Saturday, 19 April 2014

O problema real

Uma cadeira de liderança no aparelho do Estado, para um indivíduo sem escrúpulos, representa uma espécie de mina de diamantes. Isso é evidente e nem é necessário socorrer-se de nenhuma acrobacia intelectual engenhosa para o demonstrar. Aliás, a fortuna construída pelos dirigentes deste país, as quais coincidem com o tempo de vigência dos seus mandatos, é uma prova irrefutável de que onde escasseiam escrúpulos a abundância de dinheiro marca inexoravelmente a sua presença. Não necessariamente nestes termos.
Nesta era de especialistas em isenções aduaneiras, de vendedores informais de atum graduados na conversão do sistema analógico para o digital, ninguém sobrevive sem um instinto rapace e garras lestas para a caça aos patos. Vai este intróito a propósito da exigência da paridade, por parte da Renamo, nos diferentes ramos da Polícia, particularmente na Força de Intervenção Rápida (FIR), na Força de Protecção das Altas Individualidades e até mesmo nas escolas militares, superiores ou básicas.
Tal exigência, diga-se, parece estapafúrdia, mas não é. Não teria lugar num país despartidarizado. Ou seja, se o Exército não fosse um braço do partido no poder, a exigência da Renamo não seria possível. Se a FIR procedesse como uma força ao serviço do cidadão a exigência da Renamo seria descabida. Se o Presidente da República não exibisse aquele que vai concorrer para lhe suceder, nas próximas eleições, nas Presidências Abertas, a posição da Renamo seria, simplesmente, ridícula. Se os grandes negócios deste país não tivessem a cor do partido no poder qualquer exigência de elevar o nível de partidarização do Estado seria ilegítima.
O comportamento dos dirigentes da Frelimo em relação ao património colectivo dos moçambicanos é que torna legítima a exigência da Renamo. Portanto, mais do que espernear e advogar pelos princípios que regem o Estado é preciso desandar o caminho que nos levou até aqui. Ou seja, é preciso que a Frelimo abdique do Estado para deslegitimar a pretensão da Renamo.
Efectivamente, o problema original é a captura do Estado pelo partido no poder. Lembram-se das frases de Chipande? Quando disse, para quem quis ouvir, que a Frelimo não seria do poder de forma alguma? Naquele discurso arrogante estava embrulhado o pomo da discórdia e a confirmação de que o partido Frelimo é maior do que o Estado. E a única forma, para qualquer formação política racional conquistar um quinhão do poder, é exigir a partilha do mesmo. Não há outra forma no contexto partidário.
Contudo, se a Frelimo é um partido que ama os moçambicanos o que pode fazer, para desarmar a Renamo, é desarmar-se também. É a única via pela qual é possível transitar com a anuência de qualquer moçambicano que se preze. O resto é comédia para entreter os menos capazes mentalmente...



Editorial, A Verdade

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