Sunday, 15 December 2013

O exemplo de Mandela

Reunir tantas personalidades num estádio de futebol não é para qualquer um. O número de pessoas que largou os seus afazeres para homenagear Mandela devia levar os líderes de todo mundo a uma reflexão séria em torno das suas obras e do mal que causam aos seus concidadãos.
Nada é mais certo do que a morte. Porém, cabe ao homem escolher como quer ser lembrado ainda que seja certo que, depois do último suspiro, o que ficará a ser tratado será assunto dos vivos. Portanto, a glorificação ou endeusamento de um morto é coisas dos vivos, mas ninguém quer ser esquecido pela roda da história e chacinado pela memória colectiva dos povos quando descer sete palmos abaixo da terra.
Mandela não é nenhum santo, mas representa os mais altos ideias de um país que se orgulha de um líder que foi primeiro no sacrifício e último no benefício. Nem sequer os melhores estadistas ocidentais se podem equiparar à dimensão de Mandela. Os únicos que resistem a um mano-a-mano com Madiba pertencem aos episódios fabulosos do passado que as histórias de encantar consagraram.
Quando as portas do Estádio FNB se abriram, três horas antes da altura marcada para o início da cerimónia, o mundo testemunhou a grandeza de Mandela. Os ecrãs mostraram o quão determinante o homem que ficou 27 na cadeia foi para o Mundo. Os líderes que foram prestar tributo àquele que saiu de uma aldeia para inspirar milhões de habitantes com a sua vida deviam tentar seguir as pegadas de Mandela: o caminho mais difícil.
Perdoar e amar são coisas muito acima do comum dos mortais. Mandela perdoou e amou como ninguém. A prova do seu amor reside no tempo que abdicou de si para prestar vassalagem ao ideal da liberdade colectiva. A ausência de egoísmo que marcou cada fissura do rosto de Mandela é aterradora e, diga-se, inspiradora. Mas esse caminho é ardiloso e impróprio para os amantes do imediato, o mal dos líderes da modernidade.
Ninguém se preocupa com legados e com a forma como pretendem ser lembrados. Poderíamos falar de exemplos domésticos e de campanhas forçadas de lavagem de imagem. Mas isso seria um rude golpe para a envergadura de Madiba. Ele não merece que lhe comparem com gente que se dedica a colocar o nome em pontes e gastar tempo de antena público em orgias de genuflexão.
É preciso ignorar essa gente com todas as forças. Serão esquecidos pelo mal que nos fazem e pelas dores que nos impingem. Serão esquecidos porque até a vontade colectiva de sermos governados por outros é-nos negada com esquemas sórdidos. Não estarão aqui para testemunhar o desaparecimento do seu nome, mas os filhos e os netos terão de viver com a vergonha de terem tido um pai e um avó relegado ao sótão do esquecimento.
Se no funeral de Mandela nem a chuva persistente afastou milhares de pessoas, algumas das quais pernoitaram perto do estádio, aqui será diferente. Nem sequer os cães e as moscas aceitaram testemunhar certos funerais. Ninguém escapa incólume ao crivo do tempo...



Editorial, A Verdade

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