Saturday, 19 May 2012

Um perigo e um problema chamado Khálau

A partir destes pronunciamentos, não há dúvidas de que este comandante-geral é um indivíduo perigoso para o tipo de sociedade que se pretende construir, uma sociedade cultivada pelos valores da democracia pluralista.

A nossa sociedade enfrenta hoje, mais do que nunca, um grande desafio: erradicar um perigo e um problema. Esse perigo e problema chama-se Jorge Khálau é comandante-geral da Polícia da República de Moçambique. É que Jorge Khálau revelou ser um perigo para uma sociedade que se pretende pacífica e que, lentamente, vai consolidando os processos democráticos, ao colocar o regulamento interno de um ministério (Ministério do Interior) como um instrumento jurídico-legal acima do qual não existe outro. Isto é, Jorge Khálau sobrepôs o Regulamento Interno do Ministério do Interior às leis ordinárias e, até, à Constituição da República de Moçambique (lei-mãe).
Vale recordar o que ele disse: “Nós conhecemos as leis. Nós não obedecemos a nenhum juiz. Nós tomamos as nossas medidas internas. Agora dizem que (o regulamento) está ultrapassado! Muito obrigado! O código penal de que ano é? 1886. Só o regulamento da polícia é que está ultrapassado? Houve violação de normas internas (...).”. Mais: “A polícia tem normas internas. Não precisamos de autorização da procuradoria para disciplinar os nossos agentes quando cometem irregularidades. A atitude tomada pelo tribunal visa desencorajar os esforços no combate ao crime, mas nós não vamos parar”. Estes pronunciamentos esclarecem que Khálau não só parece estar a viver um dilema de comparar o regulamento interno do ministério que o emprega com o Código Penal, como também desafia vários dispositivos constitucionais, dos quais o artigo 38, que determina que “Todos os cidadãos têm o dever de respeitar a ordem constitucional.” Ora, uma das ordens constitucionais, estabelecida no artigo 215 da mesma constituição, fixa que “As decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de outras autoridades” e que, “No exercício das suas funções, a Polícia obedece à lei (art. 254º/3)”.
Quer dizer, nem Khálau nem o seu regulamento interno têm competência, poder e autoridade para se sobreporem às decisões dos tribunais.
Nunca imaginava que existisse, em Moçambique, uma espécie de pessoas com um pensamento à contracorrente. Hoje, tenho de me dar por feliz, porque, finalmente, descobri que, de facto, Moçambique é um país não somente pluralista em termos democrático como também em espécies humanas. Temos, com certeza, espécies para todos os gostos. É essa anormalidade que faz deste país um dos maiores destinos turísticos do mundo. Um país em que um licenciado em direito desconhece as normas elementares que regem a sua própria área de formação e não sabe que as decisões dos tribunais prevalecem sobre o regulamento interno do seu ministério.
Khálau, tal como disse o professor Gille Cistac, tem de rever as suas noções de direito. É inadmissível que um indivíduo licenciado em direito encha os pulmões de ar para libertar a tamanha baboseira. Pena que estamos em Moçambique, um país em que os dirigentes não são responsabilizados pelos seus pronunciamentos. Se estivéssemos num outro mundo, talvez Khálau não fosse, a esta altura, o comandante-geral da Polícia pela gravidade dos seus pronunciamentos.
O que Khálau está a dizer, na verdade, é que a polícia que, infelizmente, ele dirige nunca deve acatar decisões de nenhum tribunal, sempre que essa decisão contrariar o regulamento interno da polícia. Está, sem dúvida, a implantar indisciplina na polícia, já demasiadamente indisciplinada. Com isto, moralmente, Khálau já não dispõe de condições para se manter à frente de um órgão de grande responsabilidade na segurança do país.
É que se Khálau não é ingénuo, muito menos infantil, então temos de reconhecer que o seu pronunciamento público resulta de uma premeditação, não existindo, aqui, qualquer dose de inocência. Ora, a partir destes pronunciamentos, não há dúvidas de que este comandante-geral é um indivíduo perigoso para o tipo de sociedade que se pretende construir, uma sociedade cultivada pelos valores da democracia pluralista. E se é perigoso, significa que a sua perigosidade pode minar todo o esforço de um país, constituído por pouco mais de 20 milhões de habitantes, daí a necessidade de uma decisão urgente: uma terapia de choque ou seu afastamento de posições de decisão. Pareceu-me que tivesse confundido literalmente Moçambique com Guiné-Bissau.

Lázaro Mabunda, O País

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