Wednesday, 2 September 2015

“Queremos que o tribunal diga aos moçambicanos e ao mundo em que país é que nós vivemos”, numa Democracia ou numa Ditadura









 Liberdade de Expressão e de Imprensa em Moçambique começou a ser julgada nesta segunda-feira (31), no Tribunal Judicial do Distrito de Kampfumo, na cidade de Maputo. Contrariando vários juristas, organizações da Sociedade Civil e até a Amnistia Internacional, que apelaram para o arquivamento do processo que o Estado move contra o cidadão Carlos Nuno Castel-Branco, o advogado de defesa afirmou que “os réus querem provar que nenhum crime cometeram” e enfatizou que em julgamento está a “fronteira que é preciso traçar, entre vivermos num país em democracia, vivermos num país onde os direitos dos cidadãos e as suas opiniões são respeitados, ou vivemos num ditadura,(...) onde as pessoas vivem amordaçadas e não podem exprimir as suas opiniões”.
“(...) Nós concluímos que queríamos vir a julgamento. Porque é diferente os réus serem mandados embora porque uma excepção, ou uma questão prévia põe fim ao processo, do que ser julgado e ser absolvido porque nenhum crime foi cometido. É essa a nossa convicção”, começou por declarar nas suas alegações finais o advogado do réu Carlos Nuno Castel-Branco acrescentando ainda que o “réu não invocou a Lei da Amnistia, o réu não quer ser amnistiado porque amnistia significa aceitar que se cometeu o crime e que depois, por uma ficção legal, os efeitos desse crime não são tidos em conta”.
Segundo João Carlos Trindade, os réus querem provar a sua inocência e que nenhum crime contra a Segurança do Estado, como alega o Ministério Público, foi cometido. “O único "crime" que cometeram foi exprimir a sua opinião, foi exprimir a sua indignação para com a forma como este país estava a ser governado. E isso é um direito que a Constituição e todas os instrumentos de direito internacional garantem aos cidadãos; por isso, Meritíssimos senhores juízes eleitos, aquilo que está aqui em jogo não é o que disse o Ministério Público, não está aqui em jogo a forma como o réu usou as palavras para exprimir a sua opinião, não é isso que está em jogo. O que está em jogo neste processo é uma fronteira que é preciso traçar, entre vivermos num país em democracia, vivermos num país onde os direitos dos cidadãos e as suas opiniões são respeitadas, ou vivemos numa ditadura, vivemos num país onde as liberdades são coarctadas, onde as pessoas vivem amordaçadas e não podem exprimir as suas opiniões. Essa é que é a verdadeira linha que separa e que vai determinar a decisão deste tribunal.”
Trindade, que já foi juiz do Tribunal Supremo, fez questão de recordar ao juiz presidente do Tribunal Judicial do Distrito de Kampfumo, João Guilherme, assim como aos juízes eleitos Amélia Fumo e Ernesto Miuquessene, que o Judiciário é um poder do Estado que “fiscaliza e que faz a aplicação das leis aos casos concretos e cujas decisões prevalecem sobre as demais autoridades”.
“Por isso nós queremos que o tribunal, um órgão de soberania deste país, diga aos moçambicanos e ao mundo em que país é que nós vivemos”, exigiu o advogado de Castel-Branco que ainda desafiou o Tribunal a aplicar a Lei Mãe neste julgamento: “A Constituição é um instrumento bonito e encadernado para ficar nas estantes ou é algo que é vivo e tem que ser aplicado?”.




“Ele (Armando Guebuza) mandou-me para a universidade”




Esta sessão de julgamento ficou também marcada pelo relato emocionado do réu sobre as motivações que o levaram a fazer o post na rede social Facebook em Novembro de 2012.
Anteriormente, Carlos Nuno Castel-Branco contou ter conhecido o antigo Presidente de Moçambique em 1977, “quando eu entrei para as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM). Ele era na altura comissário político nacional das FPLM e eu fui incorporado nas Forças e depois fui chamado a trabalhar no comissariado político como jornalista. (...) Durante o tempo em que eu estive no comissariado político nacional entre outras actividades também fui chamado muitas vezes a escrever os discursos do comissário político nacional, o Tenente General Armando Emílio Guebuza”.
Castel-Branco acredita que se o jovem político Guebuza lhe confiava a redacção de alguns dos seus discursos era porque havia alguma confiança até porque foi por incentivo deste que ingressou na universidade, tornando-se no académico que é hoje. “Em 1980 o comissário político nacional (Armando Guebuza) chamou-me e mandou-me estudar na universidade porque, disse ele, o país precisava de jovens revolucionários com potencialidade para poderem estudar e assumir as novas tarefas do país”.




