Monday, 13 March 2017

“Só reconsidero a minha posição se Daviz Simango assumir a culpa e pedir desculpas públicas”

Mahamudo Amurane sente-se sem apoio da liderança do partido e coloca o lugar à disposição como candidato em 2018




A crise que abala o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), partido político com oito anos de existência e que surgiu de desinteligências no seio da Renamo, designadamente entre Afonso Dhlakama e Daviz Simango, mormente quando aquele preteriu este último como candidato à sua própria sucessão a edil da Beira, nas eleições municipais de 2008, parece ser muito mais profunda do que se poderia apressadamente cogitar. O presidente do Conselho Municipal da Cidade de Nampula (CMCN), Mahamudo Amurane, por via de quem a crise ganhou contornos públicos – quando, há pouco mais de um mês, expôs, em conferência de imprensa, estar desavindo com grande parte dos seus pares em Nampula e com a própria liderança do partido –, anuiu, última sexta-feira, na urbe de que é mayor, falar ao “O País” sobre a situação, tendo sentenciado: “Só reconsidero a minha posição se Daviz Simango assumir culpa e pedir desculpas públicas”.
Amurane diz ter decidido condicionar a sua reconciliação com Daviz Simango (e, por essa via, também com o MDM) à assumpção pública de responsabilidades por parte do presidente do partido e consequente pedido de desculpas à sua pessoa, por a fase mais crítica de ‘linchamento político’ à sua pessoa ter decorrido em público, primeiro, em sede de um encontro decorrido em Nampula, entre Daviz Simango e parte significativa dos membros baseados naquele província, e, seguidamente, por via de expedientes como cartas, incluindo uma à Igreja Católica na terceira maior cidade do país.
“Olha que esse encontro decorreu das 09h00 às 21h00, lá para o fim do ano passado, sem intervalo para o almoço, sendo que, do princípio ao fim, fui alvo de actos claros de difamação por parte de quase todos os que usaram da palavra, ante o olhar cúmplice de Daviz Simango”, sublinha o edil de Nampula, que é também membro da Comissão Política do MDM.
Embora a ida, dessa vez, de Daviz Simango a Nampula, depois de insistentes pedidos nesse sentido do delegado político provincial e do próprio Amurane, fosse para reconstruir a harmonia no seio do partido, o nosso entrevistado entende que “a forma como ele conduziu o encontro visava tudo menos o objectivo reconciliatório que lhe tinha sido solicitado”.
A desarmonia político-organizacional a que Amurane se refere tinha, por um lado, os responsáveis políticos de Nampula de nível central, nomeadamente, os deputados Ossifo e Fernando Bismarque, e, por outro, Amurane e o próprio delegado político provincial, com os demais membros como “mero capim do teatro das operações”, num contexto em que as competências deste último se achavam “absolutamente usurpadas” pela dupla Ossifo/Bismarque, “que opera em perfeita sintonia com Daviz Simango”.
“Política não é para crianças”
“Nesse encontro que decorreu das 09h00 às 21h00, Daviz Simango concedeu-me palavra lá para o fim, muito perto das 21h00, para que me pronunciasse face às acusações descabidas que me eram dirigidas, segundo as quais ‘eu não era fiel ao MDM’, ‘eu estava muito bem com a Frelimo’, ‘eu andava a perseguir e expulsar trabalhadores do CMCN que fossem membros do MDM’ e por aí além. A forma como eu reagi surpreendeu a todos, incluindo o próprio presidente do partido”, frisa Amurane.
O edil da terceira cidade politicamente mais importante do país conta que a sua reacção se resumiu ao seguinte: “Expliquei que o que fora sobre ele dito durante todo o encontro só mostra que não possui apoio da esmagadora maioria dos seus pares no partido, ao nível da cidade de Nampula, pelo que era melhor que o partido iniciasse, de imediato, o processo visando a escolha de um candidato para as eleições autárquicas de 2018, pois ‘eu não mudarei’, ‘continuarei a defender os interesses do Estado, dos munícipes, ao mesmo tempo que continuarei a expurgar os corruptos e todos os que violam a lei e as regras’. E deixei claro que a pessoa que for escolhida como candidato, ou candidata, por eu ter até sugerido que se ponderasse numa mulher, teria todo o meu apoio. E sugeri que, para que o partido não se visse enfraquecido, tudo o que foi abordado no encontro se limitasse à dimensão estritamente interna”.
Amurane refere que, fazendo uso da palavra depois da sua intervenção, Daviz Simango limitou-se, num tom de grande desprezo, a dizer que “‘a política não é para crianças; crianças não fazem política’. E assim terminou o encontro, tendo cada um partido para a sua casa ou para onde estava hospedado, pois já estávamos muito perto das 22h00”.
