Sunday, 19 July 2015

Telegramas de 1975: Retratos do êxodo dos portugueses e do novo poder em Moçambique


Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros

Das largas centenas de telegramas enviados, primeiro pelo Alto-Comissário e, após a independência, pela embaixada de Portugal em Lourenço Marques, destacam-se as preocupações sobre os cidadãos portugueses cujas vidas são alteradas pelo curso da história.
Além das decisões políticas do novo Estado, os casos pessoais são igualmente referidos a par das preocupações sobre a insegurança, instabilidade, casos de perseguições arbitrárias que levam paulatinamente ao êxodo da população branca, sobretudo após os tumultos do mês de dezembro na capital, relatados com detalhe através das mensagens “urgentes” para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa.
Ao longo dos primeiros meses da independência moçambicana notam-se os esforços sobre a situação dramática dos mutilados de guerra que lutaram no Exército português e a obtenção dos transportes navais e aéreos necessários para a retirada de pessoas e bens.
 A situação dos portugueses no interior do país é igualmente referida, sobretudo através das mensagens do consulado-geral da Beira mas também questões insólitas como a estátua perdida do rei da Suazilândia, o problema relacionados com dois aparelhos de rádio reclamados pela Frelimo ou o longo processo de trasladação do corpo de do capitão Ventura, piloto aviador da Força Aérea Portuguesa sepultado na Tanzânia.   
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Junho


Os portugueses

A cinco dias da declaração da independência de Moçambique o Alto-Comissário, organismo que antecede a futura embaixada portuguesa, informa Lisboa que foi possível, ao longo dos últimos meses, manter intacto o espírito e a letra do Acordo de Lusaca com “inteira paz e ordem” mas antevê “algumas dificuldades” no futuro das relações entre os dois países.
A informação – que recorda a sublevação dos colonos em setembro de 1974-, refere uma “certa tensão social” entre a população portuguesa, marcada pela incerteza sobre o futuro económico e social e pela “extrema violência” dos discursos de Samora Machel.
O presidente da Frelimo, futuro chefe de Estado da República Popular de Moçambique, mantém os ataques contra os militares portugueses durante a guerra “sem distinguir suficientemente a velha prática colonial do novo tipo de relações” que Lisboa deseja criar em África.

Rotundo exagero da vitória militar da Frelimo sobre as Forças Armadas Portuguesas com perniciosos reflexos nas populações portuguesas e militares portugueses”, nota o alto-comissário que alerta também para as detenções injustificadas, efetuadas a poucos dias da independência.


 
“Realização de cerca de 200 prisões de portugueses nos últimos dias por intermédio da Polícia Judiciária e forças militares da FRELIMO, praticamente sem substrato criminal”, informa Vítor Crespo no dia 20 de junho de 1975.
A poucos dias da independência, o alto-comissário para Moçambique avisa o Presidente da República, Costa Gomes, o primeiro-ministro do IV Governo Provisório, Vasco Gonçalves, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes, que a Frelimo está a diminuir a importância do papel aliado de Portugal em relação a “diversos outros países” e que abusa do “papel de intermediário” na cobertura de relações entre os países do Terceiro Mundo e Portugal.
A última mensagem de Vítor Crespo como alto-comissário, data do dia da independência – 25 de junho de 1975 – e solicita ao Presidente da República a publicação no Diário do Governo o decreto-lei sobre a nacionalidade “na versão” sobre “os nascidos no Estado da Índia que declarem conservar a nacionalidade portuguesa”.
A 27 de junho, dois dias após a declaração da Independência é tornada pública através da imprensa de Lourenço Marques, o texto definitivo da Lei da Nacionalidade da República Popular de Moçambique.
Além de considerar que são moçambicanos todos os que nasceram em Moçambique ou que são filhos de pai e mãe nascidos em Moçambique, destaca-se o artigo em que se podem enquadrar os colonos portugueses.

“São moçambicanos os indivíduos que estejam domiciliados em Moçambique à data da independência e que contem, pelo menos vinte anos de domicílio em Moçambique, desde que declarem, no prazo de noventa dias após a independência, que desejam ser moçambicanos”, refere o document.
Por outro lado, o mesmo documento indica que não podem adquirir a nacionalidade os indivíduos que tenham sido membros ou dirigentes de organizações políticas “colonial-fascistas”, que tenham sido funcionários ou informadores de polícias politicas estrangeiras, os condenados por sentença judicial pela prática de crimes contra o povo moçambicano ou contra a descolonização.

A lei entra em vigor às 00:00 do dia 25 de junho de 1975, foi aprovada pelo Comité Central da Frelimo e assinada por Samora Machel.

A lei da nacionalidade estabelece ainda que podem ser moçambicanos os indivíduos que, tendo participado na luta armada de libertação nacional – integrados nas estruturas da Frelimo – que declarem querer ser moçambicanos e que renunciem expressamente a outra nacionalidade

A questão da nacionalidade vai acabar por transformar-se num problema para os portugueses de Moçambique durante o primeiro ano após a independência provocando o êxodo de milhares de pessoas.


 
Cinco dias mais tarde, o diplomata informa Lisboa sobre as palavras de Samora Machel na cerimónia de entrega de credenciais em que o presidente do novo país se refere aos “aspectos negativos do colonialismo fascista que destruíram, por largos anos, não só o povo moçambicano como o próprio povo português”.
Mello e Castro nota também que, informalmente, Machel sublinha a importância da língua portuguesa “falada por 130 milhões de pessoas” e recorda que desde sempre dera instruções aos elementos da Frelimo para se exprimirem em português, mesmo quando se encontravam perante organizações internacionais.
Perante outros elementos do corpo diplomático, o chefe de Estado afirma mesmo que tem a intenção de iniciar “uma campanha” para que a língua comum venha a ser adotada oficialmente na República Popular de Moçambique.

 
Situação política
Um olhar atento sobre o novo poder

As informações que Lisboa recebe de Lourenço Marques sobre a política interna moçambicana logo após a independência dão conta das posições ideológicas da Frelimo como partido de Estado.
Do ponto de vista internacional os telegramas diplomáticos dão conta das alianças no grupo dos países não-alinhados e depois, numa primeira fase com a União Soviética e com outros países do Pacto de Varsóvia; o apoio ao MPLA em Angola e à FRETLIN em Timor e também à ZANU de Robert Mugabe na luta contra o regime de Salisbúria.
Quanto às relações bilaterais Portugal/Moçambique os telegramas da embaixada fazem notar que a tensão do processo que se vive em Angola em 1975 ultrapassa as fronteiras fazendo com que o chefe de Estado moçambicano chegue mesmo ao ponto de criticar publicamente as posições de Lisboa.


