Thursday, 20 April 2017

Corruptos continuam mais fortes que o Estado e servidores públicos não declaram rendimentos e bens




A Procuradora-Geral da República (PGR), Beatriz Buchili, apresentou, nesta quarta-feira (19), à Assembleia da República (AR), a informação anual sobre a justiça em Moçambique, a qual sugere, entre vários assuntos elencados, que a corrupção e o desvio de fundos do Estado, envolvendo os servidores públicos, titulares e membros de órgãos públicos, continua longe de ser estancada e dá-se muito poucos detalhes sobre os mecanismos de punição de quem a pratica. A oposição acredita que os guardiões da legalidade têm poder para travar a delapidação do erário, bem como resolver vários problemas que tornam a justiça precária, “mas não o faz” porque está acorrentado “ao poder político”. Aliás, dos 6.757 servidores públicos, titulares e membros de órgãos públicos sujeitos à declaração de bens, mais da metade ainda não o fez, o que pode ser compreendido como uma afronta à própria Procuradoria.
Para além disso, o relatório em questão não só arrola números, faz descrições e debruça sobre processos administrativos, como também, no lugar de apresentações soluções enérgicas, ressoa o coro lamentações sobre alguns assuntos candentes, a par do que o povo tem feito.
No capítulo atinente à “prevenção e combate à corrupção”, Beatriz Buchili disse que está preocupada com o que designou de “degradação da moral, ética e deontologia” social e que se traduziram “em actos de corrupção”.
Desta lamentação, pode-se concluir que o corruptos e aqueles que delapidam o erário continuam mais vigorosos que o Estado, daí, talvez, a dificuldade de detê-los. Contudo, os chamados “peixe-miúdo” são constantemente alvos da mão dura da justiça, enquanto os “tubarões” passeiam a classe.
Como consequência deste mal, em 2016, o Estado foi lesado em cerca de 459.215.968.95 meticais (...).
“Urge a aprovação de uma lei e criação de instituições vocacionadas para a recuperação e gestão de activos”, disse a procuradora, alegando que há “necessidade de aprovação de um novo Código de Processo Penal, pois o actual já não se mostra adequado à investigação da corrupção e da criminalidade económica-financeira”.
No período em alusão, a PGR levou a cabo uma série de acções de sensibilização dos servidores públicos e cidadãos para que se coibissem de cometer o mal a que nos referimos. Todavia, pessoas bem posicionadas na sociedade e no governo trouxeram à tona a sua ganância desmedida pelo dinheiro do Estado, tendo sacado e/ou se beneficiando de quantias elevadas.
Um dos casos que deixaram a sociedade boquiaberta diz respeito a um gestor sénior da empresa Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), que exigiu, a seu favor, 800 mil dólares norte-americanos como condição para que a firma que geria levasse avante um contrato de compra e venda de duas aeronaves da empresa de uma companhia brasileira, em 2008.
Beatriz Buchili no se referiu a nomes mas sabe-se que se trata de José Viegas, antigo presidente do conselho de administração das LAM, e a Mateus Zimba, antigo director da Petrolífera Sasol em Moçambique e Executivo Regional da General Electric Oil & Gás.
Sem se indicar nomes, nem a contornos processuais pormenorizados, a guardiã da legalidade referiu-se igualmente às trapacices perpetradas por Setina Titosse, ex-presidente do Conselho de Administração do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), que em Setembro último, foi presa após o Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) ter concluído que ela forjou projectos agro-pecuários, em conluio com outros cidadãos, também a contas com as autoridades, e autorizava o pagamento do seu vencimento fora dos preceitos impostos pelas normas em vigor na Aparelho do Estado.
Nesta falcatrua, de acordo com a Procuradoria, foram desviados 167.180.717.98 de meticais.
As artimanhas desta senhora, que se tornou um exemplo pragmático de que as mulheres tendem a “ombrear” com os homens na prática de actos lesivos ao Estado, consistiam igualmente em celebrar acordos prévios com proprietários de determinadas empresas contratadas pela instituição que dirigia, com o intuito tirar dividendos, conforme a acusação do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC).
A lista dos casos de corrupção e ainda sem desfecho é deveras extensa. Mas é necessário recordar que Beatriz Buchili chegou à PGR pela mão do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, em Julho de 2014. Foi entre 2011 e 2014, que a “Odebrecht”, num escândalo baptizado como “Lava - Jacto” no Brasil, construiu o Aeroporto de Nacala após ter pago subornos a funcionários públicos moçambicanos, no valor de aproximadamente 900 mil dólares norte-americanos, para conseguir contratos de edificação daquele majestoso empreendimento considerado um autêntico “elefante branco”.
Neste contexto, estranha-se que a procuradora tenha esquecido/omitido, no seu relatório, um caso que ainda carece, sobremaneira, de esclarecimento público.

