Saturday, 19 March 2011

E os bens camarada Luís Mondlane, devolveu?


“Custava, camarada, apertar as suas ambições, coordenar os seus interesses e disciplinar os seus apetites? Camarada, nem tudo o que brilha é ouro”

Bom dia, camarada Mondlane. Espero que esteja bem de saúde, apesar do turbulento momento que vive. Pensei em fazer uma opinião, mas não estava inspirado. Uma opinião exige muito investimento na preparação psicológica e, acima de tudo, na concentração, além de inspiração. O género que não me exigiria muita concentração seria a carta. Não estranhe camarada Mondlane. Entenda a minha situação.
Camarada, não acreditei quando ouvi que renunciou ao cargo de presidente do Conselho Constitucional. Pensei que fosse aquilo que nós, ao nível do partido, chamamos de especulação ou rumores de jornalistas mal intencionados, ao serviço de agendas externas. Até então vivia um misto de emoções.
Quando ainda estava concentrado no Jornal da Tarde da Stv, aquela estação televisiva que nos irrita de tanto andar a difundir os nossos podres, eis que a mesma televisão já anunciava que tinha a sua carta de renúncia em mão. Mesmo assim, continuei a não acreditar.
Pedi a um dos jornalistas daquela estação, meu colega, como sabe trabalho no mesmo grupo, Soico. Ele passou-ma. Li-a e, quando vi “Acabo de comunicar ao Presidente da República a minha decisão de renunciar ao cargo de presidente do Conselho Constitucional”, saltei – e quase partia a cadeira – de alegria. Parecia que a cadeira onde estava sentado estava empossada de um espírito maligno, com molas especiais, pela forma como me projectou para cima.
Fiquei ainda mais feliz quando vi no mesmo comunicado que “move-me o interesse de contribuir para a salvaguarda da paz e estabilidade do país, abrindo espaço para a consolidação da democracia e do Estado do Direito Democrático” e que estava convicto que “dei o melhor de mim para o desenvolvimento da instituição, quer no âmbito interno, quer na projecção da sua melhor imagem além-fronteira”.
Camarada, esta foi a melhor decisão que alguma vez tomou na vida, por aquilo que fez no Conselho Constitucional. De facto, gastar 36 milhões de meticais, um pouco acima de 1 milhão de dólares em 18 meses, é o maior contributo que pode ter a convicção que deu na redução do saturado orçamento do Conselho Constitucional.
Pelo menos foi corajoso ao contrariar o discurso de austeridade que os camaradas no Governo apregoam, através de acções claras e concretas de despesismo, gastando milhões de meticais, com alcatifa de cerca de 50 mil dólares, televisões de perto de 10 mil dólares, viagens a Lisboa da sua esposa, pagas com fundos do Conselho Constitucional...
Esqueceu-se daquilo que camarada Samora nos disse, aquando da tomada de posse do governo de transição, em 1974: “Queremos chamar atenção ainda sobre um aspecto fundamental: a necessidade de os dirigentes viverem de acordo com a política da Frelimo, a exigência de no seu comportamento representarem os sacrifícios consentidos pelas massas. O poder, as facilidades que rodeiam os governantes, podem corromper o homem mais firme. Por isso, queremos que vivam modestamente com o povo, não façam da tarefa recebida um privilégio e um meio de acumular bens ou distribuir favores”.
Lembra-se? camarada Samora era palhaço, né?
Recorda-se, também, quando nos disse: “Para que se mantenha a austeridade necessária à nossa vida de militante e assim se guarde no sentido do povo e dos seus sacrifícios, todos os militantes da Frelimo que receberam tarefas de governação do Estado tal como no passado devem renunciar às preocupações materiais (...)”. Esqueceu-se, camarada Mondlane?
Acho que o camarada tinha competência e vocação para brilhar naquele cargo, tal como o fez o camarada Rui Baltazar. Custava, camarada, apertar as suas ambições, coordenar os seus interesses e disciplinar os seus apetites? Camarada, nem tudo o que brilha é ouro, ou seja, nem todo o dinheiro que existe na instituição é para o uso pessoal. Tem que reconhecer que exagerou. Aliás, a renúncia é reconhecimento. Estou grato por isso. Uma coisa: os bens adquiridos por esse dinheiro, já devolveu? Tem que devolver, não leva nada!
Mas uma coisa gostei: pelo menos quebrou o enguiço de que no nosso país o poder não se entrega. Veremos quem serão os que vão seguir. Mais algumas perguntas: não acha que camarada José Pacheco devia demitir-se por causa do aborto de Semlex? A propósito, o que lhe levou a puxar, a todo o custo, a camarada Ana Juliana para o cargo de secretária-geral do Conselho Constitucional? Sabia, foi isso que destapou o véu à noiva?
Ah, julga que este país – túmulo de socialismo – ainda vai ser o túmulo de capitalismo? O socialismo ainda triunfará? Eu não acho, porque nós, camaradas, já somos capitalistas puros. Aliás, já somos mais capitalistas do que os precursores do capitalismo. Vou terminar por aqui, até logo, no partido.
Adeus, camarada. Não terei saudades suas como gestor, mas as terei como camarada!

Lázaro Mabunda, O País

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