 
Cinco dias após a independência uma mensagem urgente da nova embaixada de Portugal em Lourenço Marques informa o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa que um grupo de cerca de 30 jornalistas portugueses que dizem ter sido convidados pelo Ministério da Comunicação Social para assistirem às celebrações do 25 de Junho.
“Teriam viajado no avião que transportou o primeiro-ministro (Vasco Gonçalves) a Lourenço Marques não podendo regressar na altura por falta de lugares no avião. Querem regresso urgente a Portugal a custas do Ministério da Comunicação Social”, informa a embaixada.
No mesmo dia, tirando o episódio dos jornalistas, cuja situação aguarda instruções de Lisboa é enviada para o Palácio das Necessidades a composição do I Governo da República Popular de Moçambique:

Marcelino dos Santos: ministro do Desenvolvimento Económico
Joaquim Chissano : ministro dos Negócios Estrangeiros
Alberto Chipnade : ministro da Defesa Nacional
Armando Guebuza : ministro do Interior
Jorge Rebelo : ministro da Informação
Mariano Matsinhe : ministro do Trabalho
Óscar Monteiro : ministro de Estado na Presidência
Joaquim Carvalho: ministro da Agricultura
Graça Simbine (Machel): ministra da Educação e Cultura
Hélder Martins: ministro da Saúde
Mário Graça Machungo : ministro da Indústria e Comércio
Rui Baltazar: ministro da Justiça
Júlio Carrilho: ministro das Obras Públicas e Habitação
José Luís Cabaço: ministro dos Transportes e Comunicações
Salomão Muguambe : ministro das Finanças
Sebastião Mabote: vice-ministro da Defesa
Armando Panguene : vice-ministro dos Negócios Estrangeiros
Daniel Mbanze: vice-ministro do Interior
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Lusa - Tiago Petinga
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros – Lusa – Tiago Petinga
 
Julho
O problema dos mutilados de guerra
 
A pouco menos de dois meses da independência, a embaixada e o consulado geral na Beira são contactados por grupos de portugueses mutilados de guerra residentes em Moçambique e beneficiários de pensões atribuídas pelo governo de Lisboa.
“Os interessados que manifestavam grande agitação alegaram encontrar-se em situação económica muito difícil devido ao modo como tem vindo a ser processado o pagamento das pensões”.
Muitos dos mutilados informam que não têm a situação regularizada, outros encontram-se “em situação provisória” e “alguns” estariam a receber os pagamentos com atraso por desconhecerem que o último pagamento foi feito “inesperadamente” nos dias anteriores à independência. Com a extinção do Comando Chefe das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique, os documentos e os processos foram enviados para Portugal e o Ministério das Finanças não deu instruções para efetuar o pagamento.
Mas, o que mais preocupa a embaixada foi ter recebido a informação de que dois imóveis nos arredores de Lourenço Marques “que teriam sido alugados” ao Exército português para alojar “cerca de 200 mutilados”, estão em situação irregular, com rendas em atraso.

“Entretanto procuramos tranquilizar mutilados que aventam hipótese de se manifestarem diante da embaixada, o que, a verificar-se, teria as mais desastrosas repercussões para o nosso país”, refere o telegrama da embaixada portuguesa em Moçambique sobre o assunto.


 
As mensalidades dos prédios em causa, pertencentes à Fundação Salazar “em vias de extinção”, eram liquidadas pela Liga dos Combatentes mas desde outubro de 1974 deixaram de ser pagas pelo que a embaixada propõe o contacto com o Ministério das Obras Públicas de Moçambique. Como sempre aguarda instruções de Lisboa.
A 14 de julho surge a referência ao processo de trasladação do corpo do capitão piloto aviador Hugo Assunção Ventura, da Força Aérea Portuguesa, que se encontrava sepultado na Tanzânia.
O embaixador Katikaza de Dar-es-Salaam mostra-se surpreendido pelo assunto ainda não estar resolvido e compromete-se a cumprir as formalidades para que a questão encontre uma solução com brevidade.
No fim do mês de julho tem lugar no Ministério dos Negócios Estrangeiros um encontro com o chefe da diplomacia Joaquim Chissano.
Entre outros assuntos são debatidas as questões relacionadas com os aviões e helicópteros deixados por Portugal em Moçambique; o pagamento através da Fazenda de Moçambique das pensões de invalidez e reforma aos funcionários públicos.
Sobre os aparelhos da Força Aérea Portuguesa, Chissano afirma que pensava que tinham sido “deixados” para Moçambique e que sobre as outras questões está tudo em estudo.

Os assuntos relacionados com a população portuguesa são transversais e além dos mutilados de guerra, funcionários públicos, juntam-se dúvidas sobre o estatuto dos contratos relacionados com os funcionários da universidade.


 
“Não existindo ainda uma entidade coordenadora da cooperação contactamos directamente a reitoria da Universidade de Lourenço Marques”, informa a embaixada num telegrama datado do dia 29 de julho.

Para a parte portuguesa, os primeiros tempos da independência de Moçambique ficam marcados pelas dúvidas e pelas incertezas de um processo que decorreu de forma rápida e que surpreendeu milhares de pessoas diretamente envolvidas no processo de descolonização.
Ao mesmo tempo, o representante permanente das Nações Unidas mostra-se interessado nos problemas dos portugueses oferecendo mesmo “máxima colaboração” nos possíveis problemas de “absorção” dos funcionários públicos.
“Continua a chegar numerosa correspondência relativa aos mais diversos assuntos e problemas que transitaram da antiga administração sobre funcionários transferidos, aposentados, abonos de família, exonerações, pedidos de certidões, etc. A embaixada não tem possibilidade de assegurar o expediente normal sobre estes assuntos”, alerta Lourenço Marques.


Situação Política
Governo toma posse com discursos e poemas

 
A 03 de julho, o I Governo tomava posse, “numa cerimónia que decorreu com simplicidade” tendo o presidente Samora Machel pronunciado um discurso “puramente ideológico” exortando os membros do Executivo a encarar as tarefas com “austeridade, modéstia e disciplina”.
No dia 04 para 05 de julho, por iniciativa conjunta Frelimo-PAIGC realizou-se a cerimónia de celebração da independência de Cabo Verde dirigida pelo embaixador da Guiné-Bissau em Conacri que se deslocou expressamente para o efeito.
“Após declamação de poemas e apresentação dos discursos, nos quais teve sempre presente a nota anticolonial, procedeu-se, às três horas locais, ao hastear da bandeira da República de Cabo Verde”. 
 

No mesmo mês, recorrendo à embaixada de Portugal, uma delegação comercial de Macau manifesta vontade em deslocar-se a Lourenço Marques a fim de se retomarem as “correntes comerciais ‘entre os dois territórios’

A 22 de julho, o Ministério dos Negócios Estrangeiros difunde uma nota às missões diplomáticas em que sublinha que a capital continua a chamar-se Lourenço Marques e não Can Phumo, nome que tem vindo a ser indevidamente utilizado pela correspondência oficial e artigos publicados na imprensa local.
A 23 de julho, um funcionário superior do MNE que desempenhava funções de chefe de gabinete de Joaquim Chissano enquanto primeiro-ministro do governo de transição.
“Perguntou se a embaixada de Portugal estava na posse de dois aparelhos TSF [telefonia sem fios]que estavam no gabinete do alto-comissário e que teria ficado de entregar”. O mistério dos rádios desaparecidos fica esclarecido umas semanas mais tarde quando se descobre que tinham já sido entregues, um dia antes da independência.
Numa nova capital estabelecem-se novos contactos e sendo assim, no final de julho a embaixada de Portugal recebe a visita de cumprimentos do encarregado de negócios da embaixada da União Soviética, Arkab Gluknov. “Expressou entusiasmo para com o processo de descolonização e dinamismo da revolução portuguesa e sublinhou certezas nas nossas relações futuras”, escreve o embaixador a 30 de julho.
A 29 de julho, tornam-se públicas as decisões do primeiro Conselho de Ministros que esteve reunido ininterruptamente entre os dias 19 e 25. A reunião teve como objetivo delimitar as áreas de competência dos ministérios. “Nas considerações finais refere-se ao perigo imediato e grave da manutenção das estruturas e mentalidades coloniais”.
No final do mês, Moçambique recebe a visita de Lopo do Nascimento, primeiro-ministro do governo de transição de Angola, com o objetivo de “estreitar relações entre o MPLA e a Frelimo”.
Em entrevista antes de partir para Luanda, Lopo do Nascimento sublinha que a situação em Angola é particularmente difícil referindo-se às posições da FNLA na província do Zaire e à “perda total de autoridade da parte portuguesa” no Uíge que acarreta total paralisação da administração pública e atividade económica nas duas províncias angolanas.
 

