Monday, 31 January 2011

Costa de Marfim está na ponta duma espada

Raila Odinga desabafa à imprensa, em Addis Abeba

Para o primeiro-ministro queniano, a Costa de Marfim simboliza a maior tragédia que alguma vez aconteceu em África, em que alguns concorrentes às eleições não estão dispostos a abandonar o poder quando perdem. Entretanto, a solução não deve ser importada, mas africana.
O mediador da Paz na Costa de Marfim, o primeiro-ministro queniano, Raila Odinga, comparou ontem a Costa de Marfim a um país na ponta de uma espada, dada a situação em que se encontra mergulhada depois das eleições de 28 de Novembro passado, onde Laurent Gbagbo nega a vitória do seu concorrente Alassane Ouattara, este último reconhecido pelas Nações Unidas e pela Comunidade Internacional.
Chamado a dar um “briefing” na reunião do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, convocada particularmente para discutir a crise na Costa do Marfim, Raila Odinga não conseguiu se conter até ao fim do encontro em que tinha, por direito, uma conferência de imprensa já marcada para se pronunciar sobre o impasse colocado por Laurent Gbagbo quanto à sua mediação no conflito costa-marfinense. Raila Odinga saiu da sala do plenário antes de começar o encontro do Conselho de Paz e Segurança marcado entre 18h00 às 20h00 locais (17h00 e 19h00 no fuso horário moçambicano), e convocou a imprensa para um local impróprio, onde “desabafou”.

A pior crise que a África já viveu!

Na sua locução e perante jornalistas de todo o mundo, o mediador da crise na Costa de Marfim classificou a situação daquele país de pior tragédia que alguma vez ocorreu no continente. As razões são claras: alguns concorrentes às eleições não estão dispostos a abandonar o poder, quando perdem. “A Costa de Marfim simboliza a maior tragédia que alguma vez aconteceu em África. A recusa de abandonar o poder é particularmente notória no caso da Costa de Marfim, uma vez que nunca houve unanimidade interna, regional e internacional entre as instituições independentes sobre o desfecho de uma eleição disputada em África”, disse Odinga.
O mediador da UA considerou a questão da Costa de Marfim como um problema africano.

Falta a cultura democrática em África

“África nunca terá uma base política estável, a menos que comece a introduzir a cultura democrática de alternância de poder em processos eleitorais. Se o voto não conta para determinar quem irá liderar uma nação, que é a dimensão elementar da democracia, os actos eleitorais perdem sentido, a democracia perde o seu brilho e o futuro será cheio de inquietação generalizada e instabilidade”.
Falando das formas da resolução deste conflito, o primeiro-ministro queniano chamou esta “uma crise africana” e que, por isso, “só a África deve procurar, e encontrar, uma solução durável que possa servir para a paz, com interesse para as partes em conflito”.
As palavras de Odinga fizeram coro com o discurso do vice-presidente da Comissão da UA, Jean Mfasoni, apresentada na última quarta-feira. “O facto de a África ter problemas não significa que os africanos não possam mediar os seus próprios conflitos”, disse Mfasoni.
Indicando como possíveis soluções, Raila Odinga sugere que a África tome uma decisão forte para resolver aquilo que chamou da pior crise na história de África. Sem especificar tais medidas, o primeiro-ministro queniano apela ao Conselho de Paz e Segurança a avançar com outras medidas: “tendo em conta o grave risco que a continuação desta crise representa para a Costa do Marfim, para o povo e para os estados da região, África deve estar pronta para implantar outras medidas caso não se atinja um consenso por via de negociações”, disse Odinga. E como que a justificar o insucesso, Odinga acrescentou: “nossos esforços não são para impor a democracia ou as eleições livres e justas. Mas sim, para evitar um desastre ainda maior na Costa de Marfim”.
Ainda na esteira de Odinga, caso se opte pela continuidade das negociações para a questão costa-marfinense, Odinga recomenda a Laurent Gbagbo e Alassane Ouattara que negociem cara-a-cara. E defende que esta decisão deve sair da União Africana, através do seu Conselho de Paz e Segurança, órgão, aliás, com missão de dirimir conflitos e diferendos no continente.
“Esta Cimeira deverá enviar uma mensagem forte e inequívoca de que as duas partes devem negociar cara-a-cara. Cada dia perdido em direcção a uma resolução pacífica desta crise torna visível o espectro de ameaça à paz e segurança na região Côte d’voire e não só. A inacção representa o maior perigo nesta crise”, conclui Odinga.


Sérgio Banze, O País

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