Thursday, 13 January 2011

MALANGATANA: O HOMEM QUE MATERIALIZOU OS SEUS OLHARES


CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas

Agora, poderão vir discursos dizendo que morreu o homem, mas ficou o sonho, que nunca desmaia, porque permanece sempre acesa em toda a parte do nosso caminhar. São as tais almofadas que não acomodam a ninguém. Trecho extraído da conversa com amigos.
Desde os tempos airosos da escola primária que “Linette Mackenzi” (primeiro como minha professora na 5ª classe e mais tarde, em 2005, já como minha colega na saudosa Universidade Pedagógica em Maputo) contagiou-me com a sua profunda admiração por este “vulto humano” da cultura moçambicana e mundial (o “picasso africano”, o “Shakespeare da pérola do Índico”, o filantropo dos órfãos e dos pobres de Matalene, o justiceiro, o nosso Malangatana Valente Ngwenya).
O sonho de infância, por vezes incontrolável, de conhecer Malangatana (quer como homem quer como artista) só muito recentemente é que foi realizado. Foi quando o falecido recebeu das mãos do então reitor da Universidade de Évora Prof°. Dr. Jorge Araújo (a 11 de fevereiro do pretérito ano de 2010) a mais alta distinção académica daquela universidade, com o grau de doutoramento honoris causa. Eu estive lá!
A integração de Malangatana no claustro dos doutores honoris causa mereceu, por parte do Prof. Dr. Jorge Araújo, a indelével frase: Malangatana é um dos mais eminentes artistas plásticos africanos e poeta moçambicano. A luta pela independência do seu País e, uma vez esta alcançada, prossegue, com o pincel e a palavra, a sua luta pelo direito dos meninos à educação, dos moçambicanos à sua identidade cultural, e dos povos, à paz. Um homem assim, com as qualidades de Malangatana, deve merecer, na minha modésta opinião, ainda que postumamente, um prémio nobel. Não é por mero acaso que a UÉ colocou a bandeira a meia haste, em sinal de luto.
Reconhecendo o inquestionável talento de Malangatana, e, enquanto domiciliado na pacata cidade histórica de Évora (Património Mundial da Humanidade) aceitei o nobre convite da Embaixada de Moçambique em Portugal para participar da efeméride a Malangatana. Feito “carapau de corrida” e com os pulmões cheios de fôlego, motivado que estava, depressa desemboquei nos claustros adentro da
UÉ onde já lá estavam, com o mesmo propósito que o meu, à espera que o homenageado Malangatana (que se fez acompanhado da sua família, da classe política e diplomática moçambicana e portuguesa e pelos “deuses da ciência” de várias universidades do mundo), entrasse pela sala adentro - a Sala dos Actos (que foi pequena para tanto desiderato humano). Foi então nesse breve instante, ali na arcada da Sala dos Actos da UÉ que “matei”, como sói dizer-se, “dois coelhos numa só cajadada”: o de conhecer pessoalmente o homem e o artista Malangatana!
Naquela manhã do dia 11 de fevereiro a UÉ parecia uma colmeia cheia de “gente” (e que “gente”!!!) todos os que ali estávamos, sem exagero nenhum, procurávamos (cada qual com o seu ângulo e cada um à sua maneira) a sorte de apertar a mão ao artista Malangatana. Nunca tinha visto, em toda a minha vida, o ser humano na sua pura habilidade física e mental: doutores, engenheiros, homens das letras, académicos, estudantes, operários, “messias do anonimato”, enfim, TODOS, esticávamos as mãos e os pés (parecia uma fuga ao rei leão) fazendo um ângulo de 180° graus, desejávamos, pois, trocar nem que fosse em uma ou duas palavras do latim, alguns débitos com Malangatana, era esse o motivo de tanta loucura! De facto, muito sofre quem ama.
Na sua lucubração à Assembleia, Malangatana falou do papel das mulheres. Disse (cito de memória) “a mulher é um fermento de amor eterno, o homem que não ama a sua esposa é um homem sem leme. O amor de mãe não falece, não tem feriado, nem final-desemana, é um amor eterno”. Nesta passagem, para além de ver lágrimas cair no rosto de algumas mulheres ali presentes, como quem dissesse “que valentia deste homem que é Malangatana Valente…”, confesso, eu também lacrimejei, lembrando-me das sábias palavras do meu tio, o “velho” Avelino Mucipo (cuja verticalidade moral é vinho de outra odre) que dizia, no esplendor do seu “arsenal moral”, “o amor que devemos dar a nossa mãe não deve ter ziguezague, deve ser eterno como o amor da camaleoa que escala o último ramo da árvore e se joga, mortalmente, para baixo, podendo assim dar a luz à sua cria”.
Malangatana também falou do perdão e citou uma conversa que ele próprio teve com Eduardo Mondlane.
Quanta vezes precisarás tu, Malangatana, de ajustares as contas com os teus inimigos se não tiverdes a capacidade de te perdoar a ti próprio? Perguntou Mondlane ao visado. O mundo não é só de santos, é também de pecadores, por isso tens de saber engolir as mágoas. Disse estas palavras olhando para a plateia que o respondia com um “yes man” mudo. Os silêncios também falam. Há que esquecer o passado colonial e estabelecer a charneira do diálogo! O perdão deve fazer parte do nosso cardápio diário da generosidade, disse Malangatana. O homem que não é capaz de perdoar o próximo, digo eu, quebra a ponte para onde quererá passar. É preciso saber perdoar e, acima de tudo, saber enterrar o ferro velho do passado e continuar a olhar o futuro com prosperidade.
Malangatana sabia e conhecia perfeitamente o custo do amor, que só é pago com o amor. Aquilo que ele via e acreditava, pintava em quadros, desenhava e escrevia. Malangatana era a verdadeira arte em pessoa.
A notícia da sua morte quebrou a minha paz de espírito. Aquele colosso humano da cultura mundial, mesmo sem antes o conhecer de perto, já habita no melhor e único compartimento do meu coração. Concordo plenamente com o músico zimbabweano, Oliver Mtukuzi quando diz que no túmulo não há oração que salve o defundo. O Homem é salvo pelas suas obras e não depois de ele falecer.
Malangatana será salvo pelas suas próprias obras (de dimensão incomensurável) e pela bondade de coração que teve, e não pelo oportunismo político que algum partido político procura (dele) pescar.

POR FAVOR, SENHORES, NÃO PINTEM NADA EM CIMA DO HOMEM QUE FOI MALANGATANA. NADA MESMO. DEIXEM-NO MORRER COMO ARTISTA, SEM TER DE COLOCAREM EPÍTETOS “REVOLUCIONÁRIOS” NA SUA FIGURA. ‘Kochikuro’ (Obrigado).

gentoroquechaleca@gmail.com

PS: À família enlutada os meus pêsames.

WAMPHULAFAX – 13.01.2011

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