As críticas a Portugal são constantes por parte do dirigente do MPLA que inclusivamente acusou Lisboa de falta de iniciativa mesmo quando a FNLA abateu o avião de combate da Força Aérea Portuguesa e que não “provocou qualquer represália do Exército português”.

Agosto
Dificuldades para ficar e sair
 
Em meados do mês de agosto, os problemas sobre o futuro dos cidadãos portugueses prevalecem, ao ponto do chefe de gabinete de Joaquim Chissano informar a embaixada que deram entrada “inúmeros requerimentos” que solicitam autorização sobre fixação de residência.
Do ponto de vista burocrático o MNE de Moçambique remete o assunto para o Ministério do Interior visto que, nesta altura, o processo requer “apenas” um visto normal de entrada no país e só depois é requerida a autorização de residência.
No mesmo mês é publicada uma portaria sobre condições de entrada e de saída do país e que envolve o Ministério do Interior.
A 27 de agosto, uma nova portaria do Ministério do Interior anula todas as normas que tinham sido comunicadas pelo MNE quanto aos pedidos de vistos de entrada no país. “Novas disposições põem problemas embaraçosos a estrangeiros que pretendem entrar em Moçambique, especialmente a portugueses que, até agora, eram admitidos com a simples apresentação do Bilhete de Identidade”, informa a embaixada.
Paralelamente, a 21 de agosto, mais uma vez, a questão dos mutilados de guerra é abordada com o ministro dos Negócios Estrangeiros.
“O MNE acaba de nos enviar uma nota na qual comunica que o governo da República Popular de Moçambique, por achar justo e conveniente, aceita processar pagamento de pensões aos moçambicanos mutilados, quer serviram nas Forças Armadas Portuguesas desde que o governo português pague, periodicamente, e com avanço aos serviços de Finanças de Moçambique, os montantes suficientes para a liquidação das referidas pensões’”, refere o telegrama que acrescenta a necessidade de nomeação de um adido militar ao serviço da embaixada.

 
Angola entra nas preocupações de Samora
 
Em agosto, a vida política interna da jovem república popular fica marcada pela exoneração de Pedro Juma, do cargo de governador da Província de Maputo por ter deixado “ganhar vícios e corrupção, comportamento imoral, alcoolismo, liberalismo e quebra de disciplina política”.
A decisão é tomada pelo presidente Samora Machel, em comunicado analisado pela embaixada como a manutenção da linha “dura” e revolucionária” que “teve êxito nas áreas rurais” durante a guerra.

A 22 de agosto, o embaixador envia uma nota “confidencial” para Lisboa demonstrando preocupação sobre a situação “estacionária” em que se encontram as negociações entre Portugal e Moçambique sobre “assuntos de maior importância como a cooperação” e que, segundo a nota não ficaram resolvidos no decurso das negociações anteriores à independência.
Na mesma semana, o embaixador entrega a Samora Machel uma carta do chefe de Estado Português, general Costa Gomes tendo o presidente moçambicano mostrado “preocupação” pela situação em Angola demonstrando total apoio ao MPLA e oposição contra a UNITA e a FNLA. “Assim, a solução deverá orientar-se no sentido do reforço da aliança das forças progressistas em Portugal para que reconheçam o MPLA como o único e legítimo representante do povo angolano”, respondeu Machel.
 
De “estranhar” segundo os moçambicanos são a posição do presidente Kaunda da Zâmbia e da China cuja embaixada contactou elementos da FNLA.
“Disse ainda o presidente Machel que o ministro Chissano ia partir para a reunião dos Não-Alinhados e aí contactaria o almirante Rosa Coutinho” sobre a questão angolana.
A 28 de agosto, Samora Machel solicita ao presidente Costa Gomes que receba o mensageiro pessoal, Sérgio Vieira, que também gostaria de se “avistar com o primeiro-ministro Vasco Gonçalves e com o general Otelo Saraiva de Carvalho”.
 
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Lusa - Tiago Petinga
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros – Lusa – Tiago Petinga



Setembro
Comunidade portuguesa inquieta

A embaixada informa Lisboa que a comunidade portuguesa se mostra “inquieta” pelos atentados à bomba que se registaram nos primeiros dias do mês na cidade de Lourenço Marques.
“O comunicado oficial do Ministério do Interior não contém interpretações nem aventa hipóteses sobre a origem dos atos de terrorismo e limita-se a apelar à ‘vigilância revolucionária’”, escreve a embaixada sobre os atentados que ocorrem precisamente um ano após o levantamento dos colonos portugueses contra o processo de descolonização.
Ao mesmo tempo, decorre o processo dos mutilados de guerra com o recomeço do pagamento das pensões aos inválidos por parte dos Serviços de Fazenda.

“Depois de atribuídas as pensões, será elaborado um despacho assinado pelo ministro das Finanças e publicada uma lista de beneficiados no Boletim da República”, refere o embaixador acrescentando que vai enviar para Lisboa 130 nomes de mutilados de guerra que podem vir a ser abrangidos e que devem ser do conhecimento da Comissão Liquidatária da Região Militar de Moçambique.

A 17 de setembro, a embaixada é informada que após um acidente ferroviário na linha de Goba, em que morreram três pessoas, os maquinistas portugueses acabaram por ser espancados pelos passageiros. “Estiveram hoje na embaixada os maquinistas das duas composições, ambos cidadãos portugueses, que aqui permaneceram ao abrigo do contrato de prestação de serviços ao governo de Moçambique e que vieram queixar-se de maus tratos de que foram vítimas por multidão encolerizada”, refere a embaixada.
Os dois portugueses exibiram “múltiplas escoriações e ferimentos” provocados por “espancamentos e golpes de catana”.
Um dos maquinistas admitiu responsabilidade no acidente, por distração em “curva sem visibilidade”.

