Friday, 21 September 2012

O silêncio também é funcional

A fazer fé da informação veiculada nas páginas das publicações da Mediacoop, o director do Gabinete de Propaganda e Mobilização do partido Frelimo, Edson Macuacua, convocou uma reunião com um grupo de jornalistas seniores caracterizado pelo facto de serem ou directores ou comentadores políticos e sociais, cujo objectivo, segundo a Mediacoop, foi de comunica-los o seu descontentamento face as críticas à Frelimo veiculadas na comunicação social. Macuacua ordenou-os a “moderar ou alterar” a tendência sob pena de porem em causa os seus lugares “porque a Frelimo tem esse poder (sic)”. Ora, isto é muito preocupante! Preocupante porque transmite a ideia de Macuacua não sabe qual é o papel de uma comunicação social num contexto onde um partido detém uma maioria absoluta.
Será mesmo benéfico para a Frelimo a criação de um espaço onde todos cantam da mesma pauta musical, sem possibilidade de ouvir outras músicas, por mais agressivas ao ouvido possam ser? É um facto que a Frelimo detém um grande poder. Porém, é preciso recordarmo-nos do que Voltaire disse: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.” Portanto, poder é responsabilidade e que não deve ser exercido de forma arbitrária. E esse poder deve ser exercido de tal sorte que os quatro critérios mínimos (eleições livres, transparentes e justas; direito ao voto para todos os cidadãos em idade eleitoral garantido; garantia das liberdades políticas e civis, incluindo a liberdade de imprensa, liberdade de associação, e liberdade de criticar o governo sem medo de represália; autoridades recebem autoridade para governar e que não estejam sob tutela militar ou do clergo) de um Estado democrático sejam respeitados.
O exercício do poder político deve ele ser de forma formal e não informal. Portanto, como governo a Frelimo tem a obrigatoriedade de fazer respeitar as leis e respeitá-las também, e de não de alterá-las quando as coisas não lhe convirem.
Jurgem Habermas disse que a extensão da democracia depende da institucionalização de mecanismos de mediação, tais como sistemas eleitorais, parlamentos e uma imprensa livre. Essa mediação ocorre dentro daquilo que Habermas chamou de “esfera pública”, a saber um lugar cuja função é mediar as preocupações dos cidadãos dentro da sua vida familiar, económico e social em oposição com as exigências e preocupações na vida social e pública. Portanto, é dentro da esfera pública onde se molda a opinião pública (sobre este conceito falarei adiante) visto pressupor-se que há liberdade de expressão e congregação, uma imprensa livre e o direito de se participar no debate político e tomada de decisão. Por seu lado, o politólogo Richard Sandbrook diz que a consolidação da democracia depende em larga medida na institucionalização de duas organizações intermediárias – partidos políticos e órgãos de comunicação social independentes (no sentido de livres de interferência do governo do dia) e críticas. Para Sandbrook, os partidos políticos e órgãos de comunicação social constituem um indicador da democracia importante, daí que é difícil conceber-se uma democracia consolidada que não inclui um sistema político e uma comunicação social eficazes.
Existe um assumpção de que a comunicação social em geral e a televisão em particular não apenas nos dizem o que devemos pensar mas também fornecem uma visão sanitizada sobre o que todos pensam. A comunicóloga alemã, Elizabeth Noelle-Neumann, definiu opinião pública como sendo atitudes que alguém expressa sem correr o risco de ficar isolado da sociedade onde se encontra inserido. Há aqui um elemento de que a opinião pública mantém as pessoas em linha, mas mais sobre isto adiante.
Para Noelle-Neumann, num cenário onde a comunicação social não apresenta proporcionalmente um largo espectro de pontos de vista cria-se a chamada ignorância pluralística, que ela define como a acção de não expressar a própria opinião por força da indiferença do grupo, isto é, cria-se no indivíduo a crença de que a realidade é essa que a comunicação social apresenta e exime-se de pensar sozinho para validar ou não essa perceção. E quanto mais se adensar a opinião de um saudável estado de nação, mais os que têm um ponto de vista diferente, aparentemente uma minoria, hesitarão em expressar a sua opinião em público, segundo a Teoria do Espiral do Silêncio cunhado pela Noelle-Neumann.