O branqueamento de capitais, actos que envolveu 1.887.322.434.27 meticais, resultou na instauração de 16 processos – contra oito de 2015 – dos quais sete culminaram com acusação, igual numero encontram-se ainda e instrução e dois em renúncia de acusação.


Há poucos servidores públicos que declaram seus bens 


O informe da PGR deixou igualmente claro que a Probidade Pública continua ineficaz na prevenção e no combate à corrupção, bem como no refreamento do conflito de interesses.
Provado disso é que, segundo Beatriz Buchili, a declaração de bens, que deve ser actualizada anualmente, enquanto se os servidores públicos, titulares e membros dos órgãos públicos se mantiverem no cargo, bem como aquando da sua cessação do mesmo, cobre menos de 50% dos visados.
Até 31 de Dezembro de 2016, a Comissão de Recepção e Verificação de Declaração de Bens (CRV’s) apurou havia 6.757 servidores públicos, titulares e membros de órgãos públicos sujeitos à declaração de rendimentos e bens patrimoniais, contra 6.170 do período anterior.
“Deste universo, foram recebidas declarações correspondentes a 44%, sendo 912 iniciais, o que representa 30,6%, e 1.952 de actualização, o que corresponde a 65,6%, de cessação, o que representa 3,8%”, indica o informe.
Do total de 2.976 declarações recebidas, 2.239, correspondentes a 75,2%, foram apresentadas dentro do prazo e 737 (24,8%) fora do prazo. Em 2016, número de declarações recebidas reduziu, comparativamente ao ano anterior, em 607 (9,8%). A redução prende-se, entre outros, com o facto de, em 2015, ter havido alteração nos titulares e membros e dos órgãos do Estado.
A CRV’s da cidade de Maputo foi a que recebeu menor número, com 80 processos, contra 674 que deram entrada na PGR e 641 em Inhambane.
No ano em análise, “não procederam à declaração de rendimentos e bens patrimoniais 3.781 entidades que estão sujeitas à declaração de bens, o que corresponde a 56%” e omitiu-se a “informação que, em alguns casos”, forçou o Ministério Público para “proceder à respectiva fiscalização, avaliação e tomada de medidas, nos termos da lei”.
Segundo Beatriz Buchilli, para punir os que prevaricadores, estão em curso diligências junto do Ministério de Economia e Finanças com vista à sua responsabilização imediata. Algumas sanções compreendem o pagamento de multas e suspensão de remunerações (...).
Face às lacunas constadas, a guardiã da legalidade propõe a introdução de “alterações na Lei de Probidade Pública e a aprovação urgente do seu regulamento”. O documento para o efeito já foi submetido ao Parlamento.

