Monday, 23 May 2011

A mãe 'irlandesa' do Presidente negro

Barack Obama celebra hoje as suas raízes irlandesas com um saltinho a Moneygall. É que, se as origens africanas são sempre relembradas, afinal é o primeiro presidente negro da América, o sangue europeu também lhe corre nas veias e logo dessa Irlanda que tanto conta na hora de escolher o inquilino da Casa Branca. Calcula-se que 40 milhões se definam como irlando-americanos. Eleitorado nada desprezível já a pensar na reeleição, mesmo para quem se tornou o ícone dos afro-americanos, que nunca antes tiveram direito ao seu Kennedy, só para citar o mais famoso presidente com antepassados celtas.
A ligação a África vem desse pai queniano homenageado em livro, mas que pouco legado deixou, além do nome de sonoridade árabe. As raízes europeias vêm da verdadeira heroína da vida de Obama, essa mulher nascida no Kansas que, grávida, não hesitou em casar com um africano que conheceu na Universidade do Havai numa época em que boa parte da América ainda proibia aos negros usar a mesma casa de banho que os brancos. Stanley Ann Dunham foi uma mulher extraordinária, e se durante a campanha de 2008 os jornais lhe dedicaram atenção, só agora saiu uma biografia a sério. A Singular Woman conta o percurso dessa mulher que nasceu no coração da América, mas que sempre ambicionou horizontes mais largos. A família viveu também na Califórnia, no Oklahoma e no estado de Washington. Ela atreveu-se mais longe.
Foi em Honolulu que a jovem de 17 anos com nome de rapaz (insistência do pai obcecado com um menino) se apaixonou por Barack Obama Sr., bolseiro queniano que, descobriu-se, acumulava mulheres e crianças. Passados dois anos, o casamento já não existia e pai e filho só se veriam uma vez até o desastre que matou o alto quadro queniano. A mãe de Obama voltou a casar-se, dessa vez com o indonésio Lolo Soetoro, que seria o pai de Maya. Seguiu-se a partida para Jacarta, com Ann (esqueçamos Stanley) a criar no outro lado do mundo dois filhos mestiços, de pais diferentes e, a partir de certa altura, sozinha. Defensora dos direitos das mulheres e do microcrédito, a mãe de Obama acabaria por enviar o filho para o Havai, para viver com os avós e ter uma educação americana, enquanto insistia na sua carreira de antropóloga. Só deixou de vez a Ásia em 1995, já doente do cancro do útero que a mataria meses depois.
Obama era apenas um advogado quando perdeu a mãe, que chegou a confessar a amigos imaginar o filho a chegar alto. Na corrida à Casa Branca, e para contrariar o excesso de exotismo à sua volta, sempre apresentou Ann como o seu laço com a normalidade, com o tal Kansas. Mas esta biografia mostra que a mãe de Obama era extraordinária e que se o filho é um "abençoado" (significado de "Barack"), muito deve à bisneta de irlandeses.

LEONÍDIO PAULO FERREIRA, Diário de Notícias

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