Monday, 28 January 2013

Dor longe do fim em Gaza

MILHARES de concidadãos começam a presente semana ainda no meio do sofrimento causado pelas inundações dos principais cursos de água da província de Gaza, com destaque para o rio Limpopo. Embora, as autoridades e parceiros se desdobrem para minimizar o impacto da situação, o cenário está longe de emitir sinais de melhorias.
Chihaquelane, zona limítrofe entre os distritos do Chókwè e Macia, esteve no centro das atenções, ao acolher, até a quinta-feira, cerca de 70 mil afectados.
Aquele mar de gente aglomerou-se na zona partir de terça-feira, ido da vila de Chókwè, de Lionde e de outras regiões circunvizinhas como Conhane, Mapapa, Chihaquelane, Chiguidela, Chalucuane, Chinangue, Conhane, Marrambandjane, Malhazene, Mapapa, Muianga, Muzumuia, Sangene e Zuza.
Os primeiros abandonaram as suas residências antes mesmo das águas começarem a penetrar nas áreas residenciais, em resposta aos alertas de comités locais de gestão de risco. Estes puderam levar parte significativa dos seus bens, dependendo das capacidades de transporte.
Contudo, muitos outros, considerados renitentes, só foram dar à Chihaquelane quando a situação já era crítica por isso mesmo não puderam levar nada porque boa parte dos seus haveres já tinha sido engolida ou arrastada pelas correntes.
Na sexta-feira, a baixa de Chicumbane virou outro foco de apreensão, quando o tráfego rodoviário foi interdito pela Administração Nacional de Estradas (ANE), por uma das pontes ter ficado com as suas fundações suspensas em resultado de uma erosão provocada pela corrente das águas.
Rapidamente formaram-se filas enormes de viaturas desde a parte alta da cidade de Xai-Xai à zona da “Pontinha” e da entrada de Chicumbane em direcção à capital provincial de Gaza.
O corte da circulação rodoviária em Chicumbane ocorreu dois dias após a destruição da ligação entre o posto administrativo de Chissano e a vila de Chibuto.
Daquela forma, Maputo e parte sul de Gaza ficavam isolados do resto do país, o que representa constrangimentos e custos enormes, tendo em conta a dependência dos demais pontos de Moçambique em relação a capital.
Antes, na véspera, a parte baixa da cidade de Xai-Xai tinha vivido momentos de pânico com a entrada da água resultante do transbordo do rio. Dezenas de famílias ficaram momentaneamente sitiadas e viram parte do seu gado bovino que usa a baixa como campo de pastagem a ser arrastado pelas correntes.
Se doutro lado do Limpopo, as águas já permitiam a entrada de viaturas até ao coração de Chókwè, idas da Macia, embora o interior das ruas ainda continuasse inundado, Guijá, distrito bem perto, permanecia completamente isolado em resultado dos cortes tanto do lado da estrada Guijà/Caniçado assim como Chókwè/Caniçado.
O cenário era tal que três dias depois do início das operações de resgate ainda existiam inúmeras famílias nos telhados das casas e outras empoleiradas nas árvores à espera de resgate. Muitos ficaram nesta situação sem alimentos e correndo riscos de toda a espécie.
A fotografia constrangedora, untada com luto – o número oficial de óbitos ultrapassa 30 – das cheias de 2000 voltava à memória dos moçambicanos e dos habitantes de Gaza, em particular.



Vida ao relento em Chihaquelane


O cenário em Chihaquelane, que se estende pelas duas margens da estrada que liga Macia e Chókwè, é simplesmente devastador. Centenas de famílias desesperadas tentam tocar a vida para frente por baixo de cajueiros, visto que as tendas disponibilizadas mal chegam para atender a procura. O mesmo se pode dizer com relação a disponibilização de alimentos que só três dias depois da tragédia é que começaram a ser distribuídos.
Contudo, a situação tende a melhorar a cada dia, na medida em que chegam mais tendas aos afectados, mas, tal como reconhece o Governo distrital, aquelas infra-estruturas temporárias estão longe de satisfazer as necessidades.
Há expectativa de instalação de mais unidades durante esta semana, mas até lá, número incerto e grande parte dos 70 mil afectados, continuará tendo a sombra das árvores como tecto, rezando, a cada momento, para que não chova, sob pena de as mantas e tudo o que as águas não levaram molhar, deteriorando ainda mais a já precária situação em que vivem.
Adolfo Macie, secretário permanente do Chokwè, falou, no sábado, ao “Notícias” em cerca de 500 tendas montadas na área, mas as necessidades continuam por satisfazer. O facto é que se registou uma evolução desde o primeiro contacto da nossa Reportagem com Chihaquelane, na quinta-feira. Naquela altura, apenas existiam cerca de 20 tendas da Cruz Vermelha. As demais começaram a ser entregues às famílias na manhã de sexta-feira.
Aliás, foi na mesma manhã que diversas agências internacionais de auxílio começaram a chegar a Chihaquelane para inteirarem-se do drama e medir a resposta.
Há promessas por parte de diferentes organizações humanitárias de envio de mais tendas para acomodação das vítimas, uma vez que as existentes continuam longe de acolher a todos.
“Já montamos cerca de 500 tendas, mas continuamos com milhares de famílias ao relento, o que nos preocupa. Temos promessas de mais apoios neste aspecto. Esperamos que a situação continue a normalizar-se”, disse Macie, admitindo que é constrangedor ver agregados a viver por baixo de cajueiros.
O Programa Mundial de Alimentação (PMA) é que garante o abastecimento do centro, canalizando arroz, óleo e demais produtos, para que cada família tenha, pelo menos, uma refeição diária.
O Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), a Samaritans Purse são alguns exemplos de outras instituições que já começaram a alocar apoio diverso ao centro.


