Saturday, 6 April 2013

Um braço de ferro que já derrama sangue inocente

Não restam dúvidas que a esmagadora maioria dos moçambicanos de gema está interessado em ver o país mergulhado em nova guerra, independentemente das razões que possam estar por detrás de uma realidade do género. Mesmo os moçambicanos nascidos depois do fim do conflito armado, em 1992, com recurso a bibliografia que narra a guerra civil moçambicana, tem a ideia clara do nível de destruição e de todas as consequências nefastas que o país acumulou durante os longos e insuportáveis 16 anos de guerra opondo as forças governamentais e a guerrilha da Renamo.
Entretanto, parece haver gente neste país, com saudades da guerra e de todos os seus resultados adversos ao desenvolvimento. Um desenvolvimento que, felizmente, o país tem estado a conseguir trilhar nos últimos tempos.
Esta saudade nota-se claramente nalgum tipo de discursos que tem estado a sair de algumas pessoas, com particular destaque para dirigentes partidários, políticos que fazem parte do governo, da oposição, deputados e até de alguns “comentadores independentes”. Desde a assinatura do Acordo Geral de Paz, há um tipo de discursos que os nossos políticos, governantes, deputados, “comentadores independentes” não saem do seu vocabulário sempre que tem a oportunidade de estar diante de um microfone de rádio, da televisão e do jornal.
O discurso belicista moderno não precisa que venha em discurso directo e claro. Vem sim com nuances conotativas que levam a várias interpretações, muito provavelmente no sentido de no dia seguinte, os autores destes discursos poderem se defender com o argumento de que não queriam dizer aquilo que foi percebido pela maioria.
Pessoas que assim agem existem aos montes neste país. Quem não se recorda do recente discurso em torno do “patrão estrangeiro”. Muitas pessoas até se questionam, até hoje, sobre a identidade clara e concreta do “patrão estrangeiro”, exactamente porque o emissor deste palavreado não foi claro. Alias, o não ser claro é deliberado e estratégico, apenas com o propósito de criar confusão nas pessoas.
Também discursos do tipo: quem pisar a linha vermelha terá resposta pontual; não temos medo da guerra; estão a procura de sarna para se coçar, são recentes e, claramente, em nada contribuem para a pacificação de um país que continua a viver bastante desconfiado.
Portanto, o país está prenhe de gente que mesmo sabendo do seu estatuto social e político-governativo continuam, de forma deliberada, todos os dias, a lançar achas à fogueira num país prenhe de capim seco pronto pra arder.
Assim, as referências que o “maravilhoso povo” tem, são de gente que promove e insiste com discursos belicistas para satisfazer interesses que, certamente, nada tem a ver com o bem estar da maioria.
O fósforo foi aceso e a bomba de facto rebentou ou está prestes a rebentar.
Seguindo à risca as suas promessas, as autoridades policiais invadiram as sedes da Renamo em Gondola (terça-feira) e Muxunguê (quarta-feira), onde estavam concentrados duas centenas de membros da Renamo em cada uma das sedes. Ao que se sabe, segundo confirmam as autoridades administrativas, os referidos homens da Renamo estavam apenas nas sedes a aguardar por aquilo que nunca ficou devidamente claro. O que é certo é que não estavam armados.
Na incursão a Muxúngue, as autoridades policiais detiveram 15 membros da Renamo. Foram trancá-los nas celas do posto da PRM naquele posto administrativo.
Depois disto, na madrugada desta quinta-feira, por volta das 3 horas, os homens da Renamo foram ripostar, segundo se diz, na tentativa de libertar os seus homens detidos pela Força de Intervenção Rápida.
Nesta incursão, pelo menos 4 agentes da FIR perderam a vida e 10 foram feridos segundo confirmou o Comando Geral da PRM. A PRM diz que na contra resposta “abateu” vários homens da Renamo, incluindo o seu comandante (comandante da Renamo).
Entretanto, a Renamo não confirma morte nenhuma do seu lado. As indicações é que tudo está parado no posto administrativo de Muxúngue e alguns habitantes estão mesmo a fugir em direcção à sede do distrito de Chibabava.
Portanto, estamos a falar de 4 mortes confirmadas e (se calhar) tantas outras por confirmar, apenas porque algumas pessoas teimam em não reconciliar-se.
Somos de opinião que é a estas pessoas que se deve responsabilizar pelo estado em que as coisas chegaram. É um estado de guerra declarado para o gáudio de um grupo bem identificado de burgueses com interesses particulares e para a tristeza do verdadeiro e “trabalhador povo” moçambicano.
Porque a corda rebenta do lado mais fraco, o povo, que culpa nenhuma tem em torno da contenda entre as duas partes, já começou a pagar com seu valioso sangue esta exibição desnecessária e evitável de musculatura.
O actual estado de guerra foi e está a ser promovida por abastados que, neste momento, devem estar acomodados nos seus confortáveis gabinetes a contabilizar o número de mortos.
É a estas pessoas que é preciso responsabilizar.
Já dissemos, aqui neste espaço, que com um espírito verdadeiramente reconciliador, é possível sim satisfazer as exigências que estão por detrás da declaração do estado de guerra.
Caso não se procure com a maior urgência corrigir o actual estado de guerra declarado, estamos perante uma situação que pode degenerar na destruição, num ápice, de muita coisa boa construída com sacrifício nestes 20 anos de paz. É altura de se repensar no tipo de discursos que temos estado a ouvir e aceitar humilharmo-nos, pelo menos, uma vez na vida, tudo para o bem do “maravilhoso povo”. É que não é justo que se continue com um braço de ferro que, em última análise, vai custar caro aos actores, mas sim, para um povo que quer apenas a paz para buscar caminhos de sobrevivência e desenvolvimento.

Editorial do MEDIAFAX – 05.04.2013, citado no Facebook

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