, pois só a alternância enriquece um Estado democráticp
Dom Francisco Chimoio, como é que analisa a situação actual da Igreja Católica em Moçambique?
Analiso que a Igreja Católica aqui em Moçambique está a trilhar um bom caminho. Um bom caminho relacionado realmente como aquilo que Jesus Cristo nos deixou como empenho, ir a todo o mundo ensinar todas as pessoas, baptizando-as em nome do pai, do filho e do Espírito Santo. Esta é uma missão realmente que constitui o caminho certo para que todos possam chegar ao conhecimento da verdade e para que se salvem. É mesmo por causa disso que Jesus veio ao mundo, para concretizar, dar uma prova mais evidente do amor que Deus tem para com a humanidade(...).
Nos últimos tempos, parece que a igreja virou negócio. Até que ponto este cenário é bom ou mau para os crentes?
Infelizmente, as pessoas, sobretudo em situações de dificuldades, saúde, necessidade, querem agarrar-se a qualquer coisa. Alguém que está, por exemplo, a afogar-se vai agarrar-se a qualquer coisa, ver se se livra dessa coisa. Infelizmente, nem todas estas seitas, de facto, dão aquela dimensão presente no homem; nem todas estas seitas conseguem dar o caminho certo para se alcançar a felicidade. Para nós, estas seitas são um grande desafio, porque aparentam qualquer coisa, prometem muita coisa, prometem que se deixa de sofrer, fazem milagres, sim senhor, mas no fundo as pessoas ficam realmente no seu vazio e voltam. Então, nós, católicos, temos realmente um grande empenho, formar bem as nossas pessoas, aprofundar bem as razões da nossa esperança e saber bem em quem nós acreditamos.
Mencionou a acção que é desenvolvida pela Igreja Universal, quer dizer que não concorda com esta forma?
Cada um pode trabalhar como pode, mas, no trabalho que cada um faz, não precisa comparar, dizer que eu sou melhor ou pior. Quem trabalha bem não precisa a todo custo fazer isto. é um modo deles de viver, mas gostaria de facto, na convivência de todos esses que vêm aqui, que houvesse respeito, transparência, responsabilidade; que houvesse também respeito para com os demais, assim como eu tenho respeito com os outros, portanto, uma coisa chama outra.
Em Moçambique, já tivemos uma situação idêntica (...)?
Penso que não. Até agora, ainda não me chegou nada. O que eu dizia é que, nesta formação, procuramos de facto que as pessoas tomem a consciência da responsabilidade que recebem diante do povo de Deus, de ser testemunhas, pastores, pais, pactuar sempre com a verdade.
Criou alguma polémica a indicação de Dom Cláudio, de nacionalidade Argentina, para arcebispo da Beira. O que aconteceu concretamente para este alegado desconforto no seio da igreja?
Não criou polémica. por aquilo que eu sei, não criou nenhum desconforto, porque ser um bispo não é um direito. nós católicos, nós cristão, somos cidadãos de todo o mundo. A escolha não é a questão, não são os homens, é Deus que escolhe através dos homens, isso sim. Na nossa nação, temos o Bispo Hélio, de Lichinga, que é italiano; temos em Gurúè Francisco, que é espanhol. está aí, Deus escolheu-os, nós católicos não sentimos nenhum desconforto. É um que foi escolhido e veio aqui partilhar a sua fé, a sua esperança, pessoalmente não achei nenhum motivo.
Sim ou não ao aborto para a igreja Católica?
Aborto não. Se os nossos pais tivessem feito aborto, nós estaríamos aqui a falar. Não ao aborto. Nenhum ser humano tem o direito de matar outro ser humano.
A proposta da revisão do Código Penal tem em vista a despenalização de algumas formas do aborto. Como é que a Igreja reage a esta proposta?
Eu digo que esta lei não visa o respeito da espécie da pessoa humana, acho que esta lei é fruto de pessoas que se autorizam tirar a vida a um ser humano. Nós não temos o direito de tirar a vida. Então, nós não podemos autorizar. É uma lei importada, porque não faz parte da nossa mentalidade, da nossa cultura africana. É uma lei praticamente de pessoas que não estão interessadas no nosso crescimento demográfico. Aquelas clínicas abortista, pessoas que de facto fazem de tudo para que Moçambique entre nesta mesma linha, e não é assim que o nosso país vai crescer.
Será que vale a pena a Igreja católica continuar a fingir que nada está a acontecer quando dados disponíveis indicam que, anualmente, cinco mil mulheres perdem a vida em Moçambique devido ao aborto feito clandestinamente?