“Os dois maquinistas encontram-se em grande estado de depressão nervosa e pretendem por fim ao contrato que assinaram em maio e regressar imediatamente a Portugal, visto não lhes ser garantida segurança pessoal”, escreve o embaixador.
A 22 de setembro a imprensa publica um comunicado do Ministério do Interior anunciando a expulsão, em 48 horas, do antigo governador de Vila Pery, sob a alegação de ter procurado perturbar o processo revolucionário moçambicano através de “boatos, calúnias e intrigas”.
“A notícia surpreendeu”, refere o telegrama enviado para Lisboa que sublinha tratar-se da segunda vez que a expulsão de um português ocupa lugar de destaque na imprensa.
A primeira ocorreu no dia 18 de agosto e dizia respeito a uma cidadã portuguesa acusada de ter proferido “palavras insultuosas” contra a Frelimo, antes do caso que envolveu o padre José Nunes, ex-diretor do Hospital de S. José que teria “tentado prejudicar a nacionalização do hospital através do desvio de fundos”.
A embaixada considera que o modo “sumário” como se têm processado as expulsões, baseadas apenas na decisão política e não consubstanciadas em factos comprovados e aliadas “à exagerada” publicidade em nada têm contribuído para a tranquilidade dos cidadãos portugueses.
Os meios utilizados pela Frelimo têm sido “correntemente” interpretados pelos portugueses como intimidação para que abandonem o país a curto prazo.
“Aos nossos olhos, reflecte também a insegurança deste incipiente governo, cuja fragilidade na implantação de políticas, tem vindo a manifestar-se nos últimos tempos (inclusivamente através do descontentamento crescente nas Forças Armadas que não estão a receber qualquer pagamento) e têm, por isso, tendência a recorrer a medidas sensacionalistas deste tipo para congregar esforços contra o ‘inimigo comum’, que, segundo quer fazer crer, continua a ser a população branca”, detalha a embaixada.
Um dia depois o embaixador regressa ao caso da trasladação do corpo do capitão Ventura junto do embaixador da Tanzânia. “Prometeu contactar de novo Dar-es-Salaam e dar-me resposta mais tardar ainda esta semana”, informa o aerograma expedido da embaixada de Portugal em Lourenço Marques.
Entretanto, chega ao conhecimento da embaixada que a Procuradoria-Geral da República de Moçambique dirigiu uma ordem de serviço aos notários ordenando a suspensão de todos os negócios relativos a compra, venda e arrendamento de terrenos.
Continua em vigor a antiga leia da administração colonial que determina que a compra de imóveis por estrangeiros – logo portugueses – é sujeita autorização governamental.
“Factos poderão estar ligados à necessidade de regulamentar e delimitar conceitos estabelecidos pela Constituição da República Popular de Moçambique acerca da propriedade privada, à qual ‘estão ligadas obrigações’, e propriedade pessoal, que é reconhecida e garantida pelo Estado”, sublinha a embaixada.
Um dia depois, é anunciada a nacionalização do Rádio Clube de Moçambique, da emissora Aéreo Clube da Beira e Rádio Pax e que dão origem à Rádio Moçambique.
As medidas anunciadas a 25 de setembro de 1975 foram justificadas pela necessidade de colocar os principais órgãos de informação, nomeadamente a rádio, sob o controlo do Estado “dentro de uma perspetiva de reforço da unidade nacional, difusão de valores culturais nacionais, expressão de aspiração popular e defesa da revolução”.
A 26 de setembro, o cônsul-geral da Beira comunica que o “ambiente de grande esperança” que marcou o primeiro mês da independência tem-se deteriorado e complicado de “maneira a causar sérias apreensões”.

“Arbitrariedades inacreditáveis praticadas por elementos das forças populares, milícias, grupos dinamizadores, polícia, têm feito soprar ventos gélidos de pessimismo, nomeadamente sobre os portugueses”, escreve o consul.
“Quase todos os portugueses que primeiro tinham decidido ficar mudaram ultimamente de ideia em proporção que se estima superior a noventa por cento”, continua o cônsul-geral de Portugal na Beira. 
Antes do final do mês de setembro, o Ministério do Interior comunica que vão ser expulsos do país dez indivíduos, sendo que nove são portugueses.
O prazo para abandonarem o país limita-se a 24 horas e as razões invocadas são, “consoante os casos”: oposição à nacionalização de escolas de condução e clínicas; regresso a Moçambique depois de ter deixado em Portugal todos os bens que possuía; tráfico e consumo de drogas.
“A embaixada tem ainda conhecimento de que em diversos pontos do país, portugueses são sumariamente expulsos por dirigentes locais da Frelimo, autoridades administrativas e agentes da Polícia Judiciária sem qualquer ratificação governamental”, explica a informação enviada para Lisboa.
A 26 de setembro, um aguardado discurso do chefe de Estado, transmitido pela rádio, não tranquiliza os portugueses.

 
“Tratou-se, no fim de contas, num discurso fundamentalmente programático e ideológico”, escreve a embaixada que sublinha que Samora Machel, além de referir a necessidade de rutura completa com as estruturas antigas e destruição do poder exercido pelos opressores, demonstra apoio incondicional na luta contra a Rodésia de Ian Smith.
 
Setembro
 Samora e vitória sobre o colonialismo

Angola está na agenda de Samora Machel, que depois dos encontros solicitados em Portugal pede à embaixada de Lisboa em Lourenço Marques para servir de intermediário para que o presidente do MPLA, Agostinho Neto, recebesse na manhã do dia 04 de setembro, em Lusaca, o mesmo mensageiro, Sérgio Vieira, que já tinha estado na capital portuguesa.
“Presumo que será recebido pelo presidente Kaunda cujas posições ambíguas sobre Angola têm favorecido a UNITA e contribuído para a perturbação do processo prosseguido pelo MPLA”, escreve a embaixada de Portugal em Lourenço Marques
Ao mesmo tempo é de referir que o presidente Samora visita a FACIM (Feira Internacional), começando pelo pavilhão da Frelimo e passando de seguida ao pavilhão português situado em frente. “Com a franqueza que lhe é peculiar, o presidente Samora manifestou certo desapontamento perante a modesta representação de Portugal referindo expressamente o pequeno número e gama de produtos apresentados”, regista o embaixador.


 
Mas os episódios do quotidiano da independência não ficam por aqui: no final do mês de setembro o governo da Suazilândia pretende deslocar um representante a Lourenço Marques encarregado de receber da missão diplomática uma estátua do rei Sobhuza, em tempos prometida pelo governo português.
“Presumimos que o governo da Suazilândia se estará a referir à maquete de gesso, em tamanho natural, que transitou por esta embaixada pouco antes da independência de Moçambique, visto que não chegou a proceder-se à fundição da estátua em bronze, como inicialmente planeado”, recorda o embaixador que aguarda instruções sobre a entrega da maquete em gesso.
Do ponto de vista das relações internacionais, o embaixador, ainda em setembro envia para Lisboa um telegrama “confidencial” em que dá conta de que “segundo informações de fonte próximo do representante da Agência Nova China em Lourenço Marques”, de que a República Popular da China prepara-se para implementar, a curto prazo, um acordo de cooperação com o governo moçambicano.
“O acordo consiste na vinda de cerca de trinta médicos chineses” para o país, informa o embaixador sobre a iniciativa de Pequim na capital moçambicana.
No mesmo dia, e segundo informações recolhidas junto do antigo conselheiro cultural da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa e que integrava o quadro do ex-consulado-geral dos EUA em Lourenço Marques, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano deveria encontrar-se nesse mesmo dia, ou no dia seguinte, em Nova Iorque, com o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger “indo certamente abordar problema da abertura de relações diplomáticas entre os dois países e cooperação futura”.
A mesmo fonte refere ao embaixador que considera provável que contactos semelhantes possam acontecer durante a sessão da Assembleia Geral  das Nações Unidos com os ministros dos Negócios Estrangeiros da França, República Federal da Alemanha e Itália.
A 26 de setembro, a propósito de mais um aniversário do início da luta armada por parte da Frelimo, Samora Machel profere um extenso discurso em que recorda a atuação político-militar na luta de libertação nacional e “vitória finalmente alcançada” contra o colonialismo e o imperialismo português.

