Friday, 24 July 2009

Os ambiciosos são capazes de tudo: dar nome errado à ponte sobre Zambeze


Já no Guijá, procuramos um lugar tranquilo à beira do rio Limpopo para a troca de copos. Havia prometido ao meu amigo de infância, ora radicado na África do Sul, que termi­nado a conversa sobre os Mambas voltava a abordar outras questões. Sentados em redor de uma pequena mesa, cada um com o seu copo – não interessa o que continham os copos – retoma o diálogo.
- Ok. Meu caro Mabunda, o prometido é devido. Vamos a outros assuntos polémicos, porque do desporto acabei-me fartando do que ouvi.
– O que tu queres ouvir? Especifique para não me espalhar…
– Épa, ouvi, por exemplo, que há uma ponte que se chama “Ponte sobre o Rio Zambeze” ou “Ponte de Unidade Nacional”, a que se pretende atribuir o nome de “Ponte Armando Guebuza”, uma ponte que une o país do centro a o sul e do centro ao norte. É verdade que querem dar esse nome.
– Meu amigo. Já disse na conversa anterior que neste país há sempre ten­dência de inverter a lógica. Até acho que alguns pensam pelos pés e cami­nham pelas cabeças. Isso é verdade. Até alguns ministros assumiram isso.
– Porquê ponte “Armando Guebuza”?
– Porque dizem que ele transformou Moçambique numa espécie de um país dos sonhos, espécie de jardim do Eden, que Deus havia projectado para o homem. Em suma, que ele fez, em cerca de cinco anos, o que Mondlane, Machel e Chissano não conseguiram para merecer que os seus nomes cons­tem naquela ponte.
– Mas o que ele fez em cinco anos?
– Meu amigo, neste país se tu criticas chamam-te nomes. Tenho receios que me chamem apóstolo de desgraças, que “sentados no muro do comodismo, aplaude, cultiva e sente-se realizados com a desgraça do povo”. Mas, como queres vou resumir no seguinte: deu continuidade aos projectos deixados pelo Governo de Chissano, nomeadamente, as pontes construídas, incluindo a ponte de Unidade Nacional, o projecto de descentralização administrativa, a reversão de Cahora Bassa; e chamou o anterior Governo de “deixa-andar”, de “burocratismo” (…). Creio que há muita coisa que foi feita que não esta­mos a ver. O informe do Estado da Nação não é muito claro quanto a isso.
– Desculpe-me Mabunda, isso é suficiente para o bajular?
– O teu problema é esquecer que este é um país virtual. Vive de aparên­cias. É um país de lambe-botas e em que o culto de personalidade é cultural. Experimente ter dinheiro ou ser uma figura importante, verás que estarás rodeado de guarda-costas, informadores, boateiros, polidores e bajuladores que nem os contratou para esses serviços.
– O que ganham com isso?
– Ganham sobrevivência, em algum momento. Alguns ganham confiança e mantêm os cargos. Outros nem sequer ganham algo. Desgastam solas de sapatos em andar e ainda esgotam os 10 meticais em “chapa” e volta para casa sem nada.
– No seu entender, qual seria o nome ideal da ponte?
– Mas o que vale apresentar a minha ideia se neste país o que vale é a ambi­ção. Mesmo que apresentemos ideias, a ambição, aqui, supera a generalidade das ideias de moçambicanos. Aliás, esqueceste que Samora já dizia que o am­bicioso é capaz de tudo?
– Sei, mas uma ideia também não é perder…
– Tudo bem. Eu tenho três nomes, dois dos quais até se complementam: Ponte de Unidade Nacional, Ponte Eduardo Mondlane e Ponte Rio Zambe­ze. Nesses, se quisermos evitar nomes de pessoas, o que é passível de gerar controvérsia, apostávamos na “Ponte de Unidade Nacional” ou “Ponte Rio Zambeze”. Agora, se julgarmos que temos que atribuir nome de alguém, sem dúvidas que tem de ser Eduardo Mondlane, até porque esse nome conjuga-se com o de Unidade Nacional.
– O que quer dizer com isso?
– Ora, quero dizer que, sem minimizar a dimensão do Presidente Guebu­za, e se a Frelimo e quase todos os moçambicanos defendem que Eduardo Mondlane é arquitecto de “Unidade Nacional”, então não faz sentido que dêem nome de Guebuza a uma ponte que liga o país do Rovuma ao Maputo. Esse nome tinha de ser de quem uniu todas as etnias nacionais, evitando con­flitos étnicos, que incutiu aos macondes, macuas, machanganas, marongas, Manhungues, machuabos, mandaus, massenas, bitongas, entre outras, que o país está acima das nossas diferenças e que todos nós somos moçambicanos e temos de defender este país de quaisquer estranhos.
