Friday, 10 December 2010

Os telegramas do Wikileaks, a Frelimo e o narcotráfico


Eu nunca duvidei que este país tivesse uma estrutura financeira suportada pelo narcotráfico. Nunca duvidei que este país fosse um campo de lavagem de dinheiro proveniente de tráfico. Igualmente, nunca duvidei que este país fosse um corredor, armazém e entreposto de drogas.
Surpreendentes revelações? Só para quem está distraído. Há dias, escrevi sobre as actividades da máfia. Escrevi que os primeiros sinais da existência de uma rede de máfia e do branqueamento de capitais, em qualquer canto do mundo, consistem no volume de dinheiro que circula em determinadas áreas, sem que justifiquem o nível do desenvolvimento económico desse país. As principais fontes de renda destes grupos são o tráfico de droga, de armas, o jogo, fraudes em serviços e obras públicas, lavagem de dinheiro, etc. Os membros da máfia são conhecidos como homens de honra.
A máfia é constituída por organizações precisas, por homens, dinheiro, relações políticas, alianças com outros componentes sociais, tráficos criminosos. Tais organizações mafiosas, diferentemente das organizações criminais comuns, além de serem fundadas sobre uma estrutura interna de carácter hierárquico, sobre a programação permanente de acções delituosas, sobre a guarda de sigilo das relações internas, sobre o reinvestimento dos ganhos ilícitos, e, além de lançar mão, para se impor, da violência e do logro da corrupção e da intimidação, exercem um profundo controlo do território, inserem-se, através de actividades empresariais e investimentos aparentemente lícitos, na sociedade, entrelaçando relações com o mundo legal e, em particular, com sectores do mundo político-financeiro.
Ontem, o polémico site Wikileaks publicou telegramas confidenciais da embaixada norte-americana em Maputo, nos quais se revela que “em Moçambique, o poder político ao mais alto nível está comprometido com o narcotráfico. O narcotráfico tem uma base segura em Moçambique, rota da cocaína que chega do Brasil, do haxixe do Paquistão e da heroína produzida no Afeganistão”, afirmam diplomatas americanos. Mais, revela-se nesses telegramas que “após Guiné-Bissau, Moçambique tornou-se a segunda praça africana mais activa no trânsito de narcóticos. Moçambique não é um completo narco-Estado corrupto, mas segue numa direcção inquietante”, destaca o encarregado de Negócios da embaixada dos EUA em Maputo. “(...)MBS tem laços directos com dirigentes da Frelimo”, revela um telegrama diplomático de 28 de Setembro de 2009, realçando que “Selemane contribuiu em grande parte para financiar a Frelimo (partido do governo) e ajudou significativamente nas campanhas eleitorais dos candidatos da Frelimo”.
Não digo que os americanos estão certos ou errados. Mas, eu nunca duvidei que este país tivesse uma estrutura financeira suportada pelo narcotráfico. Nunca duvidei que este país fosse um campo de lavagem de dinheiro proveniente de tráfico. Igualmente, nunca duvidei que este país fosse um corredor, armazém e entreposto de drogas. Também nunca duvidei que algumas figuras do nosso país estivessem a servir-se de narcotráfico para enriquecerem. E, por enquanto, não duvido que os nossos corredores de desenvolvimento e a nossa costa marítima servirão de túneis de passagem de drogas, enquanto o narcotráfico continuar a ser visto pelo nosso governo como benéfico para a nossa almofada financeira. Os bancos, as casas de câmbio e outras instituições financeiras continuarão, no futuro, a crescer rapidamente em quantidade, além de anualmente apresentarem lucros fabulosos. O dinheiro movimentado aqui não é proporcional ao nível do desenvolvimento do país. Uma das características de países suportados pelo dinheiro de narcotráfico é o volume de investimento que recebem na área imobiliária, sobretudo de hotéis, centros comerciais, casinos e outras actividades.
O que deixou claro que alguns dos nossos governantes estavam comprometidos com o narcotráfico foi a forma como o Governo se bateu em defesa da imagem de Momed Bachir, quando o Departamento do Tesouro dos EUA o declarou barão de droga. Foi duro ouvir o ministro do Interior, na altura, José Pacheco, a dizer, com propriedade, que “Bachir tem ficha limpa”, ainda que soubesse que tinha tido problemas em Nampula e na Suazilândia. Ouvir declarações desta natureza de um ministro que, em condições normais, deveria ordenar que se investigasse o acusado com vista a apurar a veracidade da acusação americanas, foi, não só frustrante quanto perturbante, como também revelador do compromisso político do Governo com o narcotráfico. Se o Governo defende que Bachir é limpo, isso significa que o conhece muito bem, desde os contornos dos seus negócios até aos movimentos que ele faz. Ora, para o conhecer bem é preciso também estar inserido no seu meio social e de negócios. Aliás, as declarações de Pacheco indiciavam que não havia condições para se investigar o acusado, por sinal, um dos principais financiadores das campanhas da Frelimo e dos seus candidatos. E se a Frelimo recebe dinheiro de indivíduos sem questionar a sua proveniência, também tem a obrigação moral de os defender sem duvidar dos seus ficheiros. Verdade ou não, a máfia controla o sistema financeiro e político nacionais.
Há dias ecebi a informação segundo a qual a cocaína apreendida recentemente em Portugal, cujo destino era Moçambique, era de um dos donos de uma série de hotéis nacionais, dos quais alguns inaugurados pelo Chefe do Estado. Por acaso já reflectiram por que razão Momed Khalid Ayoob transportou, ilegalmente, 18 milhões de randes (cerca de 3 milhões de dólares) de Moçambique para Suazilândia sem os declarar? Se o dinheiro é de actividades lícitas, por que não o declarou?

Lázaro Mabunda, O País

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