Thursday, 3 November 2011

Quando é que os alucinados percebem que estamos sentados numa bomba relógio?

Manter sob seu exclusivo controlo os principais dossiers económico-financeiros nacionais, a terra, as concessões mineiras, o cofre do Estado, é a agenda que está a levar a “nomenklatura” que por ora nos governa, a alucinar. Com o pressuposto de que a terra e o que está no subsolo é do Estado, um grupo de autênticos abusadores está a usurpar o País até à exaustão, com o mesmo discurso de que se servia um déspota do norte de África que acabou constituindo uma das maiores riquezas conhecidas em uma única família que se instalou no Poder e fez do Estado a sua machamba, e no seu percurso fez as figuras mais notáveis da política mundial renderem-lhe vassalagem até que um dia todo um Povo foi obrigado a ceder vidas dos seus melhores filhos para naquele País se porem os pontos nos iiis.
Chamam agora “Primavera Árabe” à onda de “indignados”. Ninguém contava com ela. Começa a estender-se até aos países em que se imaginava que estivesse mais garantida a sobrevivência dos respectivos regimes.
A alucinação entre nós já ultrapassa em larga medida tudo o que é humanamente admissível.
O que a Constituição prevê que seja do Estado não passa de um artificio. Quem governa, com o seu poder discricionário, a seu bel-prazer manipula tudo e todos. Subjuga um Povo inteiro aos seus apetites desmedidos.
O que deveria estar na esfera do bem comum se todos se conformassem com o espírito da nossa Constituição, está a ser drenado para o controlo privado de quem governa dos seus afins.
A mais alta “nomenklatura” político-governamental, para manter o equilíbrio entre diversas alas, usa e abusa da terra, das concessões, dos mega-projectos.
No entretanto, todo um Povo cada vez mais depauperado continua a ser adormecido discursos entorpecedores. Sobretudo nas zonas do interior do País, embora obviamente se note alguma diferença relativamente aos tenebrosos anos da guerra civil, proporcionalmente a algumas melhorias substanciais que se nota haver em algumas áreas urbanas, o campo está a regredir quando é de lá que estão a vir os milhões que engordam os que adormecem este nosso “maravilhoso Povo” com apelos sistemáticos e obsessivos à auto-estima e ao patriotismo.
Acreditamos que se não fossem as políticas manipuladoras de certos cidadãos que tomaram o Estado como a sua machamba, Moçambique estaria hoje muito melhor do que aparenta. O “verniz” encobre uma miséria degradante e uma esmagadora maioria populacional espezinhada.
Quem já deu todas as cambalhotas que precisava de dar na vida para nos enganar, para enganar toda uma sociedade civil adormecida por instituições que não passam, ao fim e ao cabo, de organizações castradoras dos mais elementares pressupostos de uma cidadania pró-activa, insiste na mesma estratégia sem se aperceber que “o Povo já abriu os olhos”.
É – cada vez mais – impossível admitir-se que o mesmo método possa continuar a resultar.
O volume de abutres cresceu. O “bolo” está a tornar-se insuficiente para tantas bocas “esfomeadas” e a par disso cresce uma perigosa mas cada vez mais consciente – embora silenciosa – onda de indignados apenas à espera do melhor momento para passar a ditar as regras do jogo.
O “bolo” já está a tornar-se insuficiente para tantos vassalos. Até a classe média começa a sentir que chegou a hora de ser mais solidária com os que já estão na fossa.
Os abusos dos sem vergonha que se montaram no Estado e chamaram a si benefícios que em nenhum Estado governado com seriedade se pode admitir, já estão a ser compreendidos por quem até há pouco parecia ter fé em quem nos governa.
Moçambique está hoje refém de interesses particulares de uma meia dúzia de pessoas que não percebe que só a distribuição mais cuidadosa das oportunidades e dos rendimentos poderá salvar-nos do cataclismo.
Ignoram que com os seus hábeis discursos manipuladores foram já sobejas vezes surpreendidos e de um momento para o outro a revolta pode eclodir ao nível nacional sem que as forças preparadas para reprimir os indignados sejam suficiente para tamanho território.
