Thursday, 4 October 2012

Frelimo deve adoptar políticas de inclusão e boa convivência com os partidos da oposição

Diário de Moçambique” (“DM”): Senhor pastor, o país comemora, a 4 de Outubro, 20 anos de paz. O que se lhe oferece comentar?
Domingos Salvador Abrantes (DSA): Bem, é assim, primeiro para dizer que não somente eu mas todos os moçambiqcanos estão felizes porque, como os políticos têm dito, a paz veio para ficar. Eu penso que, de facto, a paz veio para ficar. Estamos em paz, estamos felizes. Só que neste ano, já que a celebração do Acordo Geral de Paz (quase) coincide com a realização do 10º Congresso da Frelimo, penso que uma vez que o partido está (esteve) reunido, devia criar condições para reforçar a paz para torná-la efectiva.

“DM”: De que maneira?
DSA: É assim, nós os religiosos temos acompanhado pequenos tumultos que se registam pelo país. Isso não é bom. Por exemplo, aquela confusão que aconteceu em Nampula entre a FIR e os homens armados da Renamo. Também as queixas dos partidos da oposição de lhes serem retiradas as suas bandeiras em algumas zonas do país. Nós religiosos vemos isso como alguma insegurança por parte da Frelimo, porque ontem a questão era inversa. Era a Renamo que agredia as populações ou fazia outros desmandos, mas hoje nós estamos a ver que é o partido Frelimo que está a tentar criar alguma agitação, quando devia dar um bom exemplo.
Eu recordo que, recentemente, o procurador-chefe provincial de Manica condenou a actuação de alguns governantes por alegadamente mandarem retirar as bandeiras de outros partidos, o que classificou de acto inconstitucional. Isso pode realmente agudizar o conflito porque conflito não é só o disparo de armas.
Por exemplo, aconteceu há pouco tempo no Chimoio que jovens da Frelimo e do MDM envolveram-se em escaramuças. Isto é um conflito e não é bom. Então, eu penso que neste ano em que se celebra mais um aniversário sobre a paz e coincide com a realização do congresso da Frelimo, devia este partido reflectir melhor para que de facto a paz seja efectiva, no sentido de que não haja derramamento de sangue de qualquer maneira. Digo isso em relação à Frelimo porque está no poder, o problema é que o poder é doce e quando há certa ameaça a tendência é para se defender e eles acham que a melhor maneira de o fazer é usar o poder.
Mas não é assim, porque nós estamos num Estado de Direito, num país democrático, ou que se pretende como tal, então é necessário que o próprio Estado e o Governo se abram, sejam cada vez mais abertos para poderem atender esses princípios democráticos, se bem que existe uma boa vontade por parte do Executivo. Agora, neste momento, na minha maneira de ver, é o Governo da Frelimo que está a tentar ser um bocado agressivo e os outros partidos passam o tempo a apelar à sociedade e à comunidade internacional para pressionar o Governo e a Frelimo para poder respeitar as leis no país, se o que se pretende realmente é a democracia. Eles não podem fazer mais nada, mas pode acontecer que um dia levem catanas e machados para...

“DM”: Mas a Renamo possui armas...
DSA: Sim, a Renamo tem armas, é verdade. Imagine que um dia qualquer eles (Renamo) resolvem fechar estradas e disparar sobre cidadãos indefesos e inocentes...

“DM”: Não acha perigoso um partido possuir um exército para sua defesa, em tempo de paz e num país democrático?
DSA: Sabe, eu não sou Dhlakama e nem quero pensar no lugar dele, mas a minha maneira de ver é que nós estamos em África. Recorda-se que a Frelimo não é a mesma que foi em 1975/76 até mesmo nos anos 80 e 90. Ela tentou mudar um pouco na sua forma de actuação. Não deixou de ser Frelimo. Em África, segundo o meu ponto de vista, o que pesa muito é a arma. Acredito eu que se a Renamo talvez não tivesse armas, hoje a Frelimo podia espezinhá-la, como está a acontecer em Angola, onde o MPLA espezinha a oposição. Veja-se o exemplo do Zimbabwe, onde aquele partido de Tsivangirai, que não possui armas, até o seu líder foi posto na cadeia e foi humilhado.
É por isso que aqui, em África, não se respeitam as leis. Aqui é a lei do mais forte e quem é mais forte é aquele que tem armas. E como é que a oposição vai fazer-se valer? Tudo está concentrado no partido que está no poder, e aparece alguém sem armas e quer desafiar. Isto é África.