“Impõem-se agora o trabalho de reconstrução nacional, destruição final do inimigo neo-colonial (…) a consolidação do poder popular e a produção são inseparáveis”, diz Samora segundo as notas do embaixador.
Para o chefe de Estado é preciso combater os atuais obstrucionistas do processo revolucionário moçambicano: “Estes são os que, não tendo embarcado no ‘mini-golpe de colonos boçais’ tentado em setembro do ano passado, se abstiveram unicamente por terem pressentimento de que o golpe não tinha hipóteses de sucesso.”
“A sua ação manifesta-se agora através da sabotagem económica, agitação e descontentamento dos trabalhadores, obstrução e desorganização da produção, incitamento a greves-contra-revolucionárias com o propósito imediato de demonstrar que a independência é uma coisa má”, afirma Machel.
O chefe de Estado diz mesmo que os agentes estão “preparados para desorganizar estruturas por dentro, o que se inscreve no plano do deposto regime Caetano que tentou a implantação do neocolonialismo através da promoção social pelos gostos do capitalismo: “injeção maciça de instrumentos de alienação, tais como cabarets, boîtes, prostituição, filmes e modos de vestir decadentes”.
“Pela substituição de colonos brancos por capitalistas negros (Simangos e Cavandames)”, afirma Machel reforçando o “plano” dos que estavam contra a revolução popular e sublinhando o combate ao racismo, o tribalismo, o elitismo, “em suma”, tudo aquilo que foi deixado pelo colonialismo e neocolonialismo português.
No mesmo dia, em Lourenço Marques iniciam-se os trabalhos da Conferência Internacional da Organização de Solidariedade dos Povos de África e Ásia (OSPAA), especialmente dedicada à solidariedade dos povos de Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
“O exemplo do colonialismo português é o que se assiste atualmente em Angola e Timor, onde movimentos sem expressão popular, apoiados pelo imperialismo internacional, põem em causa as frentes populares do MPLA e da FRETILIN”, diz Samora Machel na abertura do congresso a que assistiu o embaixador. Antes do final de setembro prossegue o caso da estátua do rei da Suazilândia.

 
“Embaixada em Mbabane acaba-nos de comunicar por telegrama que seguem hoje para Moçambique dois enviados do governo da Suazilândia com o fim de obterem a estátua que temos em nosso poder”, comunica o embaixador.
 
 
 
 
 
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Lusa - Tiago Petinga
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Estrangeiros – Lusa – Tiago Petinga




Prisioneiros
Um problema permanente em 1975

A questão dos “inúmeros” portugueses presos em Moçambique desde 1975 vai ser um tema de constante preocupação nos primeiros tempos da independência do novo país e que consta da agenda da embaixada de Portugal sobretudo nos contactos com os ministérios do Interior e dos Negócios Estrangeiros.
Um mês depois da data da independência, em contacto direto com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, a embaixada prossegue diligências sobre “militares e outros portugueses ainda presos”.
“Ministro ficou na posse de memorando e prometeu informar urgentemente a situação, transmitindo os resultados alcançados. Prometeu igualmente que seria levado em consideração a legítima esperança dos familiares no sentido de contactarem os presos”, indica o telegrama da embaixada de Portugal em Maputo sobre a questão dos prisioneiros portugueses em cárceres moçambicanos, após a independência.
Em finais do mês de agosto, a embaixada de Portugal informa Lisboa que continua a desenvolver os esforços no sentido de se encontrar uma solução sobre os portugueses presos para “eventual libertação e repatriamento” referindo-se ao caso particular de sete cidadãos de Pemba (ex-Porto Amélia), no norte do país.

 
Durante uma audiência ocorrida no início de dezembro com o ministro dos Negócios Estrangeiros o embaixador recorda o problema dos prisioneiros portugueses.
“Chissano mostrou-se surpreendido pelo problema continuar sem solução e prometeu ocupar-se imediatamente do assunto”, diz o embaixador.
Segundo o telegrama enviado para Lisboa, o chefe da diplomacia de Moçambique atribuiu as demorara a “eventuais dificuldades burocráticas”.
O ano chega ao fim mas a questão dos prisioneiros portugueses está longe de estar resolvida.


Outubro
Mais um português preso
 
No que diz respeito aos cidadãos portugueses, o primeiro dia do mês de outubro de 1975 fica marcado pela informação do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a prisão de um português, “pelas autoridades competentes e de maneira normal e discreta”.
Dois dias depois, o cônsul-geral na cidade da Beira informa Lourenço Marques que um engenheiro português encontra-se retido num hotel não podendo abandonar o país enquanto não for concluído o processo de averiguações motivado por um telegrama que terá recebido por uma empresa norte-americana “ a oferecer-lhe um negócios de venda de armas de guerra”. O português alega “total ignorância” na transação proposta.
No mesmo mês, segue para Lisboa uma lista de antigos militares moçambicanos ao serviço do Exército português e que se encontram internados no Hospital Militar da Frelimo. “As despesas de internamento não foram liquidadas”, diz a embaixada que aguarda instruções sobre o assunto.
Na mesma altura, os serviços da embaixada informam Lisboa que até ao fim do mês de setembro deram entrada 268 requerimentos dirigidos por portugueses residentes em Moçambique ao secretário de Estado da Descolonização relativamente a assuntos que a representação diplomática não tem competência para resolver diretamente tais como ingresso no quadro geral de adidos, passagens, bagagens, subsídios de embarque de aposentados e familiares. “Nenhum dos requerimentos recebeu até à data qualquer resposta”, sublinha a embaixada.


 
No dia 07 de outubro, a embaixada é informada pelo governo da Tanzânia de que não há qualquer problema sobre a trasladação do corpo do capitão Ventura.
“As despesas devem ser custeadas pelo governo português” refere o documento tanzaniano que indica que os pagamentos fossem efetuados “sem passar por Lourenço Marques” e que haveria a necessidade de um funcionário diplomático da embaixada de Portugal se deslocar a Mutuwara onde “está sepultado o corpo do capitão Ventura”.
A 22 de outubro o Ministério dos Negócios Estrangeiros envia à embaixada a lista de formalidades para a trasladação das ossadas dos militares portugueses “falecidos em Moçambique”. “Obtenção do alvará de trasladação das ossadas, que deverá ser requerido ao governador da Província de Maputo. A exumação é sujeita a pagamento de taxas respetivas”, refere a nota do MNE moçambicano.

Além dos casos referentes aos soldados tombados em combate, a embaixada é contactada por antigos militares portugueses que apesar de terem manifestado inicialmente intenção de permanecer no novo país pedem ajuda para regressar a Portugal.
“Apresentou-se a esta embaixada ex-soldado português, JGM, mecânico de automóveis, incorporado em 1972 e tendo estado em várias zonas operacionais passou à disponibilidade em 1974 em Lourenço Marques. Pediu então para permanecer em Moçambique por aqui desejar trabalhar após a independência. Em maio passado foi, no entanto, detido pela FRELIMO tendo sido libertado há poucos dias por nada se ter provado que justificasse a detenção”, explica o telegram.
A mesma informação esclarece que o ex-soldado não tem meios de subsistência e pede ajuda para regressar a Lisboa. Não é caso único.
Poucos dias mais tarde, a viúva de um ferroviário vítima de um acidente de trabalho solicita ajuda à embaixada para “o pagamento do caixão e transporte dos restos mortais para Portugal”.

