Thursday, 2 July 2015

EMATUM: Há espaço para responsabilização cível e penal



Os princípios constitucionais são multifuncionais, deveriam cumprir diversos papéis na nossa ordem jurídica. Deveriam vincular a prática de vários actos jurídicos: leis, sentenças e actos administrativos, assim como as acções dos poderes privados e públicos. Tais princípios, em alguns casos, deveriam concretizar- se através do processo legislativo, administrativo e do judicial, além, é claro, do processo de interpretação e aplicação privada pelos particulares.
Numa democracia Constitucional nenhuma autoridade pública ou legal, poder, órgão ou agentes públicos ou pessoa privada se isenta à sua força normativa vinculante. Numa democracia Constitucional todos se devem submeter aos seus ditames, de acordo com o grau de densidade de cada norma continente de princípio jurídico. Como já dito, sentenças, leis e actos administrativos e privados devem-lhe obediência, sob pena de invalidade. Isso é aquilo que nós ensinamos aos nossos jovens nas nossas faculdades de Direito e de Ciências Políticas e foi o que aprendemos dos nossos professores...
Na nossa realidade, alguns princípios jurídicos estão inscritos expressa ou implicitamente na nossa actual Constituição e em algumas Leis Orgânicas, operando novos níveis de vinculação e regulação, embora em certos casos podem até aparecerem camuflados. Para termos uma ainda que pálida e ténue ideia da importância dos princípios constitucionais (tanto gerais, quanto específicos de natureza jurídico-administrativa) em relação à actividade administrativa estatal, lembramos que, por exemplo, todos os procedimentos e actos praticados por privados, instituições, corporações profissionais, empresas público/privadas, a eles se submetem, igualmente os procedimentos desenvolvidos pelas Comissões Parlamentares de Inquérito e de Processo Ético-Parlamentar, para uma apreciação e um debate no Parlamento do conteúdo dos mesmos, sobretudo, quando tais actos metem em causa a maioria dos cidadãos moçambicanos.
O que aconteceu com o caso EMATUM não é digno de uma democracia constitucional, pois, não houve uma consulta parlamentar, nem sequer a tal despesa milionária de que se fala foi orçamentada pelo Estado. Ora, quando uma acção ou atitude afecta directamente o bem- -estar dos cidadãos moçambicanos, quando as consequências dessa acção irão inevitavelmente, nos próximos anos, pôr em causa a redução dos investimentos públicos na saúde, na educação, em infra-estrutura, segurança, habitação, entre outros direitos essenciais à vida, para drenar capitais para estipendiar um dispêndio público, fruto de uma acção ilegal, ilegítima e criminal, na medida em que viola os princípios constitucionais implícitos, como o direito à transparência, direito à informação, princípio da legalidade administrativa; princípio da impessoalidade; princípio da moralidade; princípio da publicidade; princípio do concurso público; princípio da prestação de contas, dizendo-os todos respeitantes à Administração Pública, como segmento normative específico da Constituição, entre outros princípios, não há dúvidas, que existe espaço para responsabilizar criminal e civilmente os autores do referido acto.
Num País que pretende configurar- -se como Estado de Direito Democrático, é inadmissível que um grupo de indivíduos meta em causa princípios e procedimentos constitucionais, e decidam – mal - e por todos, de forma ambígua, prolixa e segregada, nos endividar. O princípio do Estado Democrático de Direito exige que se optimizem, em todos os níveis, os instrumentos de controlo sobre a administração pública, sobre o poder público e se maximizem os direitos fundamentais da pessoa humana, direitos que devem constituir padrões de conduta material para os gestores e para as instituições administrativo- -públicas. Este princípio exige que a administração prossiga seus fins públicos orientados por um dos grandes princípios capitais, que constitui decorrência normativa e axiológica do Estado Democrático de Direito.
Perante a inércia ao qual os nossos órgãos da justiça nos habituaram em relação a assuntos dessa natureza, só nos resta esperar por uma iniciativa pessoal daquele que nos prometeu intolerância à corrupção; que nos garantiu que o bem-estar do povo estava acima de qualquer interesse; que jurou defender e respeitar a constituição, um repúdio completo e distanciado deste tipo de actos, para além de um claro e inequívoco posicionamento de contraste com a cultura de impunidade ainda vigente no País.

 
Laurindo Saraiva, jurista, Savana 26-06-2015

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