“DM”: Então concorda que tenhamos uma Renamo, um partido da oposição, que tenha armas para se defender do partido que está no poder?
DSA: Bem, eu posso até não concordar até certo ponto. Mas a situação real obriga. É a mesma coisa que me perguntar se concordo que cada cidadão tenha uma arma em sua casa para se defender. Digo que não, eu gostaria realmente de viver numa sociedade de paz. Mas quando ela está cheia de ladrões e bandidos, eu sou obrigado a ter uma arma para poder me defender.
Se o Estado não garante a defesa do cidadão... vamos supor, hoje é comum as pessoas andarem na rua e serem assaltadas e ficarem sem os seus bens, às vezes com polícias a assistirem, isso é normal? O que é que o cidadão deve fazer para se auto-proteger? Vai pensar em andar com uma faca. Mas se o fizer corre o risco de ser conotado com os malfeitores, apesar de o instrumento servir apenas para se defender dos verdadeiros bandidos, porque a polícia não consegue defender os seus interesses.
Agora, se nós tivéssemos um Estado que respeita as leis, eu tenho a certeza de que não haveria necessidade de alguém ter armas, porque o Estado estaria sempre pronto e preparado para defender os interesses de qualquer um. Se houvesse uma justiça em Moçambique que defendesse os interesses de qualquer partido político ou cidadão, não haveria necessidade de haver por aí cidadãos com armas.

“DM”: Como sairmos desta situação?
DSA: Olha, eu estou a ficar feliz porque os jovens estão a estudar. Eu sei que não é realmente um problema assim de resolução a curto prazo. Isso vai ter solução um dia, porque muitos jovens estão a estudar. Nisto eu tenho que louvar o Governo da Frelimo porque está a abrir universidades em todo o país, mesmo que se questione a qualidade do ensino, mas está a distribuir certificados e diplomas. E isso é positivo.
Eu penso que quando houver muitos indivíduos no sul, centro e norte a estudar, hão-de aparecer alguns para poder defender a verdadeira democracia. Defender realmente a lei. Por exemplo, estou a acompanhar pela televisão que houve crítica lá no congresso da Frelimo. Houve pessoas que disseram que isto ou aquilo não pode, há ditadura aqui dentro do partido. Já é muito bom, essa abertura porque antes não havia.
E esses que falaram lá, realmente estudaram, já têm coragem de poder tentar mudar a questão interna lá no partido.Tenho a máxima certeza de que se a Frelimo for um partido moderado, a Renamo vai deixar sozinha as armas. Vai ter que abandonar porque já não vai haver espaço ou necessidade de mantê-las porque os seus interesses estarão a ser defendidos pelo Estado. Então, porquê ter armas?
É por isso que eu quero acreditar que isso vai acontecer e penso que desde que a Renamo tem essas armas nunca esteve na estrada a disparar para matar as pessoas mas tem as armas e sabe porquê. Se fosse para reiniciar a guerra, já o teriam feito mas o que eles querem, na minha maneira de ver, é que se um dia a Frelimo entender querer brutalizar o seu líder, estarem em condições de o defenderem. Aquilo é pelo menos para que possam dizer cuidado, se vocês querem nos atacar, estamos preparados.
Então, a Frelimo, como sabe que eles têm armas, é o mesmo que dizer uma pessoa sabe que numa determinada casa há arma, como é que vai entrar lá para roubar?
Olha, nos Estados Unidos da América, país onde estive em 2004, o índice de assaltos não é alto e uma das causas é porque qualquer cidadão lá tem arma para se defender. É verdade que isto não se pode aplicar aqui em Moçambique. Então, estou a tentar justificar que essa é uma das razões por que a Renano até hoje ainda tem armas em sua posse. É para conseguir que seja respeitada, porque somos africanos, porque para africanos o enriquecimento é conseguido através do poder e não se pode entregar esse poder de bandeja.

“DM”: São 20 anos de paz e não tenho memória que neste tempo todo o país tenha conseguido juntar todos os intervenientes no processo de paz para uma comemoração conjunta. Acha que neste ano vai ser possível?
DSA: Faz lá uma experiência. Vai ter com o Dhalakama, com o Daviz Simango e com o Guebuza. Tente ver onde há boa vontade. Na minha maneira de ver, penso que a oposição tem esta vontade de que quando é dia da paz todos estejam juntos e festejem como irmãos, como moçambicanos, porque afinal de contas os partidos políticos existem não para nos dividir.
Eu penso que é como as igrejas. Há tantas no país, mas nós nos unimos. Não há divisão. Somos todos homens de Deus, até o Papa católico visitou recentemente o Médio Oriente. Os políticos devem aprender com a igreja. Veja que a maior parte deles até são ateus. Só vão às igrejas para conquistar o eleitorado. Não é porque realmente amem ou temam a Deus.
Agora, quando me fala porque é que num 4 de Outubro, todos os partidos não podem estar juntos e comemorar o dia da paz é porque há quem tem medo.

“DM”: E quem é que tem medo?
DSA: Quem está no poder, mas não devia ser assim, pelo contrário, devia mostrar mais abertura para ganhar a simpatia das pessoas porque elas pensam, reflectem. É como um pai de família que, se é aberto, dialoga com todos e ganha a simpatia de todos. Agora, quando se fecha, então isso não é bom. Eu penso e bato na mesma tecla, para mim, o grande problema está no partido que está no poder. Não está a criar bom ambiente.
Vou-lhe dar outro exemplo. Veja só que quando há cerimónias centrais de qualquer data importante, o partido no poder o que é que faz? Procura alguns partidos sem expressão e que têm grande estima com a Frelimo e diz que são representantes da oposição e podem falar em seu nome, notando-se a ausência da verdadeira oposição legitimada pelo voto popular, neste caso a Renamo.

