Monday, 20 September 2010

Moçambicanos vão ter mais peixe mas continuam sem saber pescar!

Para evitar novos protestos, governo subsidia o preço da farinha de trigo para não aumentar o pão

O Governo moçambicano vai subsidiar com 200 meticais (4,2 euros) cada saco de 50 quilos de farinha de trigo, no âmbito da implementação das medidas de mitigação do custo de vida no país, anunciou hoje o executivo. O agravamento do preço de pão e de outros bens de primeira necessidade foram a causa da revolta social violenta que se verificou, sobretudo em Maputo e Matola, no início deste mês.
Segundo fontes clínicas, os confrontos opondo populares e a polícia provocaram a morte a 18 pessoas, ferimentos a mais de 500 e detenções de mais de 200. De acordo com o Governo, morreram 14 pessoas.
Na sequência dos tumultos, as autoridades decidiram conceder subsídios à indústria panificadora, isenções fiscais na importação de vários bens e o congelamento dos aumentos dos preços de luz e água.
Hoje, no âmbito da implementação do referido pacote de medidas, o porta voz do Conselho de Ministros de Moçambique, Alberto Nkutumula, disse, em conferência de imprensa, que o Governo determinou a entrega de um subsídio de 200 meticais por cada saco de farinha de trigo comprado pelos panificadores.
“O subsídio será dado às padarias e não às moageiras, como chegou a ser admitido. A medida entra imediatamente em vigor e não foi estabelecido nenhum prazo para a sua duração”, sublinhou Alberto Nkutumula, que é igualmente vice-ministro da Justiça.
Questionado se as padarias informais, a que a maioria da população residente nos subúrbios das cidades moçambicana recorre, vão receber a compensação, o porta voz do Conselho de Ministros de Moçambique foi perentório: “O subsídio só será atribuído aos operadores formais, porque o desenvolvimento das actividades comerciais no país é exercida mediante licenciamento, porque o Estado deve arrecadar receitas”, enfatizou Alberto Nkutumula.

Escritores dizem de sua justiça

Enquanto isso, escritores e poetas moçambicanos na diáspora criticaram a forma como Maputo geriu os aumentos dos preços dos bens essenciais e alertaram para a necessidade de os manter congelados por tempo indeterminado para evitar novos actos de violência.
No entender de Delmar Maia Gonçalves, Jorge Viegas e Ascêncio de Freitas, só será possível "acalmar os ânimos" de uma grande parte da população moçambicana e "evitar manifestações ainda mais violentas" do que aquelas que aconteceram no início deste mês se o Executivo mantiver, a longo prazo, a sua decisão de congelar os aumentos de produtos essenciais.
"Seria uma péssima opção terem congelado estes aumentos para daqui a um mês voltarem à carga com a mesma ideia. Se o fizerem, não sei se os moçambicanos não vão voltar a reagir de forma violenta, e penso que será mais grave porque poderá acontecer no país inteiro", alertou o poeta e escritor Delmar Maia Gonçalves.
Falando à margem do 3.º encontro de escritores moçambicanos na diáspora, que decorre até sábado em Lisboa, o curador desta iniciativa criticou a forma como Maputo geriu toda a situação, lembrando que aos moçambicanos "já são pedidos sacrifícios há muitos anos e as pessoas apenas aguentam até um certo ponto".
Apesar de não concordar com a forma como muitos expressaram o "seu descontentamento e desespero", Maia Gonçalves disse perceber essa "fúria", numa altura "em que muitos já não têm por onde se aguentar".
"Obviamente que a situação foi aproveitada por delinquentes, mas não podemos meter todos no mesmo saco: de facto houve ali muitas pessoas trabalhadoras que se manifestaram de forma genuína para exigiram justiça", frisou.
Para o escritor moçambicano Jorge Viegas a pobreza no país não pode ser combatida "apenas levando os moçambicanos a apertarem o cinto e a trabalharem mais, sobretudo quando o Governo continua a gastar a riqueza gerada de forma supérflua".
"As pessoas, quando se sentem humilhadas e veem uma coisa que as penaliza ainda mais, reagem sem pensar e facilmente podem ser influenciadas a cometerem determinados actos", alertou.
A existência de uma "espécie de 'novo riquismo' no país, e, sobretudo, o seu exibicionismo por parte de dirigentes políticos e empresas agrava ainda mais esta situação", destacou Jorge Viegas.
Já o jornalista, escritor e poeta luso-moçambicano Ascêncio de Freitas afirmou não perceber como é que "uma pessoa inteligente como o Presidente Guebuza, que é um bom negociador, caiu na idiotice de autorizar um aumento daquilo que é essencial".
"Não sei como é que se fez uma estupidez daquelas: a fome é tal em algumas regiões que não se pode aumentar aquilo que é essencial para alimentar os filhos", criticou Ascêncio de Freitas, para quem houve "uma clara falta de previsão das consequências da medida" por parte do Governo.

Notícias Lusófonas, 17/09/10

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