Cem tendas para escola


Cem tendas-escola, correspondentes a igual número de salas de aulas, deverão ser montadas em Chihaquelane esta semana para garantir a continuação da aprendizagem das cerca de quatro mil crianças ali acomodadas.
As infra-estruturas foram disponibilizadas no sábado pelo UNICEF em resposta aos apelos e ao cenário que se vive.
Espera-se que o número de alunos possa aumentar, mas há garantias de que os professores, também reassentados no centro, sejam suficientes para atender as crianças.
A instalação de uma escola provisória no centro visa evitar que milhares de alunos que ali se encontram percam o ano lectivo, uma vez que as autoridades desaconselham o regresso dos acolhidos às sua zonas de proveniência, uma vez que a época chuvosa continua no seu pico em Moçambique e nos países à montante dos principais rios que atravessam o território nacional.



Isolados do resto do país


Maputo e parte sul de Gaza estavam, até ao fecho da presente edição, isolados do resto do país em consequência da interdição de passagem de viaturas na ponte de Chicumbane, à entrada da cidade de Xai-Xai, na Estrada Nacional número um, devido a erosão registada na infra-estrutura, e devido à um corte registado em Licilo na rodovia que liga o posto administrativo de Chissano e a vila de Chibuto.
A estrada para Chibuto cortou-se em quatro pontos, na quinta-feira, com crateras que atingem 70 metros de cumprimento, 12 de largura e cerca de três de profundidade. Os quatro cortes estão todos entre Licilo e a ponte sobre o rio Munhuana.
Cecílio Grachane, director-geral da ANE, que falou ao “Noticias” no sábado na zona de Licilo, explicou que na zona da primeira cratera havia aquedutos, mas que não resistiram à intensa corrente.
De acordo com a fonte, pela localização dos buracos e proveniência dos 57 camiões que deverão transportar os 6240 metros cúbicos de pedregulhos, é preciso que primeiro se tape o primeiro buraco do lado de Licilo para ter-se acesso ao segundo e assim sucessivamente.
Ao que constatamos, os homens e as máquinas já estão no terreno num esforço com vista a repor a circulação naquela rodovia, crucial no cenário actual em que a EN1 está interrompida.
Apesar das dificuldades logísticas da zona, com destaque para a falta de energia eléctrica, o que dificulta operações nocturnas, o director geral da ANE disse que a ideia é tapar as quatro crateras e melhorar os cerca de 150 metros de uma das faixas destruídas pela erosão até amanhã, terça-feira.
Quanto a Chicumbane, Cecílio Grachane explicou que as fortes correntes do Limpopo iam com sedimentos e vegetação que bloqueou as passagens, o que fez com que a própria água provocasse uma erosão nos encontros da ponte e até nos seus pilares.
Como medida de segurança, suspendeu-se a passagem de viaturas logo na madrugada de sábado para dar lugar a operações de limpeza por baixo da ponte.
A ideia, segundo o nosso interlocutor era fechar a passagem para trabalhos por 24 horas, até ontem, e no final, decidir-se pela reabertura ou não da via.



Viajantes agastados


Até a noite de sábado a fila de viaturas que pretendiam entrar em Xai-Xai passava o centro de Chicumbane, cenário que já se tinha agravado ontem. Do lado oposto a situação era a mesma.
Se os passageiros que se fazem transportar nos “chapas” podem descer em Chicumbane e caminhar para a cidade de Xai-Xai e vice-versa, centenas de camionistas e demais cidadãos em carros próprios ou cuja natureza da viagem não permite essa manobra são obrigados a esperar até que a via seja reaberta.
O desespero era enorme e notável em quase todos os semblantes. Tanto nos que estavam obrigados a esperar como nos que atravessam a ponte em perigo para qualquer um dos sentidos.
A nossa Reportagem ouviu depoimentos de automobilistas e de passageiros retidos em Chicumbane e o desgaste é similar.
Inácio Alfandega, condutor de um camião da empresa Lalgy, que transporta farinha de trigo para Vilankulo, disse que chegou ao local cerca das 2 horas de sábado. Até ontem lá continuava sem ideia do dia da partida.
“Como camionista estou acostumado, mas isto não deixa de ser chato e complicado”, disse.
Luís Mucavele, que ao volante da sua mini-bus VW, transporta passageiros da África do Sul para Massinga, Inhambane, mostrou-se agastado com o facto de o país não dispor de vias alternativas que seriam usadas em situações como a presente.
Ajuntou que não havendo capacidade da parte do governo de construir mais vias, que abra a oportunidade para privados fazerem apontando a Estrada Nacional número quatro, materializada pela Trans African Concessions, como um exemplo de parcerias que se podem materializar.



José Chissano, na Macia, Notícias

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