A 25 de outubro, a embaixada da Tanzânia oficializa por nota a autorização de trasladação do corpo do capitão Ventura.

Outubro
Quando as Testemunhas de Jeová eram “antigos PIDES”
 
Na primeira semana de outubro, a embaixada de Portugal em Lourenço Marques envia um telegrama “secreto” para Lisboa informando que se encontra na capital um exilado político zairense, da oposição a Mobutu que, vindo de Luanda, afirma ter “fortes apoios no interior e no exterior do seu país” propondo-se a desencadear um movimento de guerrilha na fronteira leste de Angola.
“Desde ontem, tenta avistar-se com o presidente Samora sem resultados e, por isso, recorreu à embaixada a fim de solicitar através de telex a intervenção pessoal do presidente do MPLA para que o chefe de Estado de Moçambique o receba”. Aparentemente no dia seguinte, o cidadão zairense seguiu no dia seguinte para a Tanzânia sem conseguir o encontro com Machel.
Nessa altura, findo o congresso de apoio ao MPLA, o chefe de Estado de Moçambique abre ofensiva contra os “membros da seita religiosa Testemunhas de Jeová” considerando-os inclusivamente “agentes deixados pelo colonialismo português” e de serem “antigos PIDES”.

 
Durante uma visita à barragem de Massingir, o presidente de Moçambique afirmou mesmo que vai dar “um destino definitivo a esses Testemunhas de Jeová” e que propôs ao povo “prende-los imediatamente”.
“Estamos a tentar obter elementos concretos sobre expressão numérica sobre testemunhas de Jeová entre a comunidade portuguesa”, diz o embaixador no aerograma enviado para Portugal.
Terminado o episódio com os Testemunhas de Jeová, “agentes do imperialismo”, Samora volta a reforçar o apoio ao MPLA em Angola e à FRETILIN em Timor.
“Num importantíssimo discurso assinalando a abertura da escola do partido na Matola, o presidente da FRELIMO e da República Popular de Moçambique produziu declarações diretamente ligadas aos problemas de Angola e Timor-Leste, condenando o que chama ‘manobra do governo português’ pela atitude que considera “reacionária” assumida perante os problemas”, escreve o embaixador sobre o discurso.
“A República Popular de Moçambique não duvidará em reconhecer a independência de Angola no dia 11 de novembro de 1975”, diz ainda Samora citado pelo embaixador.

 
Ao mesmo tempo, o adido comercial da embaixada é contactado pelo comandante do Ministério da Defesa no sentido de conseguir adquirir em Portugal vários tipos de algodão para a confeção de “fardamentos diversos” para as Forças Armadas moçambicanas.
 
Novembro
E há falta de barcos
Em novembro de 1975, a embaixada de Portugal alerta que funcionários públicos portugueses que assinaram contrato de prestação de serviço com o governo moçambicano começaram a pedir rescisão estando, por isso, a apresentar-se no edifício da embaixada para que seja facilitado o contacto com a Secretaria de Estado da Descolonização.
“Há dúvidas se funcionários que rescindem unilateralmente terão direito a passagens à conta do governo português”, questiona a embaixada.

Por outro lado, têm comparecido estudantes portugueses que pretendem prosseguir os estudos em Portugal. “Interessados informam que, para efeito de facilidade de matrículas em universidades, e benefício de bolsas de estudo lhes seria exigido documento comprovativo da condição de retornados emitido pela embaixada ou consulado”, diz o embaixador que pede esclarecimentos a Lisboa sobre o procedimento a tomar sobre os estudantes.
Com o aumento do número de portugueses que demonstram vontade em sair do país, o embaixador comunica ter conhecimento de que a Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos tem saídas de Lourenço Marques, durante os três meses seguintes, quatro navios.
“Todos se destinam a Roterdão e outros portos do norte da Europa, mas apenas um vai escalar em Lisboa. Haveria necessidade que estes e outros navios escalassem em portos portugueses, permitindo transporte de bagagens e automóveis que em grande quantidade aguardam embarque”, avisa o embaixador a dois meses do final do ano.
 
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Lusa - Tiago Petinga
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros – Lusa – Tiago Petinga



Novembro
Samora critica Portugal por causa de Angola
 
No dia 10 de novembro, a embaixada de Portugal informa Lisboa que partiu para Luanda uma delegação do governo de Moçambique a fim de participar nas cerimónias de independência de Angola.
A delegação é chefiada por Marcelino dos Santos, vice-presidente da Frelimo, e constituída por mais 14 elementos entre os quais Rui Baltazar, ministro da Justiça e Daniel Mbanze, vice-ministro do Interior.
Samora envia uma mensagem a Agostinho Neto que é publicada na íntegra no jornal Notícias de Lourenço Marques em que Moçambique reconhece a República Popular de Angola e o governo constituído pelo MPLA.
Na mesma altura encontra-se em Lourenço Marques o presidente da República de Cabo Verde, Aristides Pereira.
O encarregado de negócios no relato que envia para Lisboa conta que o próprio presidente Machel o reteve durante breves minutos para criticar Portugal sobre Angola. 

 
“Podemos ter relações diplomáticas mas não de amizade” disse Samora ao diplomata, acrescentando que “o governo português não deu a sua colaboração”, não tendo especificado se se tratava do facto de Lisboa não ter reconhecido de imediato o governo do MPLA.
“Não nos obriguem a isso. Diga-o ao seu governo”, concluiu Machel insistindo na falta de colaboração de Portugal sobre Angola.
Três dias depois, no dia 15 de novembro, Moçambique e Brasil estabelecem relações diplomáticas a nível de embaixadas.
Perto do fim do mês, Chissano regressado de uma visita ao Congo, Tanzânia e Somália declara que Moçambique nunca enviou um soldado para Angola “nem o fará jamais”.
 
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Dezembro
Portugueses abandonam país por causa da violência

No último mês do ano de 1975, o embaixador de Portugal informa que recebeu a visita do Procurador-Geral da República que “veio lembrar” sobre a urgência na apresentação dos certificados de nacionalidade portuguesa por parte de cidadãos portugueses que declararam renunciar à nacionalidade moçambicana.
Pelo menos, cerca de mil documentos estão à espera de serem emitidos pelos serviços centrais em Lisboa e que deverão ser depois enviados para Lourenço Marques.
Mas o mês de dezembro vai ficar marcado por atos de violência que vão ser determinantes para a decisão de muitos portugueses que acabam por abandonar a ex-colónia.
“No dia 17 de dezembro de 1975, um bando de elementos reacionários armados e fardados, desencadeou uma provocação armadas contra as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), a Polícia Militar e a população da capital. Foram já capturados numerosos elementos e outros foram mortos e feridos”, indica o primeiro comunicado oficial publicado no jornal Notícias e transmitido pela embaixada para Lisboa.
No dia 18 de dezembro, a embaixada comunica que desde a manhã do dia anterior, primeiro nos subúrbios da cidade e depois em várias zonas da capital tem-se verificado “confrontos armados” entre as forças do Exército e da polícia.
“Conhecimentos dos locais onde tais acontecimentos se tem verificado permite situar objetivos das forças atacantes na zona do aeroporto, da Rádio Moçambique, Palácio Presidencial, quartéis do Exército e da polícia, Base Aérea e Central de Fornecimento de Energia elétrica”, refere a nota da embaixada.
O mesmo documento informa que há “barragens sobre trânsito e população” e que “por informações recebidas, o tiroteio intenso na zona do aeroporto teria feito nove mortos e vários feridos.
“Na embaixada vê-se grande movimentação de soldados e carros de transportando metralhadoras e lança roquetes, e ouve-se tiroteio disperso com rajadas de metralhadoras e mesmo tiros de canhão. Dois helicópteros circulam ininterruptamente a baixa altitude junto à baía, entre quartel-general e presumivelmente aeroporto”, detalha o telegrama enviado para Lisboa.


