Maputo (Canalmoz) - Um dos chefes daqui de casa confidenciou-me que esta coisa de patriotismo tende a revestir-se de elevadas doses de relatividade, dependendo da mente que se dispõe a interiorizar e discutir o conceito. Na altura não dei importância ao tão importante aviso. Na verdade o colega-chefe quis dizer que “é difícil amar uma pátria de ladrões”. A frase é dele. Uma pátria dos defensores da teoria “Que morra a pátria, e que venha o tacho”, não pode ser amada.
Quando os doadores condicionaram os fundos de apoio directo ao orçamento do Estado, por causa da falta de reformas no nosso sistema de governação, escrevi neste mesmo espaço dando razão ao seu posicionamento, porque também acredito que precisamos de melhorias. Dei razão sobretudo porque também não concordo com a forma feudal como é tratado o Estado, assim como não concordo com a relação paternalista que o partido Frelimo tem com o Estado.
Mal o jornal chegou à rua, comecei a receber mensagens dos “patriotas”, acusando-me de falta de patriotismo. Como muitos que deram razão aos doadores, fui não só acusado de falta de patriotismo, mas também de estar a serviço dos doadores, em vez de propriamente ao serviço da nação.
Fiquei com dúvidas sobre se ser patriota é defender a classe dos predadores do Estado ou é, em vez disso, defender que a Pátria, propriamente dita, avance e defender que o dinheiro público seja aplicado na melhoria da qualidade do ensino e da saúde e na criação de mais postos de trabalho para os moçambicanos. Mas como as minhas convicções não estavam – e nunca estarão – fundadas no dogmatismo, nem no discípulado ridículo, preferi não alinhar na teoria dos “patriotas”.
A principal característica dos “patriotas” é o excesso de valores fantasiosos. Há quem defenda que os valores são as únicas tábuas de salvação, quando somos sacudidos pelas vagas monstruosas da problematização das nossas convicções. Porque, se não nos agarramos ao que é mais sagrado, estamos a pactuar com a violentação da nossa própria consciência e a desvirtuar princípios sagrados. Mas se, por bizarria ou convicção, deixamos que esses valores nos toldem o discernimento, corremos o risco de alimentar a fantasia, à custa da negação da realidade. E ainda que possamos ficar de bem com a nossa consciência, somos ultrapassados pela inevitabilidade dos factos.
E aí está! Até aonde vai o patriotismo dos patriotas (sem aspas) e o “patriotismo dos patriotas” (com aspas). O “Mundial” de futebol na África do Sul veio trazer mais um dado de que devemos controlar este nosso amor por esta pátria já apelidada “de heróis”. Disseram que já não podiam trabalhar, porque estavam empenhados em buscar estratégias para colher as oportunidades do “Mundial”. Começou o “Mundial” e descobrimos que afinal andaram a enganar-nos este tempo todo, e que na verdade estavam a passear com salários garantidos. Nada foi aproveitado do “Mundial”. Um autêntico fracasso. De novo escrevi neste espaço que uma pátria deste estilo já não dá para ser amada assim como nos querem obrigar a amá-la.
Enquanto tentava digerir os ecos da hecatombe das oportunidades perdidas do “Mundial”, veio mais uma razão para termos cuidado com o amor que temos que dar a esta “pátria de heróis”, que alguns metem no bolso, porque penso eu que não devemos desperdiçar o nosso amor com coisas sem interesse, ainda mais neste tempo de crise.
A Federação Internacional de Patinagem confirmou finalmente as evidências que durante largo tempo foram divulgadas na imprensa nacional e internacional, dando conta que aquele organismo pretendia retirar a Moçambique a realização do campeonato mundial da modalidade, devido, frise-se, à falta de seriedade do Governo moçambicano. O Governo não deu garantias das capacidades do país para acolher o evento.
Em carta enviada aos preguiçosos “patriotas”, o Comité Internacional de Hóquei em Patins decidiu cancelar o direito de a FMP organizar o 40.º Campeonato Mundial “A” de Hóquei em Patins 2011, na cidade de Maputo, devido à falta de cumprimento do contrato firmado entre a Federação Moçambicana de Patinagem, o Ministério da Juventude e Desportos de Moçambique, a Companhia Wallstreet e o Comité Internacional de Hóquei em Patins, assumido em Vigo, na Espanha, em Junho de 2009.
Tal como é típico de “patriotas” preguiçosos, após o anúncio da realização da prova em Moçambique, vieram a correr, não para trabalhar, mas sim para politizar o feito, e exaltar os que nem mereciam ser exaltados. Não se trabalhou.
Não houve reabilitação e remodelação dos campos. Assim prometeram e nenhuma infraestrutura foi erguida. Resultado: ao incompetente, o troféu da incompetência! Para tapar a vergonha, preferiram dizer que foi uma surpresa. Qual surpresa, qual quê?
À boa maneira de fabricar tachos para os amigos, apenas foi criada uma comissão constituída por “quadros superiores” do Ministério da Juventude e Desportos. E mais: para não variar, foram elaborados os famosos planos. Perdemos mais uma oportunidade de ser um país, ser uma Nação, no verdadeiro sentido das palavras. E é esta pátria que deve ser amada? É esta a tal “Pátria Amada”? Sinceramente!
Agora, neste festival de fracassos, neste baile de máscaras em que só brilham as promessas e os planos, só resta saber o que será dos Jogos Africanos de 2011. Gostaria tanto de amar esta pátria, mas assim também não dá!
(Matias Guente, CANALMOZ, 28/06/10)
NOTA DO JOSÉ = Excelente e oportuno texto! Estamos avisados sobre os falsos patriotas!
Ser patriota não é andar de cascois enfeitado com as cores da bandeira nacional enrolado ao pescoço, e nem cantar o nome de Moçambique, mas de lutar para proteger a dignidade de seu povo. Ser patriota é dar a sua vida pela vida da nação. É arriscar-se por uma identidade...
ReplyDeleteTambém considero este um excelente artigo.
N.B. Se tivesse condições mandava imprimir milhares de cópias e expalhar por todos cantos.
Amigo Tomas, nos sabemos distinguir entre verdadeiros patriotas e falsos patriotas, os tais patrioteiros.
ReplyDeleteUm assunto muito sério que merece reflexao!