– Olha, eu nem estava a ver a dimensão das coisas…
– Digo mais, se a Frelimo e o seu Governo decretaram o ano de 2009 como o ano Eduardo Mondlane, pelos 40 anos da sua morte, esta seria a melhor prenda, além de que seria contra-senso não atribuir a Mondlane o que é de Mondlane. Isto é, dizer que Mondlane é arquitecto de unidade nacional e quando se trata de dividendos encostá-lo e acantoná-lo na pacata regiãozinha de Nwadjahane é demonstrativo de dimensão ambicional de certas pessoas.
– No seu entender é errado atribuir-se a ponte o nome de Guebuza?
– Não posso dizer que é errado, mas acho que temos de reduzir a cultura do culto de personalidade e de atribuir nomes de pessoas que ainda não sa­bemos o que será deles no futuro. Sabe o que está acontecer hoje na Beira? A Assembleia Municipal liderada pela Frelimo quer remover a estátua de André Matsangaissa e mudar de nome da praça. Também concordo plenamente com essa ideia de remoção e mudança, porque Matsangaissa foi um bandido, um criminoso. Para mim, Matsangaissa, Dhlakama e Renamo são sinónimos da morte violenta da minha avó, meu tio, e muitos outros meus familiares. Mas se a moda for de atribuir nomes a pessoas só porque são presidentes ou líderes, no futuro, sempre que houver um novo governo, teremos polémicas de mudanças de nomes. Um dia teremos mais Matsangaissas e mais Afonsos Dhlakamas, mais generais Gomes…
– Tens muita razão, Mabunda…
– Digo mais: sabias que a Ponte 25 de Abril em Portugal chamava-se Dr António Salazar? E que depois de 25 de Abril de 1974 o nome foi retirado e colocado o actual: Ponte 25 de Abril? Agora, achas que o Presidente Guebuza é consensual? Ainda te lembras da famosa Operação Produção? É consen­sual? Não achas que Mondlane é o único consensual? Vamos lá pôr mão na consciência, pá. Olha, se eu fosse presidente Guebuza nem iria querer ouvir essa proposta. Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube de Porto, deu um exemplo a todos os ambiciosos ao negar que fosse atribuído o seu nome ao actual estádio do Dragão.
– Li alguns jornais que apoiaram a ideia, incluindo editorial de um dos semanários da praça…
– Também li. O editorial de que fala é do Magazine Independente, de Sa­lomão Moyana. Olha, é bom que exista divergência de opiniões e temos que respeitar as opiniões, porque ninguém tem opinião perfeita. Mas há opiniões cuja liberdade de consciência de quem a elaborou se duvida. Moyana é um dos poucos meus ídolos. Não revejo Moyana naquela opinião. Das duas, uma: ou fez aquela opinião um pouco tocado ou fê-la após ter saído de algum sítio. Os outros jornalistas não tenho dúvidas que são aquilo que escreveram. São polidores. Vivem a custa daquilo.
– Quer dizer, estamos num país minado de “escovismo” e “lambi-botismo”?
– Não tenhas dúvidas. Neste momento, procuram saber quem sucederá a Guebuza após o cumprimento do segundo mandato a partir de 2014 para o escovar...
– Chissano já não é nada? Lamberam-lhe muito?
– Já não tem poder sobre este país, por isso, já nem sequer o procuram. Esta seria altura para o homenagear por aquilo que fez em 18 anos, mas hoje é um coitadinho, apenas reconhecido mundialmente, mas ignorado internamente. Olha, nunca vi a OMM, ACLL, OJM e a própria Frelimo juntar-se no aeroporto para receber Chissano porque ganhou um pré­mio, muito menos o homenagear, mas já vi nesses três anos o quão o Che­fe do Estado é polido. Luísa Diogo, uma das poucas figuras emblemáticas que temos, já foi condecorada pelo prémio Global de Liderança 2008, em Hanói, no Vietname e já esteve na lista das 100 figuras mais populares do Mundo. No entanto, não vi essas organizações, muito menos a Frelimo a homenageá-la. Chissano já conquistou variadíssimos prémios, alguns dos quais Chatham House e Mo Ibrahim. Também não foi homenageado, tal como aconteceu hoje.Não estou a menosprezar, porque podem merecer, mas quero demonstrar a cultura de culto de personalidade existente nes­te país. Haverá discriminação na Frelimo? Não sei. Prefiro ficar por aqui. Desculpa-me, não me pergunte mais nada!

