Monday, 18 February 2019

O que há de errado com a Renamo?


Quando se aproxima a data de Outubro de 2019, fica claro que, pela per- cepção dos dados de análise disponíveis, o partido Renamo pode ter re- sultados históricos, e não seria ter excesso de expectativa acalentar a ideia de conquistar o poder nestas eleições. Mas o maior inimigo da Renamo é exactamente a última parte desta frase: o poder. Há uma pergunta simples e séria que deve ser feita: até que ponto está a Renamo interessada em conquistar e exercer o poder? E, se calhar, acrescentarmos mais uma pergunta: e como é que pensa tornar possível esse objectivo?
Já havíamos referido, aqui, neste mesmo espaço, desde os tempos de Afonso Dhlakama, que era mais politicamente evoluído, que a Renamo não pode, de ano em ano, investir contra a expectativa dos seus próprios eleitores, ou seja, é a própria Rena- mo a ser o empecilho para o seu próprio sucesso. Sempre que acreditamos que a Re- namo está suficientemente madura, é ela própria que trata de desmentir essa asserção e prefere continuar como eterno estagiário da política.
Nas eleições autárquicas mais recentes ficou amplamente provado que a Renamo ga- nhou na maioria dos municípios estratégicos. Mesmo com a fraude eleitoral consubs- tanciada com a falsificação de editais, a Renamo teve um número significativo de as- sentos nas respectivas Assembleias Municipais, o que, em teoria, uma coligação com os membros do Movimento Democrático de Moçambique dava para a Renamo controlar a Assembleia Municipal e infernizar a vida àqueles que ganharam na secretaria.
Mas vamos por partes. Como é que ficou o protesto da Renamo em relação à frau- de? Sabido que, por via das instituições, era impossível obter uma resposta isenta e íntegra das suas reclamações, colocaram-se possibilidades legais para a Renamo e o MDM protestarem com vigor e com resultados garantidos contra a fraude. Haviam sido avançadas duas propostas: a primeira, sendo a mais radical (em política, o radical é relativo) seria o boicote à tomada de posse e a não constituição dos órgãos autárqui- cos, o que forçaria uma nova eleição. A segunda, a mais leve e a mais demorada, seria tomar posse e reprovar os documentos considerados essenciais para a viabilização da governação, o que também levava ao mesmo resultado, o da dissolução da Assembleia e a marcação de novas eleições.
Estas hipóteses colocadas assim como foram parte de um pressuposto de que a Re- namo está interessada em três coisas: (1) contestar com notável vigor os resultados fraudulentos; (2) conquistar e exercer o poder e (3) impor respeito e a devida conside- ração como interveniente político relevante e sério não só aos seus oponentes mas tam- bém e, se calhar o mais importante, aos que têm depositado o seu voto nas suas ideias.
O que acontece que essas hipóteses ou premissas são apenas dos analistas. A Rena- mo não elabora sobre essas premissas. Tem outras premissas que até aqui são desco- nhecidas do grande público, e vai daí que as suas acções são exactamente para colocar aquele partido fora da rota da conquista e exercício do poder.
Vejamos por exemplo nos municípios como Matola, Rubaue, Monapo e Monapo onde a fraude foi clamorosa, com a famosa falsificação dos editais. Esperava-se uma acção mais concreta da Renamo e tudo indica que isso não passou das intenções das pessoas do bem que votaram na Renamo, e a Renamo não tinha qualquer agenda de protesto.
Veio a tomada de posse nesses municípios e, na primeira oportunidade, a Renamo demonstrou que não está minimamente interessada na agenda do poder. Na Matola, dois membros do MDM concordaram em votar na Renamo para colocar os seus can- didatos a dirigirem a mesa da Assembleia Municipal, mas foi a própria Renamo que foi votar na Frelimo. O mesmo sucedeu em Ribaué e Monapo. Foram os membros da Renamo que votaram naqueles que fizeram a fraude. Ora, prova maior da falta de seriedade e esquizofrenia política não podia haver.
Os amantes das teorias de desculpabilização poderão dizer que foram três ou quatro “gatos-pingados” que, num número de indisciplina e de luta contra a fome, decidiram vender a causa por um prato de lentilhas. Pois. Pode ser. Mas é dever da Renamo, en- quanto organização que aspira ser alternativa, ter, a esse nível, indivíduos que tenham o mínimo de discernimento sobre o que está em causa. Não estava em causa apenas uns votos banais, mas um manifesto de protesto contra a fraude que ficou reduzido a