No dia seguinte, partiu-se para a cidade de Nacala-porto – para algumas pessoas a quinta mais importante sob o ponto de vista político, depois de Maputo, Beira, Nampula e Quelimane –, onde estava programado “trabalho político de rotina”, sob a superintendência de Daviz Simango. Mahamudo Amurane também fez parte da comitiva.
Notas do primeiro desencontro político entre Daviz e Amurane
Antes mesmo da desarmonia no seio do MDM em Nampula, que agora evoluiu para a dimensão de crise interna de âmbito nacional, terá havido, em sede de um encontro da Comissão Política daquela que é a “terceira força” no xadrez político doméstico, controlando três das cinco cidades politicamente mais importantes, um ‘desencontro político’ entre Daviz Simango e Mahamudo Amurane, designadamente em torno do que deve(ria) ser a posição do MDM quanto à forma de eleição de governadores provinciais.
Em Setembro/Outubro de 2016, a Comissão Política do MDM reuniu-se em Mumemo, no distrito de Marracuene, província de Maputo, com o objectivo cimeiro de elaborar propostas concretas de revisão constitucional, sendo que, em quase tudo, o consenso à partida era nota dominante, menos num ponto: eleição de governadores provinciais.
Nessa reunião da Comissão Política, ao que se seguiu o ‘encontro de quadros’, Daviz Simango fez saber que a posição do MDM era no sentido de a eleição ser indirecta. Ou seja, concorrem partidos apenas, sendo a estes que os eleitores votam, sendo que, na primeira sessão da Assembleia Provincial, se cuidaria de eleger o governador provincial, que, por maioria de razão, seria o do partido que tivesse maioria naquele órgão. Estar-se-ia, pois, em presença de uma eleição indirecta e não directa.
No seio dos integrantes da Comissão Política do MDM, manifestou-se, de imediato, apoio à modalidade adoptada, até que Mahamudo Amurane pediu a palavra, para dizer que não apoiava aquela forma de eleição dos governadores provinciais. Referiu que, para que os governadores provinciais tivessem maior legitimidade política, era “de longe melhor” que os mesmos fossem directamente eleitos, daí que recomendava o partido a considerar outra via (a da eleição directa).
Nenhum dos membros da Comissão Política do MDM apoiou o posicionamento de Amurane. Todos apoiaram a posição apresentada pelo presidente do partido, sendo certo que alguns o fizeram por via do silêncio. Luís Boavida, secretário-geral (SG) do MDM, usou da palavra para “dar substância” à modalidade avançada por Daviz Simango: “Por via da eleição indirecta, vamos ter, como partido, maior controlo sobre os governadores nas províncias em que ganharmos, diferentemente do que acontece agora nalguns municípios, em que o partido perdeu controlo”.
Amurane insistiu, aparentemente sozinho, na defesa de um modelo que adoptasse a eleição directa, com os demais a subscreverem a posição já avançada por Daviz Simango, sendo que alguns o faziam expressamente e outros de forma implícita. Seguidamente, partiu-se para um intervalo.
Durante o intervalo, Amurane abordou alguns pares seus na Comissão Política, designadamente, Venâncio Mondlane, Maria Moreno e Linete Olofson, tendo os dito que, pelas suas responsabilidades públicas e enquanto intelectuais, era suposto que se posicionassem e explicassem qual era a essência do que defendiam. Os três terão referido que, diferentemente do que Daviz Simango apresentou como posicionamento do partido (eleição indirecta), apoiam um modelo que privilegie a eleição directa.
No regresso do intervalo, antes de se avançar com o programa, Amurane pediu um ponto de ordem, mormente para reiterar o seu posicionamento e para solicitar ao presidente do partido que a discussão continuasse, uma vez que ainda não se achava esgotado o cerne da questão. Foi aí que Mondlane, Moreno e Olofson “ganharam coragem” e usaram da palavra, basicamente para defender que eram pela eleição directa.
O ambiente terá azedado de forma profunda, já com ‘duas alas’. Luís Boavida terá reiterado o seu apoio à eleição indirecta, supostamente para que o partido jamais perdesse controlo. No âmago das discussões, Lutero Simango, chefe da bancada do MDM na Assembleia da República e irmão mais velho do presidente do MDM, pediu a palavra, tendo, num tom diplomático e reconciliatório, precisado que era melhor que se parasse com as discussões e se adoptasse o modelo de eleição directa.
Daviz Simango acabou cedendo, abandonando, assim, a sua pretensão de o MDM defender a eleição indirecta. A terminar o encontro da Comissão Política, precisou, um pouco a brincar: “Noto que já temos candidatos a governadores provinciais”. Já no início da ‘Reunião de Quadros’, Daviz Simango retomou a mesma ‘brincadeira’ – “Noto que já temos candidatos a governadores provinciais” –, tendo Mahamudo Amurane, também a ‘brincar’, dito que se assumia como candidato à governador da província de Nampula.