O informe é igual aos anteriores

Angelina Enoque, deputada da bancada parlamentar da Renamo, considerou que a informação da PGR à AR não é diferente de tantos outros anteriores. A criminalidade, por exemplo, continua impune, sem acusados nem condenados.
Enquanto isso, a corrupção prevalece e os pessoas que a praticam continuam sem ser punição.
Aliás, relativamente ao escândalo nas LAM, a deputada disse que não percebe por que razão a PGR é lenta no esclarecimento de um caso que no Brasil já teve desfecho.
A PGR, na qualidade de guardiã da legalidade, acompanhou a discussão da conta gera do Estado, referente aos anos 2013 e 2014. Porém, agora, assistiu, impávida e serena o Governo a tentar incluir os valores das dívidas contraídas durante esse período, que coincide com o mandato do ex-Presidente da República, Armando Guebuza, na conta geral de 2014.
“Oficiosamente [a PGR] pode agir, mas não o faz”, porque, apesar de ser uma entidade “inteligente”, depende do poder político, o que dificulta “o exercício do seu papel de protector do património do Estado”.
“Vivemos num país de faz de contas, onde a justiça depende do poder político e o judiciário não é livre”, afirmou mandatária do povo, frisando que os moçambicanos vivem dias difíceis por conta das dívidas ocultas contraídas pelo Executivo. “O custo de vida aumentou em 100% (...). A responsabilização dos construtores da dívida está cada vez mais lenta”.
A auditoria à polémica dívida contraída sigilosamente “vai de adiamento em adiamento (...)” e a entrega do relatório que, quiçá, irá revelar o labirinto pelo qual o dinheiro foi drenado, com vista a serem sacadas responsabilidades, tarda. “O povo vai se sufocando. Serão estes adiamentos uma espera para a confirmação da inserção”, dessa dívida “na conta geral do Estado? (...)”.

Criminosos “sequestram a administração da justiça”

José de Sousa, deputado da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), disse que o informe é pobre e há que se repensar num formato que evite que os próximos informes sejam o que ele considerou como relatórios de “queixinhas e palestras (...). Este informe é uma cópia fiel das reclamações apresentadas nas esquadras de Polícia”.
A sociedade clama e reclama devido ao recrudescimento da violência doméstica, mas a PGR limita-se, no seu informe, a descrever a situação sem apresentar estratégias de combate.
“É um facto que o nosso país foi tomado pelo crime, e a Procuradoria, têm sido, o elo mais fraco da administração da justiça, perante o assalto as contas públicas, o roubo descarado a luz do dia, desvio de fundos públicos”, disse José de Sousa.
O MDM repudiou ainda o facto de o relatório de Beatriz Buchili não elencar nenhuma informação sobre o andamento e/ou esclarecimento dos processos relativos ao assassinado, diga-se bárbaro, do constitucionalista Gilles Cistac, do procurador Marcelino Vilanculos e do juiz Dinis Silica, por exemplo. Estes foram “executado pelo sindicato do crime, que sequestrou a administração da justiça”, de acordo com José de Sousa.
Relativamente à corrupção, o segundo maior partido da oposição entende os mentores deste mal não só perpetuam a miséria no país e “ridicularizaram o Estado”, como também “condenam milhares de crianças à morte, negaram saúde aos doentes, travam a construção de escolas e a criação de mais postos de empregos”.

A PGR podia ter feito mais

Para António Muchanga, do maior partido da oposição, muito pouco se faz para o combate à corrupção, por isso, ela continua a ganhar terreno. Há “falta de estratégias e procedimento” claros a tomar com vista a erradicar o mal. “O informe não satisfaz os anseios dos moçambicanos atentos (...). É um informe que serve apenas para entreter os distraídos”.
“Podia ter feito mais, e atribui a culpa a constrangimento de natureza financeira”, que em 2016 afectaram o seu sector, em particular, e o país, em geral, disse a jornalistas o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Flávio Menete.

É um relatório com mérito e profundo

Afonso Nimpero, deputado da bancada parlamentar da Frelimo, disse que o informe é meritório, pois na houve progressos em relação aos relatórios dos anos passados, na medida em que foram, por exemplo, admitidos mais magistrados afectos aos distritos.
Segundo Hermenegildo Infante, também do partido no poder e maioritário na AR, o relatório da guardiã da legalidade aprofundou os assuntos abordados, mas perante a falta de magistrados no país, é preciso formar profissionais deste ramo.
“Nós pensamos que é um relatório muito profundo porque traz uma abordagem geral sobre a justiça no país”, considerou Galiza Matos, parlamentar da Frelimo.




A Verdade

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