Friday, 4 April 2014

Um país normal

Ruas esburacadas, transporte público precário e educação deficitária. Isso tudo ocorre num país normal. Nesse país normal, à beira-mar plantado, os livros escolares de distribuição gratuita, dizem, não chegam a todos. Nesse país, passe a repetição normal, existem dois exércitos e as pessoas não podem circular livremente. Nesse país, dissemo-lo, normal a filha do Chefe de Estado é milionária graças ao sangue que lhe corre nas veias e à ausência de ética de quem a impulsiona.
Mas, como já o dissemos, trata-se de um país normal e com prioridades normais. Um país normal importa aviões de guerra, blindados e muito mais material bélico. Um país normal como esse de que falámos cria regalias milionárias para os ex-Chefes de Estado e também para deputados, os tais servidores do povo. Num país normal há cortes frequentes de corrente eléctrica e ninguém é responsabilizado. Nesse país normal há casas de luxo para quem não precisa e pode caminhar por si. Nesse país normal os sistemas de drenagem estão obstruídos porque é imperioso mostrar aos cidadãos que até na Europa, nos dias de chuva, também há inundações.
Esse país normal não é capaz, porque não importa, de gerir melhor as cheias cíclicas que ocorrem um pouco por todo o seu território e abreviam vidas. Nesse país normal os bens do Estado podem ser usados para acções meramente partidárias, como a apresentação de um seu candidato. Só num país normal é que o Estado patrocina, com o dinheiro do suor dos seus cidadãos, a promoção de um indivíduo que representa uma formação política.
Trata-se mesmo de um país normal, pois há muito atum e 22 milhões de patos. Nesse país normal há, regra geral, falta de medicamento no Sistema Nacional de Saúde. Nesse país normal há juízes com cerca de 12 viaturas e negócios sem concurso público que envolvem a filha do Chefe de Estado. Nesse país normal o sucesso empresarial depende de alianças espúrias congeminadas no esgoto da mais sórdida sacanice. É um país onde não há mérito para além da subserviência e no qual só é possível comer na mesa grande depois de um indivíduo se estender ao comprido na esteira dócil da genuflexão. Esse país normal, certa vez, inventou uma revolução verde, mas não foi capaz de criar um crédito acessível ao camponês.
Esse país normal foi buscar o Pro-Savana e matou literalmente a agricultura familiar. Esse país normal é Moçambique. Aqui tudo é normal, com excepção da passividade dos cidadãos. Só pessoas anormais podem coabitar com tanta sabujice sem pestanejar. Eles, os ladrões, são normais. Nós, as vítimas, é que padecemos de qualquer anomalia. Um povo decente jamais permitiria a emergência das Valentinas da vida. Nunca...



Editorial, A Verdade

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