Sunday, 8 December 2013

As últimas 48 horas de Mandela


Mandela mulher reza velas 1Foi 48 horas antes que Nelson Mandela morresse, que o presidente de África do Sul, Jacob Zuma, recebeu um telefonema. Era o médico de Mandela. Informou-o que a situação médica de Mandela se tinha deteriorado gravemente.
Zuma recebia vários relatórios médicos desde que Mandela foi internado num hospital da capital sul-africana, Pretória, em junho e levado quase três meses depois para a sua casa em Johanesburgo, onde preferia passar os últimos dias da sua vida. Mas este relatório foi mais alarmante que qualquer um dos anteriores. Zuma entendeu então que Mandela entrara na fase final da sua longa agonia.
Leia aqui: Corpo de Mandela vai percorrer as ruas de Pretória
Mandela tinha um excesso de líquido nos pulmões, seu ponto fraco desde os anos na prisão, e sucumbia a uma infecção: a circunstância que os médicos mais temiam.
A manhã seguinte, quarta-feira, a mulher de Mandela, Graça Machel, começou a chamar os membros da família Mandela, distribuídos por toda a África do Sul e pelo exterior, a quem alertava que a hora chegava e deviam visitá-lo rapidamente.
Machel, sua terceira esposa e com quem foi mais feliz, esteve ao seu lado durante os 181 dias que permaneceu na cama entre a sua saída do hospital e a sua morte. Lia-lhe livros, sem estar muito certa se Mandela seguia o que ela estava a contar, e apertava a sua mão. Machel, ex-ministra de Educação de Moçambique, onde nasceu, e mulher habitualmente muito participativa em fóruns internacionais relacionados com a saúde pública em África, suspendeu todas as suas atividades oficiais durante o período da doença do seu marido.
Nesse mesmo dia, Maki Mandela, a filha mais velha do ex-presidente, anunciou que o seu pai estava “no leito da morte”. Já se sabia, mas este pronunciamento de Maki fez saltar os alarmes entre a população sul-africana.
Na quinta-feira pela manhã, começaram a desfilar membros da família de Mandela —filhas, netos, bisnetos— pela casa do primeiro presidente negro da história sul-africana. Entravam no seu quarto de dois em dois e em quase todos os casos saíam a chorar.
Mandela tinha estado conectado a aparelhos que o ajudavam a respirar durante a maior parte da sua doença. Mas nem a ciência podia ajudá-lo. Os médicos explicaram aos familiares que já não tinha nada mais que fazer. Mandela partia. Este era o seu último adeus.
Ministros do Governo chegaram ao entardecer e também membros da tribo ancestral de Mandela, os Thembu, para levar a cabo uma antiga cerimônia que termina após fechar os olhos da pessoa cuja alma se vai. Às 20h50 de quinta-feira, Mandela, que fez 95 anos em junho, morreu.
A surpresa foi que tivesse aguentado tanto. Durante a sua última viagem ao estrangeiro em 2008, para assistir aos festejos em Londres de celebração dos seus 90 anos, já se via que era custoso para ele andar e que não estava em plena posse das suas faculdades mentais. A memória já tinha começado a falhar. A última vez que apareceu em público foi antes da final do Campeonato Mundial de Futebol em julho de 2010 em Johanesburgo, quando apareceu no estádio numa cadeira de rodas. Daí em diante passou a maior parte dos seus dias sem se levantar da cama.
Durante os últimos meses mal podia dizer uma palavra. Pessoas próximas contam que respondia à pressão com pressão, por exemplo quando tocavam a sua mão, e às vezes seguia os movimentos das pessoas que o rodeavam com os olhos. Mas pouco mais.
Morreu na sua cama, rodeado da sua família. Pouca gente, sem excluir a ele mesmo, teria imaginado em 1961 quando fundou o movimento armado do Congresso Nacional Africano, cujo primeiro líder foi ele próprio. No julgamento pelo qual passou em 1964, o promotor do Estado pediu a pena de morte. Suspeitando que este seria o veredicto final do juiz, Mandela fez o seu famoso discurso ante o tribunal no qual declarou que “se fosse necessário” estava disposto a morrer pela causa à que dedicava sua vida, a democracia e a liberdade para o seu povo.
No final foi condenado à prisão perpétua, mas durante os 27 anos que esteve no cárcere, outros importantes dirigentes políticos negros foram assassinados pelo aparelho de segurança do apartheid, e quando Mandela saiu da prisão em 1990 o pesadelo sempre foi que algum fanático da extrema direita o assassinasse, acabando com o sonho de substituir o apartheid com uma democracia estável e condenando o país ao caos perpétuo.
Hoje a África do Sul está longe da utopia, mas evitou-se a guerra racial que muitos temiam, e agora, por mais carências que exiba o Governo do presidente Zuma, o povo sul-africano vive em democracia e em paz. Neste domingo, em todo o país, crentes e não crentes participarão em encontros religiosos para comemorar a figura de Mandela e para agradecer pela existência, na terra, de um homem, sem o qual, a democracia e a paz na África do Sul —ao seu tempo o país mais divido do planeta— singelamente não fossem possíveis.


RM
Com El Pais

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