Não são capazes de entender que as “magias”, com que conseguiram iludir a população durante décadas, mantendo-a na ignorância ou convencida que os diplomas com que estão a ser municiados são suficientes para vencer os desafios neste mundo global, já não funcionam.
Insistem. Não percebem que o mundo mudou e as estratégias de desenvolvimento são outras.
Assaltam os pelouros governamentais recorrendo aos mais odiosos truques para extorquir o Estado.
Alimentam o tráfico de influências.
Cultivam o nepotismo.
Impedem o País de evoluir e desenvolver-se. Intitulam-se salvadores da Pátria. Dizem-se insubstituíveis.
Usam o tribalismo para se arvorarem líderes étnicos.
No Estado, sabe-se, sente-se, que não se trabalha ao mais alto nível. Os grupos apenas
se digladiam a ver quem chega aos postos de decisão para se rodearem de benefícios.
Devemos ser hoje um dos Estados do mundo com o maior volume de despesa pública para manter a “nomenklatura” governamental.
O país está podre!
Os contratos e compras são adjudicados contra prévia recepção de “envelopes”. Os cheques deixam muitos sinais…
A corrupção está a atingir níveis altamente preocupantes. O que se pode antever é de graves consequências.
O escandaloso conflito de interesses entre o público e o privado constitui o principal entrave para o desenvolvimento de Moçambique. Nunca se sabe onde começa o ministro e acaba o empresário…
Do mais alto nível vem o exemplo da bandalheira…
Uma teia incomensurável de interesses está condenando Moçambique.
A situação no aparelho do Estado é hoje inaceitável. Dominam os imorais, quiçá criminosos, não estivesse a Justiça subvertida.
Os cidadãos, com esta forma de governar, são atirados para a indigência. Milhões de pessoas são sujeitas ao que mais desumano se conhece num Estado com os seus altos funcionários a exibirem as mais escandalosas benesses.
Quem governa finge apenas andar preocupado com o bem público e com a população.
As assimetrias, está explícito, são uma situação cultivada por gente que não está interessada em ver a democracia a ganhar espaço.
Uma dita “elite” trabalha a todo o vapor para subverter agendas e colocar o País à sua mercê. Formaram-se autênticas “oligarquias”. O País está dominado por autênticos vândalos que se tornaram insaciáveis. Vestem-se de patriotas mas já saíram do sério.
Andam perdidos por dinheiro e por bens.
O custo da administração do Estado não lhes interessa. O seu desvario não tem limites.
O seu desvario pagam os contribuintes!...
Não abdicam de praticar a exclusão económica e financeira. Querem ter todos os dossiers sob seu controlo. Não perdem uma oportunidade. A sua obsessão pela acumulação desmedida de bens e valores é doentia.
Passam a vida a falar de tolerância, de patriotismo, de auto-estima mas andam compulsivamente obcecados por não deixar uma oportunidade para os outros. Vivem a obstruir os outros.
Assaltam em todos os cantos do País.
Negoceiam contratos fabulosos com empresas mineiras, fazendo uso do seu estatuto no Estado, com os olhos postos no seu umbigo. Já nem conseguem ler os sinais mais óbvios das causas do ódio que está a alastrar-se para África a partir da Tunísia e da Líbia. Não conseguem perceber que a “Primavera Árabe” foi alimentada por comportamentos semelhantes.
Andam tão alucinados com o enriquecimento ilícito impune que não percebem que estão a ser observados silenciosamente e um dia serão surpreendidos mais uma vez por revolta popular de dimensão incontrolável empreendida por aqueles que sofrem de forma proporcional ao desvario desta elite alucinada que se instalou sobretudo a sul do País.
“Quem semeia ventos colhe tempestades”, reza um velho adágio universal. Aqui não será diferente!...
Se não fossemos agnósticos como instituição apelaríamos para que orássemos. Sendo assim limitamo-nos a perguntar: quando é que os alucinados percebem que estamos sentados numa bomba relógio?

Editorial do Canal de Moçambique – 02.11.2011, no Moçambique para todos

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