Monday, 22 April 2013

O antro dos patetas!



As recentes notícias sobre a composição da Comissão Nacional de Eleições e das Comissões Provinciais e de Cidade fazem-me recordar uma produção cinematográfica cómica cujo título cito de memória: “O antro dos patetas”. Tal como refere o título, o antro era habitado por seres manifestamente esquizofrénicos a quem recaía a justa denominação de patetas. O enredo resume-se no seguinte: Os patetas aceitam ser governados (não me recordo se por sufrágio ou imposição) por gente com propósitos estranhos aos seus desejos e aspirações. Os tais gerentes (assim eram denominados os governantes) descobriram que afinal os patetas eram tão patetas que mesmo mexendo com seus hábitos e regras não contestavam. O clímax do filme surge quando os gerentes começaram a exigir que os patetas (homens) produzissem com altos rendimentos em suas machambas enquanto isso deleitavam-se sexualmente com as esposas dos patetas e no final de contas exigiam que os patetas tivessem filhos com as suas esposas para incrementar ainda mais a mão-de-obra e, por inerência, a produção.
Empreitada impossível: porque à noite os patetas estavam cansados de tanto cultivar e as suas esposas tão cansadas por terem passado o dia a satisfazer os deleites sexuais dos gerentes!
É exactamente essa a narrativa que se está a construir na Comissão Nacional de Eleições com vista a transformar todo um País numa fotocópia autenticada do “antro dos patetas”.
Na semana passada, a deputada pela Assembleia Municipal de Quelimane, Constância Constâncio, foi empossada vogal da Comissão Provincial da Zambézia em clara violação ao disposto na alínea m) do artigo 17 da Lei nr. 6/2013, de 22 de Fevereiro. Segundo elenca o referido artigo, a qualidade de membro da Comissão de Eleições é incompatível com a função de membro dos órgãos das autarquias locais e das assembleias provinciais.
Como se isso não bastasse, a senhora Constância Constâncio entrou para a CNE por uma organização da sociedade civil. Ou seja: um político da sociedade civil.
Na mesma província da Zambézia, entrou para a Comissão Provincial das Eleições, camuflado na sociedade civil, o senhor Jone Dias.
É membro activo do partido Frelimo e até já concorreu para o cargo de secretário do partido Frelimo a nível do Comité da Cidade de Quelimane.
Mais um político da sociedade civil que nos vai controlar votos.
Em Nampula, tomou posse como presidente da Comissão Provincial de Eleições o cidadão António Ramos.
Este senhor foi até 2010 administrador de Moma. Só é administrador quem é membro de topo na Frelimo a nível local, tal como confirmou o secretário-geral do Partido Frelimo a este jornal. António Ramos entrou para a CNE via sociedade civil.
Mais um político da sociedade civil.
Enquanto tentava digerir todos este festival de infantilização de toda uma sociedade, eis que faltava a machadada final que apareceu mesmo no final de semana. Leopoldo da Costa, actual presidente da Comissão Nacional de Eleições, acabou também por submeter a sua candidatura à última hora, à comissão ad-hoc da Assembleia da República para voltar a ocupar o cargo nos próximos cinco anos. Para não fugir à regra dos seus camaradas, Leopoldo da Costa concorre também camuflado de “sociedade civil” através da organização Nacional de Professores (ONP). Em várias reuniões dos órgãos decisores da Frelimo, Leopoldo da Costa apareceu vestido a rigor com camisetas e bonés da Frelimo a provar que é membro activo do partido Frelimo. Está mais do que evidente que colocar Leopoldo da Costa na presidência da CNE é levar a CNE a funcionar na Pereira do Lago.
Com a recandidatura de Leopoldo da Costa estava consumada a narrativa do “antro dos patetas” com a desonrosa excepção de no caso em apreço serem as nossas consciências e paciências a serem estupradas ao deleite de quem se acha esperto. Se nada fizermos, o título de patetas cairá sobre nós, não por ofensa, mas por uma questão de justiça de nomenclatura.
Temos, e em estado fresco, nas nossas memórias o estupro à democracia protagonizada pelo elenco de Leopoldo da Costa, aquando das eleições de 2009 quando excluiu um conjunto de partidos políticos, alegadamente porque não tinham processos completos, o que afinal veio se provar que era tudo parte de um plano arquitectado pela própria CNE.
Mais tarde veio se provar que afinal todos os partidos excluídos apresentaram atempadamente todo o expediente eleitoral, mas que foi simplesmente extraviado pela própria CNE. Pelo menos o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) provou em conferência de Imprensa que a CNE recebeu processos relativos à sua candidatura para a Assembleia da República com uma cópia carimbada e assinada por um funcionário da CNE.
Leopoldo da Costa e seu elenco não foram responsabilizados por terem extraviado documentos dos partidos políticos. Longe disso, vimos – momentos a seguir à proclamação dos resultados – a CNE a ser elevada à categoria de Ministério e Leopoldo da Costa com o estatuto de ministro e com todas as regalias inerentes.
Os acontecimentos de 2009 levam-nos a dizer com convicção que Leopoldo da Costa não tem condições morais para recandidatar-se a um órgão que se quer sério e isento como a CNE. Os pleitos eleitorais, por representarem o momento soberano para o povo fazer a avaliação, não podem ser geridos e dirimidos por pessoas com militância partidária comprovada. O político quer vantagens para si e para seus próximos.
O Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), através do seu departamento de Política, publicou após as eleições que sufragaram Guebuza para o segundo mandato presidencial, estudos que provam que houve enchimentos de urnas a favor de Guebuza e Frelimo. O exemplo mais gritante, segundo o IESE, aconteceu em Tete, onde o número de pessoas que foram votar é superior aos que estavam inscritos nos cadernos eleitorais. Todos eles votaram em Guebuza e Frelimo. A CNE do senhor Leopoldo da Costa nunca veio a público desmentir esses dados. Os resultados de Tete, o extravio de processos na sede da CNE levam-nos a concluir que Leopoldo da Costa é de má reputação pública, pelo menos no que a organização de processos eleitorais encerra.
Toda esta infantilização da sociedade moçambicana também serve de teste para a capacidade das organizações de sociedade civil em travar ilegalidades e abuso de poder. Até aqui a ninguém indignou todo esse enredo que visa capturar e subjugar a Comissão Nacional de Eleições às vontades do partido Frelimo. Estão criadas todas as condições para o funcionamento em pleno do “antro dos patetas” formado de forma cúmplice por cada cidadão moçambicano que assiste a esta palhaçada toda! Chamo responsabilidade aos cidadãos enquanto integrantes activos desta sociedade porque com as instituições do Estado claramente não podemos contar. Eles tiram dividendos enquanto “os patetas” continuarem patetas! Há que deixar de ser pateta!
Não compensa!
 
Matias Guente, CANALMOZ – 17.04.2013, no Moçambique para todos

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