Wednesday, 7 April 2010

Tráfico de seres humanos: Uma causa perdida?

Na nossa última edição retratamos os intricados contornos do lucrativo negócio de tráfico de mulheres, envolvendo Moçambique, a África do Sul e a China. Os relatos dessa reportagem baseavam-se num trabalho de investigação feita por jornalistas sul africanos pertencentes ao Grupo MEDIA24, e que foi publicado num dos seus jornais, o City Press, de Joanesburgo.

A natureza deste tipo de investigações, aliada ao tipo de pessoas com quem se está a trabalhar, não deixa muito espaço para falar dos detalhes da operação, para além do facto de que câmaras e gravadores de som ocultos serviram de instrumentos de apoio. Assim, foram captadas imagens de intervenientes no negócio, e gravadas as suas vozes. O que disseram ficou registado e depois transcrito.

O nosso jornal, depois de tomar todas as diligências necessárias para se certificar da autenticidade da história retomou-a, valendo-se da cortesia dos colegas sul africanos para aceder às respectivas fotografias.

Mas mal a história saiu no SAVANA não se fez demorar a campanha de desinformação para implantar na mente do público, a ideia de que a história não passava de uma falsidade. Pessoas cujas fotografias apareciam na história surgiam de todos os lados a protestar a sua inocência; algumas raparigas que eram dadas como tendo sido traficadas apareceram nas instalações do nosso jornal para dizer que era tudo mentira, e que a prova disso é que elas estavam cá em Moçambique, acabadas de regressar da África do Sul no dia anterior.

Mas se tudo isso não era suficiente, as declarações de Arnaldo Chefo, um prestável jovem oficial da polícia, afecto ao Comando da Cidade de Maputo, foram o golpe fatal que deu por totalmente desacreditada a história que o SAVANA tinha publicado. Falando à STV na Segunda-Feira, Chefo, com ar muito sério, disse que não havia nenhum grão de verdade no que o jornal havia dito. Não era verdade que havia pessoas detidas em conexão com o tráfico de pessoas. Era tudo especulação.

Mas Chefo deve ter se apressado a pensar pela boca do que pelo cérebro. O cérebro teria lhe aconselhado a consultar outros sectores da vasta corporação onde ele trabalha, e informar-se devidamente do que estava a acontecer ao seu redor.

Alguém acima dele teve de se encarregar de dizer a verdade no dia seguinte. Foi Pedro Cossa, Porta-Voz do Comando Geral da Polícia, que não só confirmou a detenção de sete indivíduos em conexão com o alegado tráfico de seres humanos, como também encarregou-se de explicar que esses mesmos indivíduos tinham sido postos em liberdade por um juíz, sob caução.

E aqui reside o cerne de toda a questão sobre o tráfico de pessoas em Moçambique. Não duvidamos que o juíz lá tenha tido as suas razões em matéria de Direito para ordenar a libertação dos acusados. Importa, porém, salientar que três destes indivíduos foram detidos pela polícia numa situação de flagrante delito, quando já tinham concluído a transacção de uma jovem moçambicana, esta prestes a partir para a sua nova vida na África do Sul, na companhia dos seus supostos compradores.

Para estes indivíduos é, portanto, uma presunção de inocência mais de cariz académico do que factual. E aqui a luta contra o tráfico de seres humanos perde o seu futuro.

Com uma média de 30 a 40 mulheres vendidas mensalmente ao preço de 5 mil randes cada, esta é certamente uma indústria altamente lucrativa. Nunca lhe faltará dinheiro para pagar quantas cauções lhe forem exigidas, a qualquer momento. O que significa que temos uma lei que proíbe o tráfico de seres humanos, mas nos intricados meandros da justiça haverá outras leis que tornarão essa mesma lei um elefante branco.


Editorial do Savana, o2/04/10


Nota do José - Este é um assunto muito sério que merece reflexão neste Dia da Mulher Moçambicana.

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