“DM”: Mas essa oposição recusa-se a participar...
DA: Recusa-se porque não existem condições reais para o diálogo. A Frelimo devia usar o mesmo processo que usou para convencer a Renamo a participar nas conversações de paz que culminaram com o Acordo Geral de Paz, porque todos os partidos da oposição querem diálogo, querem comunicação e aproximação.
É conversando que realmente nós vamos chegar a uma conclusãio e a um entendimento. A exclusão não é um bom processo. Não se pode subestimar o adversário. Samora Machel dizia isso, não podemos subestimar o inimigo. E até usava um dito popular que dizia que é preciso matar o jacaré enquanto ainda está no ovo. Não se pode deixar crescer.
Então, não é correcto subestimar os outros porque são pessoas como nós, pensam como nós o fazemos. Por isso, a Frelimo tem que ser aberta e tomar a iniciativa de chamar esses partidos para dialogar e participar na vida do país. Tem de dar espaço e oportunidade e não perde por isso. Agora truques podem levar o país para a guerra. A própria Frelimo hoje diz que está estável porque os países vizinhos são amigos e mesmo que um dia haja conflito estamos protegidos. Isso pode ter dias contados. Não se pode pensar que os partidos amigos que governam esses países são eternos.
Pode acontecer que um dia eles deixem o poder e entrem outros que não sejam amigos e aí? E nalguns desses países já há sinais de convulsões, como no Zimbabwe, Botswana, Sudão e outros. Há tensão no nosso continente, então porque a Frelimo não pode criar um outro ambiente para que esta paz seja duradoira? Eu não estou a falar de armas, mas dos tumultos e confusões que acontecem.

“DM”: Há opiniões que defendem que a descoberta de recursos naturais em vez de criar condições e estabilidade e concórdia, podem, pelo contrário, trazer conflito e divisão. Quer comentar?
DSA: Concordo com esses analistas porque, primeiro vamos ver alguns países no nosso continente, por exemplo a Nigéria, que tem petróleo. O Congo, por ter diamantes, porque é que há esses conflitos? Por causa da riqueza. E porque é que a riqueza gera conflitos? Porque há má distribuição dessa mesma riqueza.
Eu pergunto: Como é que é possível em Tete, onde fica a Hidroeléctrica de Cabora Bassa, os respectivos habitantes não terem energia de qualidade? Como é possível que lá no meio do mato, nas zonas rurais onde a madeira abunda e é desenfradamente explorada e exportada, como é possível que quando alguém morre é embrulhado em caniços, esteiras e folhas de árvores e não tem direito a um caixão digno? Como é possível que os que vivem nas margens de um rio como o Zambeze, não comam peixe de qualidade? Mas a pessoa que vive em Maputo, Beira ou outra cidade, onde não há arvore nem rio, é sepultada num caixão de luxo e come peixe de boa qualidade.
Quer dizer, o problema é de políticas. Eu costumo dizer às pessoas que a grande arma que o colono português usou para ficar em Moçambique 500 anos, foi manter o analfabetismo nos moçambicanos. Não escolarizou. Mas isso não vai acontecer agora porque as pessoas estão a estudar, mesmo os que estão no mato, os filhos estão a estudar e começam a compreender o valor das coisas, a desigualdade, e é aí onde vão começar a bater na mesa.
Tenho a máxima certeza de que isto não se vai perpetuar. Eu concordo que essa descobetrta vai trazer conflito sim, porque, por exemplo temos as minas de Moatize. É verdade que a maior parte dos cidadãos locais estão a beneficiar dessas minas? Olha, eu não conheço com profundidade o que realmente ou qual é a política que esta sendo usada. Mas o que posso afirmar é o seguinte: Se o Governo usar boas políticas de distribuição daquela riqueza para os cidadãos nacionais, vai ser elogiado e louvado. Mas se não fizer isso, isto é ter boas políticas, vai haver confusão e contradições, porque não vou acreditar que os de cabo delgado, por exemplo, se se descobrir petróleo, ele venha a beneficiar pessoas do centro e sul do país e eles continuarem na desgraça.
Na Nigéria há confusão por causa disso. Idem em Cabinda, em Angola, onde os da FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda) desde há muitos anos estão fazendo barulho por causa da discriminação na distribuição dos proveitos do petróleo.
Eu sinto muito como morreu o Kabila e o seu filho está em apuros. Também sinto o mesmo em relação ao Kadhafi e gostaria que os nossos dirigentes tivessem a postura do Mandela, único líder africano que vai morrer feliz, com honra e pompa. Soube dizer agora chega, governem, eu fico vosso conselheiro.
Por isso, eu penso que as riquezas podem criar problemas, sim, porque há já tendência de ocultar, de fazer com que os moçambicanos não acompanhem passo a passo a exploração dessas riquezas e a sua distribuição, não de dinheiro mas criar e dar oportunidades iguais a todos os moçambicanos para usufruírem, quer concorrendo em igualdade de circunstâncias para empregos, ou aqueles que puderem participar como accionistas ou serem empreendedores.


Diário de Moçambique

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