Não tenho esses dados. de onde vieram esses dados? Uma coisa é um aborto clandestino, outra coisa é dar a lei a isso, são coisas diferentes. Quando eu, de facto, dou a lei para isso estou a colaborar com aquela pessoa que vai matar uma pessoa. E estes que estão a ser mortos seriam os nossos futuros herdeiros.
Acredita que vai fazer uma campanha contra a aprovação desta lei?
Não faço campanha, vou aconselhar as pessoas, os meus, para estarem atentos. irei alertar o meu povo moçambicano para estar atento, como agora estou a dizer, porque nem tudo o que vem de fora é ouro.
Sim ou não ao uso do preservativo?
Nós dizemos, na nossa fé, que o preservativo não é 100% seguro, esta provado.
A criminalidade tende a aumentar no país. Os linchamentos tornaram-se normais, na presença de crianças. Será que os valores morais deixaram de ter sentido?
Os valores morais não deixaram de ter sentido. Infelizmente, há uma grande desordem neste aspecto. Os linchamentos são realmente uma resposta não aceitável. As pessoas quando apanham um ladrão não podem usar as suas próprias mãos para resolver os problemas, devem respeitar as autoridades competentes, mas, muitas vezes, infelizmente, não tem acontecido assim. Acho que, realmente, é um grande problema para todo o país, para todos os cidadãos moçambicanos. isto é, aquela falta de respeito para as coisas dos outros e para pessoa do outro. Há pouco tempo, a 3 de Maio, perdi um sacerdote que foi agredido para lhe arrancarem celular, algum dinheiro, e computadores; um ser humano não vale tudo isto, a pessoa vale mais que tudo isto.
Qual é o papel da Igreja perante esta violência toda?
O papel da Igreja é educação, formação. A educação do jovem ou da sociedade moçambicana não é só monopólio da Igreja. A educação é feita por todos nós, portanto, todos nós estamos interessados em que o nosso povo viva bem. Agora, se um pai não dá o exemplo lá em casa, não tem relacionamento com os seus filhos, a sua família, não se reúne para, habitualmente, com essa família, poder partilhar a sua experiência, esse filho muitas vezes vai aprender coisas de outras pessoas.
Há muitos casais com tendência de se separar. O que é que está a falhar na óptica da Igreja? Qual é a crise?
Não é só a Igreja, não. não podemos limitar esse trabalho de educação somente à igreja. Aí há uma crise, há dificuldades, então, essa dificuldade deve ser enfrentada em conjunto, há falta de fidelidade, respeito, transparência, seriedade, honestidade, e quando não se vive estes valores, é difícil permanecer fiel.
Celebrar-se-á, brevemente, em Moçambique, os 20 anos da paz! Volvidas duas décadas, será que a paz é efectiva em Moçambique?
A paz, de facto, é um dom de Deus. Depois de 16 anos de guerra civil, foi assinado, a 4 de outubro de 1992, nas instalações de Santo Egídio, um acordo de cessar-fogo. De facto, a partir daquela data, não tivemos mais guerra, portanto, respeitámos a paz e respeitamos o compromisso que assumimos; são vinte anos. Mas, ao longo desses vinte anos, muitas coisas boas foram feitas neste país, foram construídas escolas, estradas, entrada de muitos investimentos. Mas a necessidade de sempre continuar a ter a paz é um dom de Deus, dom precioso, mas essa paz temos sempre que a defender contra possíveis inimigos. um dos inimigos da paz é, por exemplo, a intolerância, a falta de aceitação do outro, esse é um inimigo que devemos afastar. A falta de diálogo é um outro inimigo da paz; um outro inimigo é a discriminação. Esses inimigos devem ser combatidos para que, de facto, a nossa paz permaneça. A paz é um dom de Deus, mas também os homens devem colaborar, fugindo de todas aquelas atitudes de não aceitação. o nosso irmão merece o nosso respeito, mesmo que seja de outra ideia, de outro ponto de vista, devemos procurar sempre sublinhar a parte positiva desse irmão.
Será que existe tolerância política no país?
Temos que procurar, temos que fazer isso e é preciso evitar que haja intolerância. Estamos a caminho, estamos no bom caminho, existe vontade, deveria existir efectivamente. Mas creio que estamos num bom caminho.
Com alguma insistência, em 2011, Afonso Dhlakama prometeu manifestações à escala nacional. Até que ponto essas ameaças foram um atentado à paz?
Não foram realizadas, se tivessem acontecido, teriam sido um atentado à paz, mas não aconteceram.