( Lázaro Mabunda, em O País )

5 comments:

  1. "Para mim, Matsangaissa, Dhlakama e Renamo são sinónimos da morte violenta da minha avó, meu tio, e muitos outros meus familiares"
    IN Lazaro Mabunda.

    Sera caro Mabunda?

    Por mim acho que a guerra em si e nao somente a Renamo. Digo isto porque tenho um amigo de Gaza que diz que os seus familiares foram mortos pelas tropas governamentais que no auge dumas doses de opio nao conseguiam distinguir entre o inimigo e as massas. Eu penso que a guerra foi uma catastrofe em si. E para mim os culpados por toda matanca, foram a FRELIMO e RENAMO juntos. Esses dois deixaram-se levar pelos seus vicios como a ganancia, intolerancia e egoismo, o que acabou num banho de sangue para o povo.

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  2. Caro Wakuichinga, que sorte ouvires relatos de Gaza em relacão a guerra civil que muitas vezes são ocultados, sei lá em nome de quê?

    Eu já ouvi um soldado do sétimo batalhão da Frelimo estacionado na MADEMO (...)algures em Nampula a dizer que meteu tantas pessoas numa palhota e incendiou-a; violou sexualmente uma mãe com crianca pequenininha em Muecate quem ia gritando "Mwana mwankini! Mwana Mwankani!" isto é a crianca é pequena!... Na cultura macua, relacões sexuais com uma mãe, só se fazem depois da crianca comecar andar ou depois de "onkoma mwana" prevencão tradicional para a mãe não ficar grávida. Isto é muitíssimo pouco do que eu sei sobre a guerra civil. Das mortes na mãoda Renamo tbem desmacaria aqui se alguém ousasse negar.
    Lázaro Mabunda e muitos outros precisam de saber isto para não estragarem as suas boas opiniões. Imagino isto aqui que Mabunda escreveu sem pôr a propaganda frelimiana.

    Gosto de dizer que nunca fui guerrilheiro ou soldado. Antes pelo contrário, a minha carreira do professorado me ajudou a safar em ver sangue que nem pela TV consigo.

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  3. Amigos, um excelente texto, manchado apenas pela referida referencia, penso que foi apenas um desabafo emocional originado pela morte de familiares, mas o Mabunda devia saber que é perigoso fazer generalizações.
    Por trás deste desabafo fica a constatação de que há feridas que custam a sarar e torna-se mais difícil quando há manipulação da História. Por exemplo, alguns continuam a afirmar que não houve guerra nenhuma, foi tudo destabilização promovida por estrangeiros. Os que fazem essas observações, escondem quais os motivos que levaram a essa guerra.
    Quando foi assinado o Acordo de Roma, muitas pessoas, eu inclusivamente, pensam que devia ter sido negociada uma Comissão da Verdade para se esclarecerem muitas situações duvidosas. Em nome da reconciliação foi decidido que não havia necessidade, e eu até aceito, mas o problema é que agora aparece muita gente apontando os excessos da Renamo esquecendo-se convenientemente do que a Frelimo fez. Houve excessos e coisas muito desagradáveis dos dos dois lados, escamotear a verdade é desonesto.
    Felizmente os mais atentos não são facilmente enganados e um dia a verdadeira História de Moçambique será contada.

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  4. Espero que um dia a verdadeira historia de Mocambique seja escrita, pois muita gente, especialmente os mais novos, vivem uma pura ilusao do que se passou apos a independencia, da guerra civil e das atrocidades cometidas pela Frelimo, um governo no poder ha mais de 3 decadas.
    Maria Helena

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  5. Muitas pessoas felizmente começam a questionar e apercebem-se da manipulação de que a nossa História tem sido vítima.

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