Monday, 8 February 2016

Os refugiados malditos

 
Diariamente chegam ao campo de Kapise, no Malawi, centenas de homens e mulheres exaustas e segurando crianças apáticas e exauridas. Mais de metade dos refugiados são crianças. Caminham dia e noite das aldeias da província de Tete, trazendo apenas a roupa do corpo.
Chegam desesperados e vulneráveis, fugindo do conflito político- -militar que lavra na região de Tete, sobretudo, no distrito de Tsangano e parte norte de Moatize. As cenas de sofrimento humano, que volta e meia vão gerando um debate emotivo e politicamente carregado, são bem documentadas pelo nosso jornal, na longa e exaustiva reportagem do nosso colaborador André Catueira, que publicamos nesta edição.
Os primeiros nacionais, provenientes de Tete, chegaram a Kapise, em Junho de 2015. Contudo a agência da ONU para os refugiados, o ACNUR, faz notar que o fluxo de refugiados tem vindo a crescer e prevê que o número possa aumentar de 3500 para 5000 nos próximos dias, ultrapassando a capacidade dos centros de acolhimento. É simplesmente assustador e arrepiante.
Mas estamos perante refugiados de guerra ou simples emigrantes? A partir de Addis Abeba (Etiópia), onde participava em mais uma cimeira da União Africana, o Presidente Filipe Nyusi, atabalhoadamente, tentou dissipar equívocos e afastar fantasmas. Colocou em causa a autenticidade dos refugiados, quando questionado sobre informações postas a circular sobre a presença de moçambicanos em campos de acolhimento precários no vizinho Malawi. Disse que o assunto deveria merecer uma abordagem mais ampla e minuciosa.
Socorreu-se da geografia e da história. Precisou que a linha de fronteira entre Moçambique e Malawi não é clara em determinadas regiões e que muitos cidadãos assumem a nacionalidade moçambicana ou malawiana em função das suas conveniências de momento. Nyusi prosseguiu. Afirmou que o mais alto representante diplomático de Moçambique no Malawi está a acompanhar a evolução dos acontecimentos, “porque não queremos ter o problema de chamar de refugiados a um movimento migratório que é regular”. Disse ainda, que existe um movimento ao longo da fronteira que é desencadeado por uma série de factores, tais como seca e distribuição de fertilizantes.
Mas o que dizem as Nações Unidas? Um emigrante é aquele que busca condições melhores de vida noutro país, enquanto que um refugiado é alguém que foge de perseguição, conflito ou guerra. Quanto a nós, é simplesmente falso falar de emigrantes moçambicanos em Kapise, enquanto há um claro conflito político-militar em curso no país, que está a atingir níveis preocupantes em Tete.
Claro que reconhecer a existência de refugiados é embaraçoso para o Governo. É tão embaraçoso como reconhecer que lavra um conflito de baixa intensidade em Gaza, em Inhambane, em Sofala, na Zambézia e em Tete com mortes frequentes escondidas do público devido a razões políticas.
Nestas circunstâncias, os moçambicanos dos campos do Malawi são um embaraço para o governo e por isso são, para já, tratados como um mero expediente político. Bem sabemos que, cinicamente, o governo gostaria que o foco das atenções fossem as populações afectadas pela seca no sul do país, para ver se acorrem ao país as tradicionais ajudas internacionais e para depois, no fim do ano, se justificarem incumprimentos de programas e metas por culpa da falta de chuva ou precipitação pluviométrica a mais.
Pessoas que fogem de um conflito merecem apoios e quando os apelidamos de emigrantes e não refugiados, estamos a desprovê-los e privá-los de apoios que merecem. Do nosso ponto de vista é simples e evidente: estamos perante refugiados de guerra que precisam de uma abordagem diferente e séria.
Apesar das excepções já registadas, as organizações humanitárias, de direitos humanos, nacionais e internacionais, a comunidade dos países e os organismos das Nações Unidas por pressão, ou por “solidariedade” com o governo de Moçambique não podem continuar a ignorar que há milhares de moçambicanos em situação de necessidade do outro lado da fronteira com o Malawi.
O país Moçambique, os seus governantes, a sua sociedade civil não lhes podem virar as costas.
Como parece estar a acontecer actualmente.
Editorial, Savana 05-02-2016

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