O secretário-geral da Frelimo defende que, em 2014, caso a Frelimo vença as eleições, vão existir dois presidentes, um da República e outro da Frelimo. Como é que analisa isto?
O partido tem a sua liberdade, pode escolher, preferir que exista um presidente do parido, outro presidente da nação. O que nós queremos é de facto que exista a paz no nosso país e de facto possamos usufruir dos bens que existem no nosso país; que não sejamos estrangeiros no nosso país.
A Conferência Episcopal avançou, num passado recente, que no país se confunde o Estado com o partido Frelimo. Como é que chegou a esta constatação?
Esta constatação é, sobretudo, por causa da partidarização do Estado. O partido praticamente tem muitas exigências no tocante aos seus membros e que também chega a exigir que também para ter emprego é preciso ser membro do partido. Isso limita muita gente em geral; não deveria ser assim num estado democrático. Não deveria haver a prevalência de um partido num estado democrático. Na democracia, é necessário aceitar pessoas de outros partidos, para que se possam se exprimir. Isso dá saúde à própria democracia.
Neste momento, o que está a acontecer?
Neste momento, o partido maioritário é que está no poder, desde a independência. Há mais de 37 anos que está no poder, uma alternância faria bem ao próprio partido e própria sociedade.
Uma alternância em termos de quê?
Quer dizer, ter também um presidente de outro partido é também uma alternância. Em democracia, não quer dizer que deve governar um único partido, porque isto é democracia. Para ser de facto uma democracia, é preciso mostrar isso, deixar que os outros tenham espaço para fazer a sua propaganda em todo o território nacional.
Julga que, actualmente, temos capacidade para uma alternância política?
É preciso criar essa alternância.
Como?
Aceitando os outros. Essa tolerância que dizíamos; é preciso aceitar os outros.
No actual contexto, não é aceite?
Não se vê isso. Há pouco tempo, no Xai-Xai, não arrancaram as coisas do MDM? Não estragaram a sede do MDM no Xai-Xai? Isso é violência, não é normal numa democracia. Na democracia é preciso aceitar que o outro se manifeste também. Quer dizer, o povo precisa de ver que existe uma preocupação de um crescimento orgânico.
A oposição está preparada para assumir o poder em Moçambique?
Deve preparar-se, os que estão aí também começaram; a Frelimo também começou e pouco a pouco foi aí. É bom que na assembleia da República estão os três partidos, isso é muito bom, dá a possibilidade de enriquecimento na partilha de ideias, conhecimento, partilha de pontos de vista, e a construção do país necessita da colaboração de todos.
Continua a defender a partidarização do Estado?
É o que estamos a viver, nós vivemos isso, o senhor também vive essa coisa.
Como é que a Igreja Católica olha para a distribuição da riqueza em Moçambique?
É uma distribuição que de facto não satisfaz a todos. nem todos têm as mesmas possibilidades, nem querem que sejam nivelados. é necessário que, de facto, da parte do governo e da sociedade moçambicana haja cuidado e um interesse em permitir que os bens sejam distribuídos por todos.
Será verdade que o fosso entre ricos e pobres é cada vez mais crescente?
Infelizmente, sim. é isso que tenho constatado.
Quanto à gestão dos recursos naturais. Há ou não transparência?
Não há transparência, porque não sabemos quem é quem. A falta de transparência verifica-se em alguns sectores e isto pesa sobre a toda a sociedade.
O que é que deve ser feito sobre os recursos naturais, na sua opinião?
Devia haver uma distribuição equitativa, dar possibilidade também às pessoas de trabalhar. Por exemplo, esses investimentos que estão aí permitirem que o povo moçambicano possa ter acesso, procurar também, na parte do Estado, preparar pessoas que possam controlar aquilo que está sendo feito e procurar formar.
Há algum tempo, a Conferência Episcopal disse que a qualidade de ensino em Moçambique era péssima. Como vice-presidente, continua a defender a mesma posição.
Em princípio, sim, mas há alguma coisa que está a melhorar.
Por que é péssima?
Por exemplo, a passagem automática. Encontramos alunos da 10a que não sabem ler nem escrever o seu próprio nome. Como é que isso se explica? A necessidade de preparar as condições, formar professores, há alunos que não têm carteiras, nem salas, aí a educação não está bem. Então, são vários factores e a nossa formação precisa de ser tomada a sério, porque é esta formação que vai salvar o país. Se nós não nos preocuparmos em formar bem os nossos, dificilmente podemos fazer face a esses que vêm de fora. Esses são os grandes desafios que temos.

   Arsénio Henriques, O País

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