Tuesday, 8 July 2014

Detenção com procedimentos pouco claros


Os contornos da detenção de António Muchanga ainda não foram devidamente explicados. A Constituição da República estabelece, no seu artigo 164, o Conselho de Estado (um órgão de consulta do Presidente da República) e o nº3 do artigo 165 diz que os seus membros gozam de regalias, imunidades e tratamento protocolar a serem fixados por lei. A fixação foi feita na Lei 5/2005, de 1 de Dezembro. Esta Lei diz, no nº 1
do artigo 15, que “nenhum membro do Conselho do Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho salvo por crime punível com pena de prisão maior ou em flagrante delito”.
António Muchanga foi detido depois de a maioria dos membros do (CE) terem transmitido a Armando Guebuza que eram favoráveis ao levantamento da imunidade do conselheiro tal como a PGR solicitara.
Mas, como a lei mostra, a detenção de Muchanga carecia de prévio mandado judicial (no caso de prisão fora de flagrante delito) e validação posterior da captura por um juiz de instrução criminal (no caso de a prisão haver sido em flagrante delito). As fontes que nos relataram as incidências do CE de ontem garantiram que não houve nenhuma votação nem deliberação para este caso.
E Muchanga foi detido mesmo antes de transpor o portão da Presidência República, colocando-se aqui outra questão: para a execução da detenção, como é que as autoridades da Justiça tomaram conhecimento de que a imunidade de Muchanga havia sido levantada? Mas mesmo assumindo que na sessão de ontem os conselheiros tivessem formalmente deliberado a favor da pretensão da PGR, o quadro legal ainda não é claro quanto a procedimentos sobre a eficácia das decisões do CE.
Com efeito, a Lei do CE não especifica se todas as suas deliberações são reduzidas a escrito e se assumem a forma de “deliberação” ou de “resolução” (ou de “parecer”, noutros casos). E, se assume a forma de deliberação (como nos casos do nº do Artº 15, por força do Artº 10 da Lei do CE), isso implicaria que tal deliberação fosse formalmente concretizada por escrito, assinada e comunicada a quem requereu o levantamento da imunidade (PGR) e/ ou a quem ordenou a detenção (juiz de instrução criminal).
Por outro lado, qualquer deliberação que seja concretizada por escrito, para ter eficácia deve (pelos menos é exigível) ser publicada em Boletim da República, como no caso da suspensão de funções de um conselheiro. A falta de clareza sobre aspectos procedimentais não legitima uma actuação da Procuradoria Geral da República que viola princípios basilares de justiça, mesmo que com o beneplácito de um órgão, o CE, que todos esperavam pudesse ontem desbravar os caminhos da paz que os moçambicanos querem de volta. O Conselho de Estado deu ontem mais
um passo no caminho inverso ao da pacificação em Moçambique e dissipou as dívidas quanto a sua irrelevância política.

Marcelo Mosse, MediaFax, 08.07.2014

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