Segundo a teoria, se a maioria das pessoas têm uma opinião contrária à sua, podes ficar receoso de expressar a tua opinião em público. E se pessoas com uma opinião similar à sua não falarem em público, poderás observar um decréscimo de vozes apoiando a sua opinião. Contudo, nunca ficou claro se o declínio representa apenas um decréscimo de apoio público à uma opinião ou uma mudança de opiniões privadas, isto é, se mudou a sua opinião para ser consistente com a opinião dominante. Portanto, o receio do isolamento leva o indivíduo a conformar com a opinião dominante para, entre outros, não colocar em causa o seu lugar “porque a Frelimo tem esse poder”.
Num país onde o partido no poder tem uma maioria absoluta e onde a oposição é deveras fraca, torna-se mais importante ainda que a imprensa seja de facto e de jure livre para exercer a sua função de mediar a esfera pública. Portanto, ao invés de convocar jornalistas seniores para mandar recados, Macuacua devia ter pedido espaço (duvido que lhe possam recusar) para explanar as ideias da Frelimo sobre os seus projectos actuais e futuros para a nação. Na minha ingenuidade, quero eu pensar que é do interesse da Frelimo ver em Moçambique uma comunicação social crítica e responsável, que permite a circulação de ideias e opiniões, e facilitação de debate político, o que pode-lhe servir de barómetro com a qual medir o pulsar da vida económica, social e política moçambicana.
A comunicação social é fundamental no funcionamento das democracias. Ela ajuda no estabelecimento do projecto democrático e sustentação do discurso democrático. Ademais, a comunicação social desempenha um papel muito importante na intermediação dos interesses nacionais (económicos, políticos, sociais e culturais); por constituir um instrumento que um espaço onde as configurações física, social, económica e política nas quais os diferentes pontos de vista são negociados e reproduzidos. Portanto, a comunicação social é uma plataforma por excelência onde a sociedade pode participar abertamente e em igualdade de termos (?) na definição, discussão, negociação e debate das questões nacionais partilhadas e muitas vezes controversas.
É verdade que Edson Macuacua pretende que o seu partido tenha uma imagem positiva visto ser sua tarefa engendrar um quadro que lhe é favorável, mas que seja dentro do respeito às leis vigentes. Ele tem esses deveres (positivos e negativos), sendo os deveres positivos, os que prescrevem um determinado curso a tomarmos. Por exemplo, garantir a obediência dos estatutos da Frelimo, da constituição ou da lei de imprensa. E os negativos os que nos proíbem de executar uma certa acção que possa causar danos a terceiros. Limitar o acesso à informação de forma deliberada é causar danos aos moçambicanos.
Mandar recados de como “moderar ou alterar” a possível evidência de um mau retrato da Frelimo, ele não faz mais do que confirmar a percepção dos críticos do seu partido de que aquela instituição política é arrogante. Penso que não é esta imagem que a Frelimo quer chamar para si. Um gestor de imagem de uma instituição política tem, por inerência das suas funções, que saber defender o seu partido, entrando na esfera pública do debate sem alterar as regras do jogo a seu bel prazer. Outrossim, estará a prestar um mau serviço ao seu partido.
Ademais, o mesmo gestor de imagem tem de estar preparado para confrontar as ideias e críticas vindas tanto da oposição como da comunicação social e sociedade em geral, e mostrar por A + B porque vale a pena entregar o poder à sua instituição política. Passar por cima das leis e direitos fundamentais dos cidadãos e, por conseguinte, criar um espaço onde todos cantam da mesma pauta, pode até levar o partido no poder a pensar que está tudo bem e cair no conformismo, e isto poderá ser perigoso para a sua própria trajectória política.

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