 
Neste momento, a informação “é quase nula” já que a rádio continua a emitir os programas habituais.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros diz ao embaixador que não tem condições para dar qualquer informação mas aconselhou o encerramento da chancelaria.
“Não é estranha a estes acontecimentos, a situação de indisciplina dentro do Exército. As causas mais profundas de carácter social são as que decorrem da falta de adaptação dos soldados que vieram das guerrilhas para uma vida citadina”, refere a nota da embaixada.
Um dia depois, novo comunicado oficial difundido pelo Ministério da Informação refere que prossegue a ação conjunta das FPLM e da população organizada contra o “bando de reaccionários criminosos” que desencadeou ataques armados contra as populações e instalações militares.
As autoridades indicam que está em curso uma campanha contra a “atividade inimiga que fomenta a corrupção e a indisciplina” no seio das Forças Armadas.
Na mesma altura a embaixada nota que “se deixou de ouvir tiroteio” e que a população portuguesa, “embora inquieta (o que vai acentuar a procura de viagens de regresso a Portugal) mantém a atividade normal”.
“Comunidade portuguesa não foi envolvida na intentona, não tendo havido entre ela quaisquer vítimas. Ambiente de medo vivido há muito na comunidade aumentou com os acontecimentos”, escreve o embaixador acrescentando que se verifica um aumento na procura de passagens nas agências de viagens para Portugal.
“A capital, com excepção de maior profusão de soldados patrulhando as ruas, voltou também à normalidade. Consta que todo o governo teria sido cautelosamente retirado mas o regresso já se teria verificado”, informa o mesmo telegrama datado de 19 de dezembro de 1975.


 
No dia seguinte novo comunicado oficial, desta vez difundido pelo comando chefe das FPLM referia que “os elementos criminosos, num total de 400, começaram por ocupar na tarde do dia 17 diversos pontos estratégicos” mas acabaram “repelidos” e vários capturados.
“Os restantes refugiaram-se em alguns prédios que ocuparam à força ou com a cumplicidade dos moradores. Outros abandonaram as fardas e as armas, envergando roupa civil para tentarem escapar à detenção”, sublinha o comunicado militar.
De acordo com as Forças Armadas moçambicanas os “atos criminosos” foram uma reação contra uma reunião de quadros e “combatentes” das FPLM que criticou as divisões que se verificavam nas fileiras revolucionárias.
“A reunião analisou extensamente os numerosos casos de violação da linha política e da disciplina da Frelimo que se têm verificado nos últimos meses e que se têm manifestado através de atos de corrupção, abuso de autoridade, alcoolismo, uso de drogas, protecção a prostitutas, maus tratos à população e roubo”, acusa a cúpula militar moçambicana.
“Concluindo que a depuração nas fileiras das FPLM lhe fazia perder um fértil terreno de manobra, o imperialismo mobilizou os seus agentes de longa data que permaneciam camuflados, entre nós, e, através deles, incitou à ação violenta os elementos corruptos e confusos”, continua o comunicado das Forças Armadas.
“Intensifiquemos a luta de classes no seio da nossa sociedade para estabelecer mais firmemente o poder da aliança operária-camponesa. A Luta Continua”, concluiu o longo documento das FPLM sobre a “intentona” de dezembro.
Mesmo assim, numa mensagem “urgente” para Lisboa, a embaixada informa que durante a madrugada “houve fogo cruzado” durante cerca de 10 minuto na baixa da cidade.
 

No dia 22 de dezembro, ainda no rescaldo dos atos de violência, a embaixada informa que recebeu do MNE moçambicano a decisão sobre o repatriamento de um grupo de oito ex-militares portugueses. Trata-se da conclusão de um processo que já se vinha a arrastar e que não estava relacionado com os acontecimentos de Lourenço Marques.
No dia de Natal, a embaixada faz uma longa exposição sobre a possibilidade de se fretarem navios de mercadorias e de passageiros, prevendo que muitos portugueses querem abandonar o país.
O embaixador diz ter contactado com companhias de navegação tendo também analisado as viagens por via aérea, com custos inerentes e datas possíveis de executar uma operação de retirada da população, caso seja necessário durante o mês de janeiro.
“Como acima refiro, o assunto foi tratado nos últimos dias, com carácter confidencial, não havendo – repito – não havendo, qualquer conhecimento do público”, concluiu o telegrama “urgente”.
A 27 de dezembro, um grupo de funcionários da embaixada informa o embaixador que, por não existir uma escola portuguesa em Lourenço Marques, que enviaram os filhos para Portugal tendo por isso transferido parte do vencimento para Lisboa.
“Foram entretanto informados pelas autoridades que as transferências deixariam de ser autorizadas a partir de janeiro. Os referidos funcionários pretendem que a partir do princípio do ano de 1976 os vencimentos, no todo ou em parte, sejam recebidos em Lisboa e retidos para os fins indicados”, comunica o embaixador no final de 1975, o ano da independência de Moçambique.
 
Moçambique reconhece Timor-Leste
No segundo dia do mês de dezembro de 1975, uma nota oficial da Frelimo refere que a “República Popular de Moçambique, fruto da luta vitoriosa do povo moçambicano contra o colonialismo português e o imperialismo, reconhece desde a sua proclamação, a República Democrática de Timor-Leste”.
Às zero horas do dia 28 de novembro a FRETILIN proclamou a independência em Díli.
Antes do final do ano Chissano manifesta junto da embaixada de Portugal o “desejo do governo” da Frelimo sobre a assinatura, com brevidade do protocolo adicional do Acordo Geral de Cooperação.
O documento diz respeito aos futuros contratos de prestação de serviço por parte dos cooperantes portugueses.
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Lusa - Tiago Petinga
Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros – Lusa – Tiago Petinga
 
Transportes aéreos
 Moçambique quis comprar dois aviões a Portugal
 
A Constituição da DETA, as primeiras linhas aéreas moçambicanas é um dos assuntos que marca as relações entre Portugal e a República Popular de Moçambique desde a primeira hora.
A 12 de maio, antes da declaração de independência o Alto Comissário de Moçambique considera que “o governo português está em condições de oferecer as melhores condições em relação à cooperação no domínio dos transportes aéreos”.
Um telegrama “secreto” informa Lisboa no mesmo dia que, na sequência das negociações, a Frelimo apresentou uma proposta para a aquisição de dois aviões, o que dá indícios de pretender efetuar no futuro voos intercontinentais.

