Sunday, 16 January 2011

Mia Couto : A Alma

Malangatana não foi apenas um grande artista. Ele foi a alma de um país. Foi alma de todos nós, Moçambique e moçambicanos. Através dele fizemo-nos ser escutados como gente, capaz de ter rosto e nome, capaz de sonhar.
A sua individualidade construiu-se na pluralidade. A necessidade dessa pluralidade é, talvez, a mensagem mais importante que ele nos deixa. Num momento em que vivemos uma versão única da nossa própria história, num momento em cresce a tentação de um pensamento único, esse legado do Mestre torna-se quase uma urgência. A diversidade é o maior alimento da alma humana.
Tendo militado politicamente, não foi nunca um político. Não fez favores de conveniência, não se converteu num funcionário, num yes man cultural.
Trauteava com o mesmo à vontade as canções tradicionais rongas, uma ária de Verdi e um fado de Amália. Não tinha medo dessa pluralidade. Não teve receio nunca de nomear os que, sendo portugueses e vivendo num mesmo regime colonial, o ajudaram no início da carreira. Porque estava para além da raça, para além da nacionalidade, para além de si mesmo. Não precisava de veementes proclamações para ser moçambicano. E quanto mais ele era todos os outros, mais se convertia em Moçambique. Generoso, acolhedor, robustecido pela sua pluralidade e respeitado e amado por isso.

Mia Couto, O País. Leia aqui.

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