Outro aspecto que pode ter colocado Amurane em rota de colisão com a liderança do partido tem que ver com o facto de o edil de Nampula ter declinado obedecer à “orientação superior” no sentido de construir a sede do MDM naquela cidade. Aliás, na conversa que connosco manteve, Amurane referiu ter recebido essa solicitação, que, para ele, não tinha como ser procedente. “Expliquei que não tenho como construir um edifício de um partido político, uma entidade privada, com fundos públicos. Não podemos pretender fazer o que dizemos combater”, enfatizou.
Tentativas de reconciliação
Duas semanas depois da incendiária conferência de imprensa de Mahamudo Amurane, a Comissão Política do MDM reuniu-se, em Nampula, com a preparação do próximo congresso do partido no topo da agenda. Amurane ‘gazetou’, não tendo, inclusive, ido ao Aeroporto Internacional de Nampula receber Daviz Simango. Em declarações à imprensa, os porta-vozes do partido referiram que a conferência de imprensa de Amurane não tinha sido objecto de discussão. Sobre a ausência daquele no encontro, foi dito que nada se sabia sobre as razões.
Amurane contou ao “O País” que Daviz Simango enviou “várias pessoas” a Nampula para o convencer a reconciliar-se com o partido, sendo uma delas Manuel de Araújo, presidente do Conselho Municipal da Cidade de Quelimane. A todos, Amurane tem-se mostrado irredutível, avançando uma única saída para o efeito: “Só reconsidero a minha posição se Daviz Simango assumir culpa e pedir desculpas públicas. Sem isso, continuarei concentrado no cumprimento do meu programa governativo, trabalhando para o desenvolvimento do município de Nampula”.
Outra personalidade que se tem empenhado no convencimento a Amurane é Lutero Simango, chefe da bancada do MDM na Assembleia da República e irmão mais velho de Daviz Simango. “Ele já conversou comigo ao telefone, por três vezes, eu sempre a reiterar o que exijo para que possa reconsiderar o meu posicionamento. E tem estado até a insistir nos contactos à minha pessoa, estando eu ocupado. Mas sem o que exijo, nada feito”, segredou-nos Amurane.
“Olha que a agenda de difamação não visava dispensar-me do partido, mas apenas me enfraquecer e tornar-me uma espécie de ‘cavalo de batalha’. Mas, antecipadamente, enxerguei isso e, quando menos esperavam, pus-me na dianteira, expondo a intentona de me tornar escravo. Não podemos construir um país digno com dirigentes escravos. Eu não compactuo com essa jogatina”, desabafa o edil de Nampula.
E se o desentendimento não for ultrapassado, que planos tem para o futuro? Perguntámos a Amurane, ao que respondeu: “Estou concentrado no cumprimento do meu plano de governação e não no futuro. Até porque, como bem sabes, o futuro a Deus pertence”.
Daviz Simango recusa companhia de Amurane
Depois que se regressou à cidade de Nampula, Amurane afirma ter dito ao presidente do MDM que iria, no dia seguinte, buscá-lo ao hotel, para o acompanhar ao aeroporto. “Ele disse que não deveria ir buscá-lo, pois eu tinha muito trabalho por fazer. Mesmo assim, no dia seguinte, fui ao hotel para o levar ao aeroporto. Ele reiterou que dispensava a minha companhia, pois eu tinha muito trabalho”, abre-se Amurane, para depois ajuntar: “No programa da visita do presidente (Daviz Simango) a Nampula, estava previsto que, no fim, mantivesse um encontro de balanço comigo. Mas isso não foi observado”.
Amurane conta que, algumas semanas depois, viajou para o Brasil, a trabalho, após o que rumou, já de férias, para Portugal, país no qual vivem os seus filhos, que lá frequentam cursos universitários. Conta que, durante a sua ausência, “as acções difamatórias à minha pessoa continuaram, desta vez até com cartas dirigidas à Igreja Católica, nas quais se dizia, de entre outros, que eu era um falso católico, que na verdade eu era muçulmano e que estava sempre nas mesquitas. Além disso, andou por aí um artigo, de um pseudo-analista, supostamente de fora do país, a dizer que eu era um infiltrado”.

O edil de Nampula e membro da Comissão Política do MDM diz que, em face de todas essas situações - que além de o “lincharem politicamente”, também se traduziam em “claras situações de difamação” - não lhe restava mais nada senão ele próprio defender-se publicamente, “reafirmando que continuaria implacável aos corruptos, que continuaria concentrado na gestão da cidade de Nampula com base no programa sufragado pelos munícipes e que expurgaria todos os corruptos da sua equipa, levando-os à justiça, para efeitos de responsabilização”.




O País

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