Tuesday, 19 May 2015

Quando a lógica sai de férias

 

Depois do Bispo Dom Dinis Sengulane e do Professor Lourenço do Rosário, foi agora a vez do Padre Filipe Couto vir a público denunciar a estagnação em que se encontra o processo de diálogo entre o governo e a Renamo, sugerindo que só um encontro entre o Presidente Filipe Nyusi e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, poderá ajudar a resolver a actual situação política no país.
Estas declarações dos mediadores, adicionadas à anunciada possibilidade do governo de não vir a renovar pela segunda vez o mandato da EMOCHM, tornam claro que o diálogo atingiu o seu ponto final, sem ter logrado os objectivos para os quais foi nstituído. Fracasso total, para ser mais preciso.
Que os mediadores venham sugerir que qualquer progresso neste processo depende inteiramente da intervenção dos mais altos representantes das duas partes é a manifestação da sua frustração por um processo que já deu provas de não poder ir mais além.
Cabe agora às duas partes reformular as sua estratégias e dar novo ímpeto ao processo de resolução das diferenças que as mantêm afastadas uma da outra.
Mais um encontro entre o Presidente Nyusi e Afonso Dhlakama é desejável e pode contribuir de forma significativa para ajudar a encontrar a solução. Mas se os dois encontros já realizados no princípio do ano não foram suficientes para esse fim, é duvidoso que um terceiro resolva o que ainda falta por resolver, sem que haja uma preparação adequada para tal.
O primeiro passo para que um tal encontro seja produtivo é que ambas as partes tenham de agir de boa-fé e que haja um entendimento em cada uma delas de que têm responsabilidades perante o povo.
Em segundo lugar, surge a questão de qual é o formato que deve ser seguido para a preparação do referido encontro. Está claro que a fórmula actual já esgotou a sua pertinência. Com os próprios mediadores já a não serem capazes de esconder as suas frustrações, é duvidosa a eficácia do seu envolvimento nesta nova tentativa.
Tratando-se de matérias políticas com implicações para a organização do Estado, é justo que fosse considerada a possibilidade da constituição de uma comissão ad-hoc envolvendo os três partidos com representação parlamentar, a quem se juntariam líderes religiosos e representantes da sociedade civil.
Tendo em conta que já decorre desde a última legislatura um processo de revisão da Constituição, este grupo de trabalho teria também o mandato de expandir esse debate e apresentar, depois de um determinado período, propostas que resultassem numa versão harmonizada e melhorada do projecto de lei da Renamo recentemente reprovado pela bancada maioritária na Assembleia da República.
Há, por outro lado, questões militares que ainda não foram resolvidas, apesar do acordo de Cessação das Hostilidades determinar que as forças residuais da Renamo deveriam ser integradas no exército e na polícia. Mas volvidos oito meses depois desse acordo que se esperava que fosse o último a ser assinado entre a Renamo e o governo, fica-se com a impressão de que as duas partes tinham dois entendimentos diferentes sobre o que de facto se pretendia.
Para a Renamo, não são os seus guerrilheiros que precisam de ser integrados. São os oficiais superiores que ao longo do tempo foram sendo supostamente marginalizados da estrutura das forças armadas. É um novo capítulo que se abre nesta novela que já vai demasiado longa. Até quando? Eis a questão.
Mas havendo uma orgânica que rege a estrutura das forças armadas, a questão seria de verificar objectivamente se estes oficiais foram afastados das suas funções em conformidade ou não com a referida orgânica, e a partir daí efectuarem-se as devidas correcções.
Parece lógico para os menos entendidos na matéria. Mas quando questões de natureza militar se tornam politizadas, a lógica sai de férias.

Editorial, Savana 15-05-2015

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