 
“Paralelamente, com a entrega dos aviões serão fornecidos os seguintes serviços: assistência em terra e em voo de quatro comandantes e quatro operadores de sistemas para cinco tripulantes da DETA. Cursos completos de manutenção em Lourenço Marques incluindo quatro mecânicos devidamente qualificados”, refere um dos primeiros documentos sobre a cooperação com a TAP.
A 26 de maio, outro aerograma “secreto” indica que novos contactos fazem supor que a proposta final da DETA vai ser tomada antes da independência:
“Acordo por três meses: junho, julho e agosto, a rever periodicamente um mês antes do termo. Dez voos semanais, três voos da Beira, todos da TAP e sete voos de Maputo (dois TAP e cinco DETA)”, informa o Alto Comissário.
Não podendo a DETA cumprir cinco voos com equipamento prevê-se, por isso, o “fretamento” de equipamento da TAP ou cedência de voos da TAP.
“A DETA considera urgente resolução do assunto em virtude de prever na próxima semana dificuldades de reabastecimento de combustível, em Luanda”, continua.
Após a independência, em agosto, o diretor da TAP na República Popular de Moçambique contacta a embaixada para informar que a DETA aceita o “contrato de pool” entre as duas companhias com a Beira como ponto de saída para voos de grande curso o que pode prejudicar os interesses da companhia portuguesa.
A 24 de setembro, um telegrama “secreto” informa Lisboa que “dois aviões Nord-Atlas” cuja devolução é pedida com insistência ao governo moçambicano estão pintados com as cores da DETA – Linhas Aéreas de Moçambique.
Em finais do mês de novembro, após novo encontro com o representante da companhia aérea portuguesa em Lourenço Marque a embaixada atualiza informações sobre a cooperação entre as duas empresas.

“Informamos que governo de Moçambique considera protocolo assinado a 15 de junho de 1975 entre a Frelimo e o governo português prorrogável até ao acordo bilateral entre as autoridades aeronáuticas dos dois países. Os serviços da TAP e da DETA continuarão, portanto, a ser operados entre os dois países havendo a alterar apenas no que concerne às escalas em Lourenço Marques”, indica o telegrama envA 11 de dezembro, o MNE informa a embaixada sobre o acordo aéreo entre Portugal e Moçambique sobre uma nova proposta de realização de negociações sobre o acordo mas que os atuais horários, frequência dos voos e as cidades abrangidas seriam mantidos até ao dia 15 de janeiro de 1976.iado para Lisboa.
Para a embaixada, eventuais perturbações nas ligações aéreas podem ter “efeitos psicológicos” sobre a população portuguesa e outras comunidades estrangeiras.
“As decisões sobre nacionalizações nos setores da medicina e da advocacia; os discursos inflamados contra a atuação dos portugueses; a realização de rusgas; detenções arbitrárias e expulsões espectacularmente anunciadas, são factos que provocam saídas maciças da população branca e, em especial, a falta de transporte aéreo da TAP vai aumentar perturbações na comunidade portuguesa”, alerta a embaixada.
 
Empresas
Nacionalizações e crimes de sabotage
 
As nacionalizações das empresas, os crimes de “sabotagem económica”, as movimentações de capitai e a situação da banca preocupam as autoridades portuguesas desde os primeiros momentos da independência, com reflexos para milhares de portugueses.
Sendo assim, a agenda da reunião entre o Alto Comissariado e a Frelimo marcada para o dia 02 de junho de 1975 propõe discutir a documentação sobre a Companhia da Zambézia, CTM, SONEFE, SHER e ainda o setor das pescas.
“Sobre os efeitos da nacionalização da banca e dos seguros, a Frelimo declarou não estar preparada, não se devendo passar da inventariação dos problemas e de uma primeira abordagem”, indica o telegrama enviado ao secretário da Cooperação Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, dias antes da independência de Moçambique.

 
Poucos dias antes, o Alto Comissário alertava para um “problema financeiro” relacionado com uma encomenda relativamente aos Caminhos de Ferro de Moçambique que estava a ser feita pelo Banco do Fomento.
O Alto-Comissário propõe obter localmente uma linha de crédito como solução para o problema sublinhando que a questão dos transportes, energia e cimentos podem ser afetadas por “causa das drásticas medidas anunciadas pelos credores”.
Meses antes tinha sido introduzida uma taxa de vinte por cento sobre a importação de citrinos e conservas de fruta o que provocou uma série de questões por parte da Frelimo sobre transações comerciais.
A construção da barragem de Cabora Bassa é um assunto permanente mas já depois da independência é de registar a preocupação da embaixada sobre a realização da assembleia geral da Companhia da Zambézia com um pedido direto ao secretário da Cooperação Externa sobre o envio “por portador” de 58 mil ações da empresa através do Banco Nacional Ultramarino, uma operação que foi questionada pelo Banco de Moçambique.
Em julho, a Frelimo pede a Portugal toda a legislação portuguesa sobre combustíveis e em agosto chegam a Lourenço Marques os delegados do Ministério das Finanças de Portugal para iniciarem reuniões com o Bando Standar Totta, na mesma altura em que a desvalorização da moeda sul africana ameaça a economia do novo país.
“A recente desvalorização do rand (África do Sul) terá certamente grandes repercussões na economia de Moçambique, podendo obrigar as autoridades monetárias a tomar decisões quanto à paridade do escudo moçambicano ou adoção de outras medidas de maior impacto”, avisa a embaixada.

Na altura, as últimas estatísticas conhecidas são referentes aos primeiros nove meses de 1974 e indicam crescimento da balança comercial entre Moçambique e a África do Sul, “sendo que as importações se situam nos 1.709 mil contos e exportações nos 532 mil contos”.

“Não se dispõe de números relativos entre os dois países, mas meios financeiros e bancários locais avaliam a entrada de divisas da África do Sul – turismo, remessas de emigrantes, utilização dos caminhos-de-ferro, e porto de Lourenço Marques, entre outros – rondam os três milhões de contos anuais”, explica a nota da embaixada.
Na mesma altura, o Conselho de Administração do Banco de Moçambique debate o problema da desvalorização do rand.
“Temos conhecimento de que o Banco Central de Moçambique teria proposto ao governo solução híbrida quanto à cotação do escudo moçambicano que até à semana passada acompanhava a cotação proposta pelo Banco de Portugal”, escreve a embaixada no dia 24 de setembro.
Finalmente o Banco de Moçambique anuncia a “solução híbrida” : o escudo moçambicano mantém, “com ligeiríssimas oscilações” de pormenor a mesma cotação face a todas as divisas transacionadas o que significa uma desvalorização de valor idêntico ao rand (África do Sul), ao lilangeni (Suazilândia) e ao dólar (Rodésia) continuando a seguir as cotações propostas pelo Banco de Portugal paras as moedas dos restantes países com cotação em Moçambique.
“Chamo a atenção para as consequências do facto do escudo moçambicano ter acompanhado o rand o que poderá eventualmente levar à venda de energia de Cabora Bassa à África do Sul conjugada com a necessidade de a empresa exploradora dever pagar empréstimos sobre os fornecimentos a outros países”, alerta a embaixada num telegrama para Lisboa datado de 28 de setembro.
Finalmente, o Acordo de Cooperação Moçambique/Portugal é assinado a 04 de outubro.
Pouco depois, uma delegação de empregados portugueses do Montepio de Moçambique comunicam à embaixada e ao ministro da Cooperação, em Lisboa, que pretendem ser equiparados a funcionários públicos portugueses e que a atividade que desenvolvem na República Popular deve ser incluída no domínio da cooperação.
“A satisfação das suas pretensões permitiria mante-los ainda algum tempo aqui”, refere a embaixada num telegrama urgente enviado para Lisboa.

4 comments:



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