umas ambições do nível de prato de comida. É responsabilidade da Renamo recrutar e fazer-se representar por homens e mulheres à altura dos desafios que a ela se colocam. Ignorar o que aconteceu nas Assembleias Municipais como se nada fosse é passar um certificado de incompetência não aos vendedores dos votos mas, acima de tudo, à Direcção da Renamo, pelo erro de escolha dos candidatos.
E se olharmos para as recentes eleições dentro da própria Renamo (temos o dever de saudar, aqui, o exemplo de democracia e transparência), há muitas questões que se podem levantar sobre com que argumentos a própria Renamo quer fazer face aos desa- fios que à frente se colocam. Sem querer retirar mérito aos novos eleitos para os órgãos sociais, é preciso questionar o que a Renamo pretende alcançar com as personalidades que colocou na linha da frente. Estrelismos à parte: preterir Ivone Soares, Venâncio Mondlane, Eduardo Namburete e o próprio Manuel de Araújo, entre outros quadros de inquestionável valia, é estranho. Como é que uma Comissão Política quer funcionar sem a líder parlamentar desse mesmo partido. E não é só o cargo que deve ser cha- mado como argumento. Mas as capacidades da própria líder parlamentar que são por demais notórias. Uma estratégia política que ignora Ivone Soares e outros quadros do seu quilate é questionável. Insistimos que não se trata aqui de retirar mérito aos novos eleitos, mas tão simplesmente um exercício de lógica parenta dos dados existentes. Não deixa de ser também notória a ostracização dos que apoiaram Elias Dhlakama nas eleições internas. Isso denota que o espírito democrático não reside na Renamo. Elias Dhlakama perdeu. Ossufo ganhou. Isso não quer dizer que Elias Dhlakama e seus apoiantes assinaram sua própria sentença de morte política, muito pelo contrário. É indicador de que há uma parte da Renamo que acredita nas ideias de Elias Dhlaka- ma e essas ideias e pessoas não podem ser ignoradas, porque perderam, sob o risco de criar duas Renamos, o que seria desastroso. Este é o momento de os vencedores e os vencidos juntarem-se numa única frente e trazer novas ideias e nova forma de fazer política. Não se pode perder tempo a gerir zangas de quem apoiou quem e quem votou em quem? Caça às bruxas é sinal de fraqueza. A não ser que a Renamo tenha uma outra estratégia oculta do público em que esses quadros que foram varridos são manifestamente inaptos.
É sintomático que sempre que o ecossistema político cria condições para a Renamo dar um salto qualitativo, é a própria a Renamo que investe tudo contra si mesma. Os eleitores da Matola, de Marromeu, de Monapo, de Moatize, de Tete, querem saber da Renamo o que é que se segue como acção política depois da fraude? A resposta que a Renamo tem é aliar-se à Frelimo e entregar de bandeja as mesas das Assembleias. Isso não cabe na cabeça de ninguém.
Com um Filipe Nyusi completamente à deriva a fazer contas à vida, se renova, ou não, a sua candidatura, e com os seus próprios correligionários a contestarem-no e ele próprio a ter que jogar a sua própria sobrevivência, a Renamo não consegue capitalizar isso a seu favor. Com o povo com ânsia de mudança a aceitar qualquer coisa que não seja o partido Frelimo, temos uma Renamo completamente alheia aos acontecimentos e a cometer os seculares erros.
Não deixou de ser patético e denotador de uma gritante falta de agenda, o facto de todo um porta-voz do partido Renamo ter convocado uma conferência de imprensa, para se distanciar de um deputado seu que foi à África do Sul assistir ao julgamento de um ex-ministro do actual Governo que é um dos responsáveis da actual miséria imposta aos moçambicanos. Qualquer partido sério devia ter um emissário para acompanhar esse julgamento ademais é necessário que esse partido participe no debate político de forma informada. Mas viu-se a Renamo a distanciar-se do tal deputado. Mesmo que tenha ido a título individual, não cabe à Renamo vir distanciar-se ou apoiar pela irrelevância da matéria neste momento do campeonato.
Em uma única palavra. Torna-se urgente que a Renamo faça uma introspecção séria sobre os ideais que defende e como pretende os defendê-los. Já não dá continuar a fingir e a empurrar as coisas com a barriga acreditando que tudo se resolve sozinho. A Renamo precisa de ter uma agenda em concreta para apresentar. De uma Frelimo esgotada já não se espera mais do que se vê. Mas parece catastrófico que a Renamo também esteja esgotada e sem ideias concretas.
de Moçambique.


Editorial / Canal de Moçambique / CanalMoz / 13 de Fevereiro de 2019

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