“Eu permaneci com os meus ideais revolucionários, ele(Armando Guebuza) não”




Porém, quando questionado sobre como esta identidade revolucionária se perdeu o réu usou as palavras do antigo ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, que depois de sair do Governo justificou-se desta forma: “Eu não mudei, o barco é que mudou de rumo”.
“(…) Eu com o Presidente Guebuza, quando ele era comissário político nacional, aprendi o Marxismo-Leninismo, aprendi sobre o socialismo” entretanto o académico começou a emocionar-se ao lembrar-se do período da revolução. Com a voz embargada e com lágrimas nos olhos Castel-Branco acrescentou: “aprendi os valores da revolução, aprendi a superioridades dos sistemas sociais que servem os povos e que estão ao serviço do desenvolvimento dos povos. Aprendi isso com ele, aprendi isso com Samora, aprendi isso com Marcelino, aprendi isso com o povo moçambicano. Quando esses princípios são violados eu tenho duas opções: ou me mantenho no barco ou violo-os”.

Visivelmente emocionado, o economista, prestigiado nacional e internacionalmente, pegou na garrafa com a água que bebia e leu no rótulo uma conhecida frase do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel: “Não façamos da tarefa recebida um privilégio e um meio de acumulação. Quem disse isso? A minha opção está clara”.
O juiz João Guilherme acalmou o réu, que na altura estava a ser inquirido pelo seu advogado que procurava esclarecer se a motivação do post que fez para os seus amigos na rede social Facebook seria a de “enxovalhar a honra do Presidente”.
“Eu não tenho nenhum assunto pessoal ou particular com o cidadão Armando Emílio Guebuza, com quem eu não privo”. Ainda emocionado, Castel-Branco explicou que pessoalmente não tem nem nunca teve nenhum conflito com o antigo Chefe de Estado; contudo, enquanto ele permaneceu com os seus ideais revolucionários, com os seus ideais socialistas e com os seus ideais comunistas, Armando Guebuza, por sua vez, tornou-se um capitalista; por isso, o réu achou “que seria não só meu direito mas seria minha obrigação, como cidadão deste país, manifestar o que é que eu penso, o que é a minha opinião sobre o que estava acontecer com a governação”.



Fernando Veloso vai ser julgado em processo autónomo




Seguiu-se a audição do réu Fernando Mbanze, acusado pelo Ministério Público de abuso da Liberdade de Imprensa por publicar o post no jornal MediaFAX, sabendo que o texto atentava, alegadamente, contra a honra e o bom nome do ex-Presidente Guebuza.
Mbanze esclareceu que a relevância da publicação deveu-se ao interesse público do texto que reflectia sobre os temais que na altura eram actuais como a situação de guerra entre forças governamentais e do partido Renamo, ou o pico da onda de raptos na cidade de Maputo e na Beira.
O editor do MediaFAX explicou ainda que a idoneidade de quem havia escrito o post também pesou na decisão de o publicar, após consultar o autor que não foi favorável ou contrário ao seu uso, deixando a decisão ao critério dos jornalistas da Mediacoop que não encontraram nada de calunioso ou difamatório e, por isso, o publicaram.
O réu Fernando Veloso, editor do jornal Canal de Moçambique não esteve presente nesta audiência, por se encontrar em tratamento médico fora do país. A Procuradora Sheila Matavele explicou que, devido à impossibilidade de notificar este réu, “o Ministério Público exarou um despacho onde mandou extrair cópias dos autos para se instaurar um processo autónomo”.




“Ele (Castel-Branco) escreveu o que muitos de nós sentimos e que não podemos dizer”




João Carlos Trindade arrolou quatro testemunhas para corroborarem a veracidade dos factos constantes na publicação do réu, tal como manifestarem a sua opinião sobre a existência ou não de difamação ao antigo Chefe de Estado.
Abdul Carimo Issa, membro do partido Frelimo, jurista, antigo magistrado, ex-deputado e membro da sociedade civil, recorda-se de que nos primeiros anos da revolução um dos princípios fundamentais era “unidade, crítica, unidade” e para ele este texto é de alguém que acredita nesse princípio, pelo que “para sermos mais unidos é preciso criticarmos, é preciso respeitarmos as ideias uns dos outros”.
João Carrilho, também membro do partido no poder, engenheiro e antigo governante, afirmou que Castel-Branco é um patriota e que “se há uma coisa que ele não gosta é que se ponha em causa o país”.
“Eu quando li o texto admirei a coragem que o Dr. Castel-Branco teve e pensei que ele escreveu o que muitos de nós sentem e que não podem dizer por várias razões” declarou Teresinha da Silva, reformada do Estado e activista de Direitos Humanos.
O também académico, José Jaime Macuane, testemunhou afirmando não concordar na íntegra com o post mas que se reviu na sua essencial e considerou o texto “um desabafo”.
Depois, dois jornalistas, Francisco Chirindza e Armando Nenane, testemunharam a favor de Fernando Mbanze e, sem interrupção, o julgamento seguiu para as alegações finais.




