Sunday, 24 July 2011

No paraíso de Vasco da Gama


Quilómetros de praias desertas, ilhas selvagens, corais e coqueiros. Perto da Ilha de Moçambique, num areal sem fim, a Fugas passou uns dias na costa onde Vasco da Gama desembarcou em 1498. Visitámos a mesquita mais antiga do país, mergulhámos, passeámos de dhow, fizemos piqueniques de lagosta grelhada em ilhas desertas e caminhadas à beira-mar. Porque o paraíso existe. É preciso é encontrá-lo.
Ilha de Moçambique: Património Mundial da UNESCO desde 1991, primeira capital do país homónimo, terra do povo macua. Sobre ela já muito se escreveu, se dissertou, se sonhou. Mesmo assim, continua a conseguir guardar (bons) segredos. Como as praias maravilhosas que se estendem numa costa a perder de vista, frente à ilha. Nomes como praia das Chocas ou praia da Carrusca são alguns dos tesouros locais que se mantêm praticamente inexplorados.
Uma água límpida, cor de coral, uma areia muito branca, coqueiros alinhados frente ao mar, a estenderem-se até onde o horizonte vai. Não há chapéus, não há espreguiçadeiras, não há apoios de praia a debitarem os últimos hits. Não há vendedores ambulantes, mas sim paz. Um ou outro barco à vela ao fundo, um pescador solitário numa pequena piroga. Silêncio apenas entrecortado com o barulho do mar e o restolhar das folhas de palmeira. Quem disse que já não existem praias desertas?
Não é ao virar da esquina, mas vale a pena. O aeroporto mais próximo é o de Nampula e fica a duas horas de caminho. A paisagem vale o percurso. A terra encarnada a misturar-se com a vegetação muito verde, os mercados de beira de estrada, o pulsar da vida local.
Chegados à Ilha de Moçambique, através da ponte, a maneira mais fácil de alcançar a linha de costa é de barco. Dez minutos, mais ou menos, numa travessia que só apetece que termine num bom mergulho. Vê-se o fundo de coral, peixes multicolores e três pequenas ilhas desertas: Sete Paus, Goa e Sena.
Desembarcados, o único alojamento cinco estrelas que existe nesta costa junto à ilha inaugurou há menos de um ano. Chama-se Coral Lodge e fica na zona de Varanda, antes da Carrusca e das Chocas. Cinco quilómetros de praia privada. Nove quartos apenas, cada um é uma cabana, com direito a deck, espreguiçadeiras e uma vista sem fim. Cinco são viradas para o mar, outras quatro para a lagoa, onde se pode fazer snorkeling.
Alexandra e o marido Bart, um casal de holandeses aventureiros, são os proprietários do lodge. Uma ideia que os trouxe do frio para o calor africano, atrás de um sonho que se tornou realidade. "Não havia aqui nada para além de uma paisagem de sonho, de uma reserva natural belíssima, completamente inexplorada, quase sem toque de civilização", explica Alexandra. "Havia que criar pelo menos uma infra-estrutura de qualidade para que os poucos turistas que para aqui vêm pudessem ficar uns dias a desfrutar o sítio."
Ideia base: não estragar nada do ambiente envolvente, fazer um projecto integrado na paisagem, ser uma mais-valia para a terra e não o princípio do fim. Objectivo alcançado. No Coral Lodge nada choca, tudo está em equilíbrio perfeito com o ambiente. Desde os materiais utilizados, próprios da região - o mobiliário é todo feito de madeira de coqueiro - , às cabanas disfarçadas no meio da vegetação. Até no spa, localizado numa pequena palhota frente à lagoa, "os cremes utilizados são feitos à base da pasta usada pelas mulheres macuas para protegerem o rosto", acrescenta Alexandra.
Para passar os dias, não faltam propostas. Para lá da praia, que funciona tipo íman, Alexandra está pronta para levar os hóspedes a conhecer as redondezas e a sua história. "Afinal, foi neste preciso local que Vasco da Gama desembarcou no século XV", explica. "Toda esta zona tem um passado histórico muito rico, com uma grande mistura árabe e portuguesa." A começar pelas duas povoações mais próximas. A escassos quilómetros, por estradas de terra batida no meio de uma vegetação luxuriante, ficam Cabeceira Grande e Cabeceira Pequena. A primeira foi criada pelos portugueses, a segunda pelos árabes. Na primeira pode-se visitar a primeira igreja que os dominicanos construíram em Moçambique. Datada de 1579, continua a ser aqui que se celebra uma missa católica todos os domingos. A porta da entrada, imponente, é de madeira estilo indiano e veio de Goa, há muitos séculos, quando por aqui passavam os marinheiros em rota Portugal-Índia.
Perto ainda existe um poço onde, segundo a história, os navegadores portugueses se abasteciam de água fresca para os barcos que percorriam o litoral africano.
A igreja, no meio de coqueiros, parece cenário de filme. À porta, um grupo de mulheres locais trauteia músicas em dialecto. Sorriem envergonhadas à passagem de forasteiros. O sol está quente mas sente-se uma brisa, o cheiro a trópicos, a terra, a manga.
Perto da igreja, fica o que foi um dia o Palácio de Verão do Governador no século XVIII, e que continua a parecer cenário de filme de época colonial. Praticamente em ruínas, ainda mantém a aura. Nos grandes salões imaginam-se as festas de outrora, as varandas abertas sobre a paisagem, as escadarias imponentes, um pé direito que nos faz sentir insignificantes.
Totalmente diferente, Cabeceira Pequena é a paragem que se segue. Árabe dos pés à cabeça, conserva até hoje a primeira mesquita construída em Moçambique, há 600 anos. E palhotas e crianças a correr à passagem do jipe de Alexandra. E no meio do nada, um poço. "Era aqui que o Vasco da Gama vinha beber água", explica a holandesa.
Depois da visita histórica às povoações locais, nada melhor do que um passeio de dhow - embarcação à vela, típica da região - rumo à ilha mais próxima. Sete Paus é o seu nome. Imprescindível: levar o equipamento de snorkeling. Se se quiser fazer mergulho, o Coral Lodge tem também o único centro credenciado da região da Ilha de Moçambique. Por perto há spots a não perder: nesta zona encontram-se no fundo do mar alguns barcos portugueses do século XVII.
Mas voltando à ilha de Sete Paus, a ideia do Coral Lodge é proporcionar aos seus clientes uma tarde a ver peixinhos e a apanhar banhos de sol com um toque a Robinson Crusoe dos tempos modernos. A ilha é deserta, mas não há necessidade de comer areia. E se é para ser uma experiência romântica e diferente, então que seja em grande estilo. Com lagosta grelhada, vinho branco gelado servido em copos de pé alto, toalha estendida à sombra, almofadas e guardanapos de pano. Rendidos? A ideia é mesmo essa.
Agora juntem-se mais uns jantares na praia, mesmo à beira-mar, à luz das velas, com peixe grelhado no momento. Uns pequenos-almoços de frutos exóticos, scones e muffins. Uns passeios de canoa pelo mar fora. Uns dias de caminhadas pelo areal, pés descalços e água tépida. Uns entardeceres à vela, ao longo da costa, com champanhe a acompanhar. Paraíso? Há quem diga que é ainda mais do que isso.

Catarina Serra Lopes, Público

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