“Estamos a viver um contexto bastante conturbado desde o início desta década, que se agravou a partir de 2012, e é um contexto conturbado tanto do ponto de vista de economia, da sociedade mas também num contexto bastante conturbado em termos políticos”, a afirmação é de Luís de Brito e foi feita no lançamento do sexto livro, pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), de reflexão e debate sobre o presente e futuro de Moçambique. A publicação revela um novo (e também antigo) desafio tão importante como a paz e a economia: os moçambicanos precisam de reduzir o número de filhos que têm e o Governo deve investir mais em melhor educação e saúde de qualidade sob pena de o crescimento económico que o país regista continuar a não ter impacto na redução da pobreza.
Somos mais de 25 milhões e não paramos de crescer, projecta-se que em 2040 seremos cerca de 50 milhões de moçambicanos. Um dos problemas que temos é que metade desta população tem menos de 15 anos ou mais de 64 anos de idade. Por outras palavras, é uma população que não trabalha, depende da outra metade para a sua sobrevivência. Para agravar o drama nem todos os moçambicanos que estão em idade activa têm um emprego seguro e decente, em parte porque são pouco escolarizados, 86 porcento ou não têm nenhum nível de instrução ou têm apenas o nível primário; portanto não ganham o suficiente para as suas necessidades pessoais e ainda têm de sustentar filhos e parentes. O Estado, através das instituições sociais, só consegue prover assistência a 15 porcento da população da terceira idade.
“Isso que dizer que se nós pudéssemos pôr todas as pessoas que estão na idade de trabalhar a trabalhar elas teriam que trabalhar para si e mais um pessoa. Nestas condições é muito difícil criar poupança, e não se criando poupança é muito difícil criamos desenvolvimento”, explicou o investigador e director do Centro de Pesquisa em População e Saúde (CEPSA), Carlos Arnaldo, durante o lançamento do livro “Desafios para Moçambique 2015”, na passada sexta-feira (18), em Maputo.
No livro, Carlos Arnaldo, que é doutorado em Demografia e mestre em Estudos de População, reflecte sobre a relação entre a dinâmica demográfica e o desenvolvimento económico que define como sendo o dividendo demográfico. “O conceito é novo mas existe desde a década 70 só que com outra denominação”.
“Um das questões fundamentais para que nós possamos ter dividendo demográfico é que nós temos que ter a transição demográfica e essa transição é que vai provocar mudança na estrutura etária da população e essa estrutura só altera quando nós reduzimos o nível de fecundidade, e no caso de Moçambique nós estamos a reduzir a mortalidade mas não estamos a mexer no número de nascimentos”, clarificou o académico que também mencionou as estatísticas oficiais que indicam que a esperança de vida ao nascer em Moçambique aumentou em cerca de 67 porcento, passando de 35 anos, em 1950, para 51 anos, em 2007; por outro lado, a taxa de mortalidade reduziu de 231 óbitos por mil nascimentos, em 1950, para 64 por mil em 2011.
Investir na educação e saúde com enfoque nas mulheres e crianças
Carlos Arnaldo deixou claro que o objectivo não é reduzir a população, mas antes “reduzir o peso da população jovem e da população dependente”, aumentando o peso da população em idade de trabalhar, entre os 15 e 64 anos de idade, e que pode contribuir activamente para a economia.
Moçambique está entre os dez países no mundo onde o número de filhos tem maior contribuição no crescimento populacional, e a média é de seis filhos. A isso deve-se o facto de 64 porcento das mulheres ainda serem analfabetas, deve-se também ao início precoce da sua actividade sexual que origina os casamentos precoces. Segundo o académico, o nosso país tem uma política de população que “não tem nenhuma medida concreta para a redução da fecundidade” e o uso de métodos de planeamento familiar é muito baixo.
O director do Centro de Pesquisa em População e Saúde não tem dúvidas de que “esta é a altura exacta para nós agirmos”. Moçambique tem potencial para beneficiar do primeiro dividendo demográfico nos próximos 20 anos mas para isso é preciso investir continuamente na educação e na saúde das pessoas, com enfoque nas mulheres e crianças. Caso contrário, em vez tirar partido de uma abundante mão-de-obra “vamos ter o pesadelo demográfico”.
300 mil empregos por ano não vai baixar a taxa de desemprego
De acordo com dados das Nações Unidas de 2013, o nosso país possuía 12,3 milhões de cidadãos em idade de trabalhar e em 2040 serão cerca de 30 milhões os moçambicanos em idade activa, daí resultando a necessidade de cerca de 300 mil postos de trabalho para absorver a demanda de novos empregos o que, a ser conseguido, como se propõe o Plano Quinquenal do Governo do Presidente Filipe Nyusi, “não vai baixar a taxa de desemprego, vai mantê-la”, explicou o académico da Universidade Eduardo Mondlane que no entanto deixa o aviso: “É preciso termos uma força de trabalho formada e capacitada para poder contribuir da melhor forma na economia”.
De acordo com o censo de 2007, cerca de 40 porcento da população em idade activa não tinham nenhum nível de ensino e apenas 15 porcento tinham um nível acima do primário, que na sua maioria se limita à formação secundária. De acordo com o artigo Carlos Arnaldo, e inserido no livro “Desafios para Moçambique 2015”, para que o nosso país consiga dividendos demográficos “a constituição de uma força de trabalho com formação relevante constitui, indubitavelmente, um dos mais sérios desafios”, que, contudo, não terminam aí.
“Na eventualidade de a futura força de trabalho moçambicana ter acesso a formação académica e a preparação profissional relevante e com qualidade, ela irá exercer uma pressão transcendental sobre a capacidade dos recursos da economia em absorvê-la no mercado laboral. O ritmo do aumento da demanda de postos laborais poderá superar largamente a oferta se se mantiverem inalteradas as características estruturais da economia moçambicana”, concluiu o Carlos Arnaldo.
Sobre as características da nossa economia que tem crescido 7 a 8 porcento mas não tem contribuído para a redução da pobreza e nem gerado empregos nos sectores determinantes e dinâmicos desse crescimento, importa ler um outro artigo inserido nesta publicação, da autoria de Carlos Nuno Castel-Branco, que compara a economia moçambicana a uma bolha “sem sustentabilidade para servir de plataforma de desenvolvimento a médio e longo prazo” e conclui, entre outras matérias, que “a economia precisa de uma nova abordagem que modifique as prioridades na alocação de recursos, trave o endividamento, a especulação e a dependência de expansão não sustentável, intensifique a mobilização interna de recursos, aposte na diversificação da base produtiva, na substituição de importações, no alargamento das opções de emprego produtivo com rendimentos reais decentes, na redução dos custos de reprodução social da força de trabalho e na elevação da sua qualidade de vida pela oferta de alimentos e outros bens e serviços básicos baratos, amplamente disponíveis e variados”.
Verdade |
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