“O interesse público não se confunde com o interesse do público”




Como seria de esperar, o Ministério Público pediu a condenação dos réus. “Liberdade de Expressão e opinião não é um direito absoluto, ele encontra limites noutros direitos igualmente legitimados e constitucionalmente protegidos, razão por que deve ser exercido com grande ponderação cívica e com respeito das pessoas sobre as quais recai a opinião emitida”, começou por argumentar a Procuradora Sheila Matavele.

“Na verdade, tais acusações e afirmações extravasam os limites toleráveis no exercício do direito à Liberdade de Expressão e de opinião e consubstanciam a prática do crime de difamação. (…) No caso em análise, o réu usou a escrita e ao escrever o referido post teve tempo suficiente para escolher as palavras que pretendia usar e fazer um exame das palavras e não ignorava o conteúdo ofensivo das mesmas”, acrescentou a representante do Ministério Público que entende ainda que o que está em causa é “a forma que o réu usou para poder exprimir essa sua opinião sobre a forma de governação do Presidente da República na altura”.
Relativamente ao réu Fernando Mbanze a Procuradora Sheila Matavele afirmou que “o interesse público não se confunde com o interesse do público em possuir mais ampla informação sobre o tema. Na verdade o interesse do público não conhece qualquer limite representando quase sempre a expressão de uma insatisfeita curiosidade que explica a existência de um amplo sector da Imprensa dedicada precisamente à concretização desse interesse mas não justifica penalmente a conduta no caso de lesões típicas da honra ou consideração de uma pessoa por muito grande que seja o interesse do público naquela informação”.
“O réu, ao publicar o referido texto, mesmo não sendo da sua autoria, tinha conhecimento perfeito que o mesmo imputava factos e princípios à honra e consideração do Presidente, pôde obstar à publicação do mesmo mas não o fez nem mesmo censurar e publicou o texto na sua íntegra”; por isso, o Ministério Público entendeu estarem reunidos os elementos da prática do crime e requereu que ambos sejam condenados nas penas previstas”.




“Nunca em momento algum Sua Excelência o ex-Presidente foi ouvido”




Naturalmente o entendimento da defesa é divergente. “O que foi produzido nesta audiência que possa levar à condenação dos réus? Nada. Absolutamente nada. O que aqui foi trazido pelo Ministério Público é a sua interpretação de que dizer ao Chefe de Estado "você está fora de controlo" é uma coisa que atinge a honra dele; portanto, é um problema de palavras”, afirmou ainda João Carlos Trindade nas suas alegações e pediu, obviamente, a absolvição do réu Carlos Nuno Castel-Branco.
Já o advogado de defesa do editor do MediaFAX lembrou que para um político, agindo na qualidade de figura pública, os “limites da crítica são muito mais alargados do que aqueles limites quando referentes a um particular anónimo. Inevitavelmente e de forma consciente um político expõe-se a um controlo atento, mais apertado dos seus actos, quer por parte dos jornalistas, quer por parte da massa abstracta e indeterminada dos cidadãos que constituem o povo (...)”
O advogado Álvaro Bastos argumentou ainda afirmando que o Ministério Público sustentou a acusação “sob o ponto de vista de imputar a responsabilidade criminal dentro de um crime particular, à pessoa do particular cidadão Armando Emílio Guebuza, e depois na sua vertente pública a Sua Excelência o Presidente da República, na altura”.
O defensor de Mbanze chamou a atenção para o facto de “nunca em momento algum Sua Excelência o ex-Presidente foi ouvido relativamente ao teor do texto que estava aqui a ser colocado em causa” e explicou a relevância no facto de “se é relativamente ao particular há naturalmente uma omissão nítida de formalidade processuais porque o próprio não produziu nenhuma acusação nem tomou posição sobre o conteúdo desse texto, e sob essa matéria não pode um terceiro, neste caso o Ministério Público, vir dizer que aquelas expressões são atentatórias à honra de alguém que não se manifestou (publicamente).”



A Verdade

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