Monday, 13 June 2016

Como dispersar o risco de se expor ao ridículo

 Uma pequena, mas não de todo menos significativa vitória no processo de construção do Estado democrático em Moçambique foi o que aconteceu esta semana, quando contra a vontade do partido que o sustenta, o governo foi obrigado a ir à Assembleia da República e prestar esclarecimentos sobre o que entre nós já se convencionou chamar de dívida oculta.
Pena que tenha sido mais tarde do que poderia ter sido se os apelos da oposição tivessem sido levados a sério, mas de qualquer modo importante que o governo se tenha disponibilizado, mesmo que isso tenha custado ao Estado mais 14 milhões de Meticais que neste período de dificuldades económicas poderiam ter sido poupados. O custo adicional é resultante do facto de a Assembleia da República ter sido obrigada a convocar uma sessão extraordinária para analisar uma questão que poderia ter sido tratada durante a última sessão ordinária.
A ida do governo ao parlamento terá, em certa medida, ajudado a estabelecer o ambiente de confiança que deve caracterizar as relações entre o executivo e o público e, por outro lado, resgatado o papel dos legisladores como verdadeiros fiscalizadores do executivo. Mas logo depois do governo ter apresentado o seu caso através do Primeiro-ministro Carlos Agostinho do Rosário e do Ministro da Economia e Finanças Adriano Maleiane, que os discursos dos deputados, pelo menos os da bancada maioritária, denunciaram algumas nuances sobre a delicadeza do assunto em debate.
É que ao mesmo tempo que justificavam as razões que levaram o governo a não solicitar autorização parlamentar para a contracção das dívidas, o que se ficou a saber por razões de segurança, iam também dizendo que o assunto estava a ser investigado ao nível da Procuradoria Geral da República (PGR). E à semelhança dos seus pares da oposição, defendiam a necessidade de criação de uma comissão parlamentar de inquérito.
Aliás, a questão da necessidade de se criar uma comissão parlamentar de inquérito foi o único ponto em que as três bancadas demonstraram certa unanimidade. Mesmo que seja por razões diferentes; para uns, como parte de uma estratégia genuína de se chegar ao âmago da questão, mas para outros, apenas para ganhar tempo.
Esta é a conclusão a que se chega quando alguém tenta explicar o que terá sido feito com o dinheiro das dívidas, mas ao mesmo sugerir que se constitua uma comissão de inquérito para se explicar o que se supõe que já tenha sido explicado. Ou quando sugere que a PGR está a trabalhar no assunto.
O mais bizarro de todos foi o deputado Damião José, da Frelimo. Não devemos ter vergonha da dívida, disse ele. Contrair dívidas é o que fazem todos os países. A dívida não mata.
O ponto de que ele se esqueceu é que este debate todo não teria lugar se a própria instituição que ele representa, o parlamento, tivesse tido a oportunidade de se pronunciar para que a dívida fosse contraída.
E mais. A dívida não mata, é verdade, mas quando um país se torna sufocado pela dívida significa que esse mesmo país fica com uma capacidade reduzida de investir em outras áreas importantes como a saúde. E aí sim, a dívida mata.
O problema da dívida não é se a temos ou não. Reside na nossa
capacidade de pagar aos credores dentro do período prévia e mutuamente acordado. Ou seja, se um país deve 17 triliões de dólares, que é de longe muito mais do que a dívida de Moçambique, a questão que se coloca é se o governo desse país foi autorizado a contrair tal dívida, e se a consegue pagar. A melhor forma de um deputado evitar expor-se ao ridículo é ficar calado. De resto, com 144 deputados, a sua bancada tem melhores condições de dispersar o risco.

Editorial, Savana 10-06-2016

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