Monday, 24 May 2010

República das Palhaçadas

Maputo (Canalmoz) - Sou acusado de falta de patriotismo, quando escrevo ou faço comentários sobre a falta de seriedade no nosso país. E, numa altura em que se tenta sair do apostolado da pobreza para entrar no caminho do novo apostolado da “pobreza espiritual”, muito ainda se pode esperar como adjectivo. Só que os acusadores, os quais, muitas vezes, não passam de ridículos tachistas e grandes hipócritas, infelizmente ainda não trouxeram dados ou, no mínimo, um pedaço de exemplo que possa fazer deste Estado, em que vivemos, um Estado não pateta. E como bem sei que vai levar muito tempo para termos exemplos de seriedade no nosso país, lá vou eu, infelizmente para os tachistas, mais uma vez trazer mais um exemplo de que isto não passa de uma capoeira de patos. Somos tudo, menos um país sério. E como é hábito, e até já vem gravado nos manuais de patetice, o fim último é a palhaçada.
Contado a partir do dia 26 de Abril, vamos a caminho de um mês completo sem que nada de concreto e sério esteja sendo dito em relação aos contornos da morte do director de Investigação e Auditoria e Informação da Autoridade Tributária, o jovem Orlando José. Até hoje, 19 de Maio, nada de sério foi dito. Até porque, como já avisei, de patetas só se pode esperar palhaçadas.
No Ministério do Interior, as palhaçadas começaram a ser encenadas no dia posterior à morte de Orlando José. De teorias em teorias, acabou-se nas famosas fórmulas: “A Polícia está a trabalhar no sentido de...” e “No momemto oportuno vamos pronunciar-nos”. E ponto final! A polícia “cumpriu com o seu papel de garantir a lei, a ordem e tranquilidade públicas”.
Mas, talvez o leitor não saiba, e com muito gosto o anuncio, na verdade queria-se dizer que, na hora de mais uma palhaçada, teremos outros números de circo patéticos para apresentar à plateia. Isso porque o “trabalhar no sentido de...”, o “momemto oportuno...” e mais outras coisas, no vocabulário secreto policial moçambicano, significa dar umas voltinhas e depois fazer um comunicado para ser lido num “briefing” muito animado.
Desde o dia 26 de Abril, a Polícia diz que está a trabalhar. Convém duvidar da seriedade do trabalho enquanto é tempo, para não ficar frustrado (feito palhaço), como sempre aconteceu em outros casos em que se falou de trabalho, enquanto na verdade se estava a brincar.
É extraordinária a capacidade que temos de exibir irresponsabilidade e patetice, quando alguma seriedade nos é exigida. E isso parece estar a tornar-se moda, e consequentemente nos empurrando, a passos largos, para o precipício.
“Trabalhar no sentido de...”, se bem nos recordamos, é um enunciado político fabricado para acalmar as massas, de modo a não criar agitação, e o resto é só palhaçada.
E a palhaçada está a animar, em comemoração do 35.º aniversário da Polícia da República de Moçambique. Se a PRM equivalesse, no mínimo, a um por cento da pujança discursiva do vice-ministro do Interior, o bom do Mandra, e do Comandante Geral da polícia, Jorge Khalau, não estaríamos preocupados com a segurança. Estes dois são muito bons de papo e de palhaçadas. Têm discursos de assustar os criminosos. Só assustam! Porque o resto, repito, é uma autêntica palhaçada.
No lugar de vir a público dizer o que está acontecer com as investigações da morte do director da Autoridade Tributária, ou arranjar formas de debelar o crime que está atingir níveis incontroláveis, estes dois ilustres e mais outros comandantes foram às escolas para dizer aos miúdos para deixarem de fumar suruma. Até que é uma boa ideia. Mas não é preciso levar ministros e comandantes superiores. E o comandante da esquadra, o que fará? Portanto, tudo não passa de uma palhaçada!
Esta prática é muito má para aquilo que andamos a dizer que pretendemos ser como país. Mas isso tem a ver com toda uma conjuntura que está criada no Ministério do Interior. A conjuntura criada neste ministério mostra a forma não séria com que pretendemos lidar com o crime. Para quem viu o Orçamento do Estado, sabe do que estou a falar. O Governo tem para dar ao Ministério do Interior, para 2010, cerca de 2 891 173 meticais. Deste valor, 2 560 031 meticais são para despesa com o pessoal, e 245 622 meticais para bens e serviços. Deixemos o Orçamento por alguns instantes. Se formos ver o plano quinquenal do Governo, não fala de construção de esquadras nem, em termos claros, das melhorias das condições de vida dos desfavorecidos da corporação. O caro leitor terá muitas dificuldades em mostrar uma esquadra cujas condições não se assemelhem a um tabernáculo de mendigos (deixando de fora as esquadras que estão nas zonas ricas de Maputo).
A Polícia trabalha em condições que só o diabo e os dirigentes do Ministério é que sabem. O Orçamento para Polícia é nada mais, nada menos, do que um líquido doce que ainda vai fazer crescer muitas barrigas dos comandantes e comprar Mercedes a mais de um milhão de randes. Enquanto isso, os assuntos sérios são deixados à parte. Vamos morder os dentes e cruzar os dedos, para que o assassinato de Orlando José não fique encalhado em mais uma palhaçada daquelas de grande envergadura, praticada pelo Governo, através da Polícia.

(Matias Guente, CANALMOZ, 20/05/10)

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