Sunday, 27 April 2008

Marco de correio: Machado da Graça

Olá Manuel
Tudo bem contigo, meu amigo?
Do meu lado está tudo nos conformes.
Queria-te falar hoje de uma coisa que se está a passar lá bem longe, nas altas montanhas que separam a China do Nepal e da Índia.
Isto é, da situação no Tibete.
Como sabes, ninguém me pode acusar de ser um
seguidor do Dalai Lama nem de andar pelo mundo,
de cabeça rapada, enrolado nuns panos cor de açafrão.
Mais do que isso, poucas simpatias tenho por sistemas políticos baseados numa religião, seja ela qual for.
Para mim religião e política devem estar higienicamente separadas, porque a História demonstra que, sempre que as duas se misturam, o resultado é péssimo.
No caso concreto do Tibete, o pouco que sei é que se tratava de um país extremamente atrasado, vivendo numa espécie de idade média asiática onde, fosse ele qual fosse, o aspecto de modernidade era proibido pelos monges dominadores.
Depois chegou a China e aquilo levou uma grande
volta, saltando, de repente, muitos séculos para a frente.
O que, assim contado, até parece uma coisa óptima.
Só que, ao que parece, os chineses não chegaram como amigos, com as mãos cheias de enciclopédias, motores e laboratórios. Até porque não podiam, na medida em que já tinham as mãos ocupadas a segurar espingardas e metralhadoras ou a conduzir veículos militares.
O meu pai costumava contar a história do pai que dizia ao filho: “Queiras ou não queiras hás-de ser bombeiro voluntário!”. Pois com o Tibete aconteceu mais ou menos a mesma coisa: Quisessem ou não quisessem lá tiveram de se modernizar.
E, depois da violência militar da conquista ter abrandado, seguiu-se a violência cultural da modernização acelerada.
Entretanto a China, orgulhosa do seu enorme avanço económico, meteu-se na aventura da candidatura à organização dos Jogos Olímpicos. Esquecendo-se de que tinha lá, nos confins do seu imenso território, um problema adormecido.
E ganhou a sua oposta em hospedar as Olimpíadas de 2008.
Só que não deu importância aos livros de História em que se relata como as Olimpíadas têm sido usadas para fazer propaganda a questões políticas, desde o ataque palestino aos atletas israelitas em Munique, ao massacre na Cidade do México e aos boicotes cruzados dos Estados Unidos e da União Soviética aos Jogos Olímpicos realizados no país adversário.
Outros mais atentos à História lembraram-se e fizeram agora ressuscitar a questão da autonomia/ independência do Tibete. Com um levantamento violento que fez a China responder com uma repressão muitíssimo mais violenta.
E aqui estamos, em vésperas dos jogos, com inflamados discursos a favor de boicotes aos Jogos, com tochas olímpicas a serem apagadas em Paris e todo um cortejo de outras coisas que, se calhar, só agora estão a começar.
E tudo porque a China não teve a paciência de fazer os tibetanos apreciarem a modernidade que lhes oferecia, de boa maneira. Preferiu impô-la debaixo das botas dos seus militares invasores. E isso, como sabes, raramente dá bons resultados.
Deu apenas aos tibetanos meios mais modernos
de se oporem à China.
No cimo daquelas montanhas, cheias de neve, muito provavelmente os dirigentes de Beijing vão conseguir, de novo, impor o silêncio e a calma. A desproporção de forças é esmagadora.
Mas os independentistas tibetanos já tiveram a sua vitória: Ao fim de décadas de serem ignorados, todo o mundo fala hoje do seu problema. Todo o mundo recorda a sua situação.
O que pode, se tiverem sorte, acabar por levar à vitória da sua causa. Não esqueçamos que, em Timor Leste, também foi o massacre num cemitério de Dili que fez o assunto voltar a sair das sombras e conduziu à independência.
Quem sabe se, nos Jogos Olímpicos de Beijing, o Tibete não acaba por ganhar uma medalha de ouro?
Um abraço para ti, do

( Machado da Graça, em “Correio da Manhã”, de 17/04/08), retirado com a devida vénia)











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