Wednesday, 15 March 2017

Democracia e eleições: Que futuro?


Enquanto os dois maiores partidos políticos do país se mantêm concentrados sobre como melhor partilhar o poder, não resta tempo para o país dedicar algum tempo sobre outras questões não tão menos importantes.
Mantém-se o silêncio sobre o sistema de gestão de eleições, mesmo que tenham sido eleições abaixo da perfeição a principal razão para a disputa política que se instalou depois de 2014.
Isto implicará que só nas vésperas das próximas eleições alguém irá se recordar da necessidade de se olhar para o assunto e, nessa altura, já com o tempo apertado, lá se farão, mais uma vez às pressas, algumas emendas à actual lei eleitoral.
Um dos problemas com que a tentativa de democratização do sistema político em Moçambique se tem confrontado é muitas vezes a ausência de credibilidade sobre os processos através dos quais é suposto conferir legitimidade a quem deve assumir o poder de condução dos assuntos do Estado.
Esta ausência de credibilidade surge como consequência da crença, por parte dos dois principais partidos políticos, de que qualquer um deles tem o direito legítimo de ascender ao poder sem que seja pela via de um sistema verdadeiramente democrático, em que os eleitores, de forma livre tomam essa decisão. Ambos acreditam que o poder lhes pertence.
Assim sendo, as eleições são uma mera formalidade que deve ser cumprida simplesmente para que a comunidade internacional que suporta
a sobrevivência do país se certifique de que prevalece em Moçambique qualquer coisa que se assemelhe a um sistema democrático.
O objectivo principal não é permitir que os eleitores, exercendo o seu direito de forma livre, sejam, de facto, o factor determinante na tomada de decisão sobre a quem deve recair a responsabilidade de dirigir o Estado.
Todos os modelos de gestão eleitoral experimentados em Moçambique foram exorbitantemente dispendiosos, de uma eficácia limitada, e como tal um fracasso. A última experiência de paridade só serviu para complicar ainda mais o processo, com muita confusão que resulta em que na ocorrência de erros, se torne quase impossível determinar o ponto de partida.
As desconfianças políticas que teimam em prevalecer quase 23 anos depois da realização das primeiras eleições multipartidárias concorrem para que ainda não seja possível o estabelecimento de um sistema de gestão eleitoral profissionalizado, linear e célere na tomada de decisões. Seria desejável a eliminação da duplicidade que se verifica na administração de eleições em Moçambique, criando-se um único órgão de supervisão, tendo sob sua alçada um corpo técnico e operacional responsável pela logística. Ou seja, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) deve ser abolido, e as suas funções, com um director-geral de eleições à cabeça, incorporadas na Comissão Nacional de Eleições (CNE), esta que não deve ter mais do que cinco ou sete membros.
A CNE deve ser um órgão verdadeiramente independente, com um orçamento próprio votado pela Assembleia da República, e dirigida por um magistrado de competência e idoneidade reconhecidas.
O Governo (na sua componente executiva) deve ter cada vez menos envolvimento na gestão de eleições. Não pode haver eleições transparentes se o Governo do dia, que é obviamente parte interessada, tiver algum papel que lhe confere vantagens no processo.
O sistema de adjudicação de contenciosos eleitorais deve ser tornado mais flexível e realisticamente ao alcance dos intervenientes. No seu estado actual ele continua enfadonho e ineficaz. Legítimas reclamações de partidos políticos ou de candidatos deixam de ser resolvidas porque em muitos casos os queixosos não dispõem dos meios que lhes permitem apresentar as suas reivindicações nas complexas condições que são impostas pela lei.
A polícia de choque deve ser impedida, por lei, de qualquer envolvimento em matéria eleitoral. Deve se dar maior robustez à polícia de protecção para que seja esta o garante da segurança nos postos de votação, contrariando o actual cenário em que lugares de exercício de um direito cívico são por vezes transformados em autênticos teatros de guerra, de onde urnas contendo boletins de voto são transportados para esquadras da polícia, e onde fiscais em cumprimento de suas actividades legítimas são obrigados a abandonar para permitir que a fraude se consuma com total impunidade.


( Editorial, Savana de 10-03-2017 )

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