Thursday, 16 December 2010

De Garágua ao WikiLeaks

Maputo (Canalmoz) - Em Moçambique, as grandes batalhas políticas desenrolam-se não no teatro operacional, nem com recurso a armas de destruição maciça, mas antes no palco da opinião pública em que soma pontos aquele que conseguir embaraçar melhor o adversário.
O governo da Frelimo acumulou importante pontuação, colocando-o na dianteira da guerra psicológica, quando alguém da Renamo propositadamente deixou na base central da guerrilha, em Garágua, documentos comprometedores, que esmiuçavam os laços que o movimento de Dhlakama havia estabelecido com a África do Sul. Uns cinco anos mais tarde, a Frelimo voltou a somar pontos com a descoberta, em Casa Banana, dos famosos diários de Joaquim Vaz, mostrando que, não obstante a assinatura do Acordo de Nkomati, Pretória mantinha-se solidária para com a causa de Dhlakama.
Em ambos os casos, a comunicação social afecta ao regime da Frelimo vangloriava-se do feito alcançado. Se ao regime não era possível vencer de uma vez por todas a guerrilha por meios militares, no campo da propaganda os resultados eram de invejar, tão acutilantes como o explodir de um certeiro obus de morteiro ou das múltiplas granadas lançadas pelos temíveis órgãos de Stalin.
Os americanos também davam o seu ar de graça, contribuindo generosamente para a causa de Machel, lançando cá para fora relatórios encomendados pelo Departamento de Estado. Jon de Vos era a persona gratíssima da Frelimo, admirado por Albino Magaia nas páginas do «Notícias» e habilmente manipulado pelo DTIP através dos canais AIM/Radio Maputo.
Mas os tempos mudam, assim como as vontades. E de uma vitória à outra há sempre uma casca de banana deixada pelo caminho distraidamente percorrido por exuberantes dirigentes políticos. As coisas começaram a esfriar nos anos imediatos à paz trazida de Roma. De Jett a Chapman, os incidentes – diplomáticos, políticos, económicos e até de intromissão na esfera jurídica – sucederam-se em catadupa, com o inevitável efeito de bola de neve que avança, imparável. Eis que agora, qual pandemia alastrada à cibernética, surge a fase dos ducos da WikiLeaks que embaraçam toda a estrutura do regime da Frelimo, do seu presidente aos delfins leais às várias tendências, que vão despontando como pardais no milharal.
Perante o manancial de documentação misteriosamente enviada ao WikiLeaks, os mais cínicos comentam que a prosa redigida por prolíficos diplomatas já passou à história, que apenas confirma o que há muito se dizia baixinho à mesa dos cafés ou se murmurava nas esquinas da capital. A verdade seja dita: as ligações da Frelimo ao crime organizado há muito que haviam sido denunciadas pelo saudoso Carlos Cardoso aquando dos «showmícios» abrilhantados pela Mamã Graça e sustentados pelos narco-dólares da Miami Fashion House. A destoar, um conhecido jornalista canadiano, antes bem entrincheirado na barricada da Frelimo quando estava na moda ajudá-la a somar pontos, acha-se agora no direito de se pôr em bicos dos pés, para reclamar paternidade por outras denúncias, entretanto trazidas a público através do WikiLeaks. Bruxelas não quer ficar atrás?
Seja como for, o mal está feito, a imagem da Frelimo corroída, a reputação dos seus mais altos dirigentes de rastos, o moral de todo o aparelho partidário pelas ruas da amargura. Perante os enérgicos desmentidos que se têm feito ouvir através das habituais caixas-de-ressonância, apropriado seria o governo começar por chamar a Maputo o seu representante diplomático em Washington, D.C. em sinal de protesto contra a traição e ultraje ao bom nome e boa conduta de um Jon de Vos, um Crocker, um Wisner ou de um Wiseman e quejandos que em certa época da nossa recente história desfilaram pelos corredores da Ponta de Vermelha, qual deles o mais solícito, emulando o salta-pocinhas típico. Não que o governo se sinta com forças ou disponha de meios para ir mais além, mas pelo menos ajudava a limpar um pouco a sua conspurcada imagem e a limar algumas das arestas da esfacelada imagem de uma formação política que volta e meia sofre abalos sísmicos mas que por obra e graça de santa bala disparada pela calada da noite, vai sobrevivendo às vicissitudes da eternização do poder.

(Chico Torres, CANALMOZ, 15/12/10)

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