Sunday, 4 July 2010

Para que a democracia nunca morra

As cerimónias comemorativas dos 35 anos da independência nacional serviram de um momento especial para os moçambicanos demonstrarem o seu nível de organização e determinação na construção de uma sociedade livre e democrática, uma nação forte e desenvolvida.
Mas foi também um momento particular para expor algumas das nossas fraquezas, com um pouco de delinquência juvenil à mistura.
De entre os discursantes na cerimónia central, na Praça da Independência, em Maputo, houve espaço para que alguém falasse em nome dos partidos da oposição. Em princípio um sinal de maturidade, um gesto muito raro em muitos países do nosso continente, onde as agendas dos partidos no poder e da oposição partem em sentidos diametralmente opostos.
Com todos esses méritos, foi, porém, uma oportunidade mal aproveitada. O estatuto de oposição é formalmente conferido a quem o merece pela decisão popular nas urnas, e não cabe a qualquer voluntário que é repescado da esquina mais próxima, se lhe conferindo o direito de falar em nome daqueles que legitima e formalmente têm o mandato popular para desempenharem esse papel.
Aconteceu que o discurso que supostamente deveria reflectir a visão da oposição formal sobre o futuro do país foi proferido à nação por um impostor, com quem a verdadeira oposição não tem nada em comum.
Miguel Mabote, a figura em causa, é presidente do Partido Trabalhista, uma formação política efémera, e sem qualquer representação parlamentar. Numa cerimónia de Estado, é de esperar que o papel de representação da oposição seja atribuído a alguém que possa legitimamente reivindicar o direito de representar uma franja do eleitorado formalmente reconhecida como estando organizada para se opor às políticas do governo.
Esses não são atributos que se possa reconhecer nem em Miguel Mabote nem no Partido Trabalhista que, como é do conhecimento geral, nas últimas eleições gerais, incondicionalmente deu o seu apoio ao partido Frelimo e ao seu candidato presidencial, Armando Guebuza.
O que está aqui em causa não é a quem um determinado partido endossa o voto dos seus militantes, simpatizantes e apoiantes, mas ditará a lógica que quem direcciona o seu apoio ao partido que depois de eleições tem o direito de formar governo não pode ao mesmo tempo reivindicar o estatuto de oposição, mesmo que tal seja pelo simples facto de estar inferido que apoia as políticas desse mesmo governo.
O que aconteceu nas celebrações da independência manchou todo o significado da cerimónia, e aqui os responsáveis do Protocolo do Estado devem ser chamados à responsabilidade. É possível que o discurso da verdadeira oposição pudesse ser intragável num acto solene contando com a presença de hóspedes estrangeiros. Mas se não havia espaço para que a oposição expusesse os seus sentimentos, competia ao governo do dia, de forma soberana, decidir nesse sentido. O que é absolutamente inaceitável é esta fraude monumental de tentar ludibriar a opinião pública doméstica e internacional, recorrendo a impostores, somente para fazer passar a ideia de que a oposição é aceite como parte integrante do processo político nacional.
Claro que a oposição formal tem assuntos importantes a discutir com o governo sobre as opções e estratégias de governação do país, em fórum próprio. Não é o que Mabote disse naquele acto solene, onde pareceu mais como parte de uma “Quinta Coluna” do regime, do que propriamente um respeitável dirigente da oposição. Os nossos hóspedes, que não conhecem profundamente o nosso contexto de clientelismo politico, devem ter saído daqui com a falsa ideia de uma oposição que acaba de sucumbir aos pés do partido no poder. A verdade, porém, é que a oposição neste país — e é isso que nos deixa tranquilos — é mais vasta que os Mabotes deste mundo. O que é muito positivo, para que a democracia nunca morra.

Esitorial do SAVANA – 02.07.2010

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